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Tríduo Pascal
“Páscoa é a celebração central de todos nós, cristãos”
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O Jornal VOZ DA VERDADE recorda a entrevista sobre as celebrações pascais, feita ao cónego Luís Manuel, então diretor do Departamento de Liturgia de Lisboa, e publicada em 2006. Neste artigo, o sacerdote falecido em junho do ano passado destacou que “a celebração verdadeira da Páscoa deve ser a celebração do Tríduo Pascal”, e explica o significado dos momentos que a Igreja vive em cada Semana Santa.

 

Qual a marca da espiritualidade litúrgica de que fala o Concílio Vaticano II?

A Constituição Litúrgica centra a liturgia no Mistério Pascal de Cristo. Poderíamos quase dizer que a Igreja nada mais tem a celebrar senão a Páscoa do Senhor Jesus. Mesmo quando celebramos memórias de santos ou de mártires, não estamos a celebrar outra coisa senão o mistério de Cristo e da sua Páscoa. A primeira fonte da Liturgia é a Páscoa do Senhor Jesus e também terá que ser essa a primeira fonte de toda a espiritualidade cristã. O exemplo claro disso é a importância que a Igreja dá à celebração do Domingo. Toda a espiritualidade cristã tem de ser uma espiritualidade que não pode pôr de lado a importância e a vivência do Domingo como Páscoa semanal, como celebração comunitária do mistério da fé. O ano litúrgico é a celebração não de datas, mas de uma Pessoa que é o Senhor Jesus, nos diferentes mistérios da sua vida e da sua morte, tornando-se uma fonte de espiritualidade, uma educação para a fé e, ao mesmo tempo, uma fonte de vivência espiritual enriquecida pelas diferenças do ano litúrgico. O terceiro ponto essencial é toda a importância dada ao Tríduo Pascal e à Semana Santa. Já Pio XII, em 1951, tinha restaurado a Vigília Pascal colocando-a como Vigília, à noite. O Concílio continuou esta linha, mas valorizou muito a celebração do Tríduo Pascal. Tudo para Ele conflui e tudo d’Ele dimana. A celebração da Páscoa é a celebração central de todos nós, cristãos.

 

Quarenta anos depois do Concílio, muitos católicos continuam a participar apenas na celebração do Domingo de Páscoa. Qual a importância do Tríduo Pascal?

Enquanto que para grandes sectores da Igreja a celebração do Tríduo Pascal foi assumida, devido ao trabalho de sacerdotes e agentes de pastoral, temos que reconhecer que, para alguns cristãos, a celebração do Tríduo Pascal passa despercebida. Isto tem a ver com uma certa cultura ambiente que liga muitas vezes a palavra ‘Páscoa’ às férias da Páscoa. O Algarve enche-se de gente, muitos vão para o estrangeiro e, para muitos, a Páscoa é apenas isto. Muitos reduzem a celebração da Páscoa à vivência do Domingo de Páscoa; no entanto, nunca assim foi na Igreja primitiva! Santo Agostinho, nas explicações que faz aos cristãos de Hipona, lembra que a celebração verdadeira da Páscoa deve ser a celebração do Tríduo Pascal. Hoje, constatamos, ainda, que se estão a reavivar algumas tradições ligadas à Páscoa que acabam, às vezes, por ser mais atraentes para alguns cristãos, mas não nos centram no mistério pascal. A Igreja propõe a maneira de celebrar a Páscoa com o Tríduo Santo da Páscoa. Começa com a Missa da Ceia do Senhor, em Quinta-feira Santa, e termina com a Eucaristia da Ressurreição, no Domingo de Páscoa.

 

Quais são os principais mistérios que se celebram em Quinta-feira Santa, na Missa da Ceia do Senhor?

A liturgia põe-nos perante três grandes elementos. Por um lado, a instituição da Eucaristia, onde celebramos o memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Toda a Igreja celebra, com Cristo, este memorial do seu mistério redentor que Ele, historicamente, celebrou depois em Sexta-feira, Sábado e Domingo de Páscoa. Um segundo elemento que a liturgia da Missa da Ceia do Senhor nos recorda é a instituição do sacerdócio ministerial. É também na e da Eucaristia que nós vemos que o Senhor Jesus institui o sacerdócio ministerial, não só no mandato ‘Fazei isto em memória de Mim’, mas em toda a ambiência da Ceia do Senhor. O terceiro elemento que aparece é o mandamento novo do amor, expresso naquilo que o Senhor Jesus faz quando se levanta da mesa e lava os pés aos discípulos. Interessante ver que o Senhor Jesus diz, depois daquele gesto, quase as mesmas palavras que diz no que se refere à Eucaristia: ‘Assim como Eu fiz, vós o deveis fazer também’.

Na Missa da Ceia do Senhor temos estes três grandes elementos e a própria liturgia realça isso. No caso da Eucaristia, toda a celebração é o memorial da Ceia do Senhor, continuada com a transladação do Santíssimo Sacramento – feita com uma pequena procissão – para um lugar digno e especial. Muitas comunidades reúnem-se no silêncio da noite para uma oração junto desta reserva eucarística, presente num lugar de destaque na igreja. Muitas das nossas celebrações têm um sinal visível deste mandamento novo do amor, por exemplo, no lava-pés. Existem comunidades que têm o cuidado de escolher os representantes das áreas ou dimensões da comunidade que fazem a experiência da dor, do sofrimento. Muitas vezes, estes doze que são convidados para o lava-pés são idosos, doentes, pobres. Gente que faz uma experiência da fragilidade humana.

 

Porque é que em Sexta-feira Santa a Igreja não celebra Eucaristia, concentrando a celebração na adoração da Cruz do Senhor?

De facto, a Sexta-feira Santa é um dia em que não há celebração da Eucaristia. Todo o dia de Sexta-feira Santa está centrado na adoração da Cruz do Senhor. Aliás, se há dia no ano litúrgico em que a Cruz do Senhor como que ‘impera’ sobre toda a Igreja, esse dia é a Sexta-feira Santa. A ‘Solene Ação Litúrgica da Paixão do Senhor’ é composta de três grandes partes: a liturgia da Palavra, a liturgia da adoração da Cruz e a distribuição da Sagrada Comunhão.

A liturgia da Palavra centra-se no mistério redentor de Jesus, a morte redentora de Jesus: o livro de Isaías, a Carta aos Hebreus e o Evangelho de São João. Mergulhamos no sentido mais profundo do mistério da Cruz do Senhor: a sua morte! O texto de Isaías dá-nos a imagem do que acontecerá em Jesus com a imagem do ‘servo sofredor’. Aqui vemos a imagem já da morte redentora do Senhor Jesus. O ‘servo sofredor’ é Cristo que assume a nossa condição pecadora e tudo o que na nossa existência consideramos de ‘infeliz destino’, o mal, o pecado. É uma expressão pequena que o texto apresenta, mas elucidativa disto mesmo: ‘Nas suas chagas, fomos curados’. A Carta aos Hebreus olha de novo este mistério redentor e leva-nos a entender que a verdadeira imolação de Jesus esteve na sua obediência até à morte e morte de Cruz. Jesus leva até ao fim o desígnio redentor de Deus. A morte na Cruz é a realização concreta do ato primeiro que houve em Cristo e que foi o ato de se entregar voluntariamente. O verdadeiro sacrifício do Senhor Jesus começa com a decisão e a vontade de acolher o desígnio do Pai. Aqui está o sacrifício, ao assumir livremente redimir os homens e passar por aquilo que passou. A morte da Cruz é a realização histórica desta imolação que o Senhor Jesus já tinha feito de si próprio. O verdadeiro martírio está na tomada de decisão do Senhor Jesus. O Evangelho é a leitura da Paixão do Senhor Jesus, carregada de simbolismo e interpretação teológica. São João salienta todos os elementos, como o véu do templo, e todos os sinais ao longo do relato da Paixão, que nos centram na Cruz. A liturgia da Palavra tem, depois, um dos elementos mais antigos de Sexta-feira Santa, que é a grande Oração Universal, com a qual termina a liturgia da Palavra. De facto, nas dez intenções propostas pelo Missal estão todas as necessidades e todas as realidades da Humanidade. É a oração mais antiga que serviu de inspiração às nossas orações dos fiéis.

Como sabemos, depois de Quinta-feira Santa os templos ficaram sem cruzes, sem elementos de adorno, o próprio altar não tem toalha, neste sinal de completo despojamento. A tradição vê nesse gesto o abandono de Jesus no Jardim das Oliveiras em Quinta-feira Santa. Mas é de facto um completo e total despojamento de tudo. A própria celebração começa sem nada. É trazida a Cruz do Senhor, de forma solene, e apresentada à comunidade. Existe um elemento comum nas duas formas de apresentação da Cruz à comunidade, que são as palavras pronunciadas por aquele que a apresenta: ‘Eis o madeiro da cruz, na qual esteve suspensa a salvação do mundo’. A Igreja apresenta a Cruz olhando-a por ‘dentro’. Não se fica pelo aspeto exterior do sangue e da morte, mas percebe que naquela Cruz esteve suspensa a salvação do Mundo. A Cruz é o lugar onde se deu o destino do Homem e do mundo. Como nos diz a sequência da Páscoa, “a morte e a vida travaram duelo admirável”. A Cruz é o lugar desse duelo. Aí, Ele amou e lutou até ao fim no campo da própria morte para nossa salvação. Neste dia, os fiéis olham para a Cruz com intensidade e amor, porque entendem que ali se jogou o nosso destino. Desde cedo, os cristãos percebem isso mesmo! Basta ver as palavras de São Paulo: ‘Toda a nossa glória está na Cruz de Jesus’.

 

De que forma se faz a adoração da Cruz?

Somos todos convidados a venerar, adorar a Cruz do Senhor. Com um beijo, uma inclinação, uma reverência ou uma prostração. Depende das diferentes comunidades. Há uma coisa que se poderia corrigir em alguns lugares. A Cruz levada à adoração deve ser só uma. É uma comunidade que venera a mesma Cruz. Terminada a veneração, a Cruz é colocada num lugar de honra. Neste dia de Sexta-feira Santa, a Cruz tem a mesma veneração, ao nível do gesto, que o Santíssimo Sacramento. Por isso, devemos ajoelhar perante a Cruz. A terceira liturgia é a da distribuição da Sagrada Comunhão, algo que o Papa Pio XII introduziu quando restaurou não só a Vigília Pascal, mas a Semana Santa. Os nossos irmãos ortodoxos não comungam neste dia. Nós comungamos, mas retiramos a reserva eucarística do templo, recordando as palavras de Jesus: ‘Dias virão em que o noivo lhes será tirado e aí jejuarão’. Em Sexta-feira Santa é importante que toda a Igreja medite na morte de Jesus.

 

Em Sábado Santo, toda a Igreja repousa...

Sim! Repousa no silêncio de quem espera o seu Senhor. Toda a Igreja está expectante à porta do túmulo para que o Senhor Jesus ressuscite. No entanto, é um dia marcado pela dimensão da Cruz, da sua morte e do seu repouso, no seio da Terra.

 

A Vigília Pascal é a noite da Iniciação Cristã. Quais são os sinais de Páscoa que nos aparecem nessa celebração?

A Vigília Pascal é sempre uma vigília batismal para quem vai receber o Batismo ou, para quem já recebeu os sacramentos da Iniciação Cristã, há a renovação das promessas batismais. Mesmo que não haja batismos, a Vigília Pascal celebra sempre a vigília batismal, quer com a bênção da água, quer com a renovação das promessas batismais e também com o rito de aspersão. Em todo o caso, deve haver bênção da água, porque servirá para os batismos que são feitos durante o tempo pascal e também é dessa água que se faz o rito da aspersão da assembleia. Quando há batismos, as coisas ainda se realçam mais, porque toda a liturgia batismal – depois das ladainhas – começa com a bênção da água, a renúncia dos eleitos e depois o Batismo e o Crisma dos eleitos. Mas, depois de se fazer isto, há novamente a renúncia e a profissão de fé, porque a restante assembleia faz a renovação das promessas do Batismo.

As ladainhas são outro dos elementos fundamentais. Antes das grandes ações sacramentais – como o Batismo e a Ordem, por exemplo –, a Igreja canta as ladainhas porque na sua liturgia se realiza sempre a unidade entre Cristo e a Igreja. Isso está expresso na Constituição sobre a Sagrada Liturgia, no número 7, quando diz que “Cristo associa a si a Igreja, sua esposa”. Portanto, o corpo místico de Cristo – do qual Cristo é a cabeça – é a Igreja Peregrina e a Igreja da Glória e todo este corpo está presente na liturgia. A Igreja pede a intercessão dos santos, porque este corpo místico de Cristo é um corpo vivo que comunica entre si. Quando a Igreja canta as ladainhas, associa a si toda a Igreja da Glória e faz dela sua intercessora, por isso respondemos, a cada invocação: ‘Rogai por nós’. Outra coisa interessante é que depois de se fazer memória da História da Salvação, a Igreja também faz memória da sua própria história, porque aqueles homens e mulheres fazem parte da vida da Igreja que, de diferentes maneiras e com diferentes carismas, foram vivendo a força redentora do Mistério Pascal de Cristo.

 

Há alguns sinais próprios que devem ser realçados quando há Batismos?

Normalmente, quando se rezam as ladainhas, não se reza a oração dos fiéis, no entanto, isto não acontece na Vigília Pascal, porque aqueles que foram batizados estão, pela primeira vez, de pleno direito e totalmente integrados na comunidade dos crentes. Assim, eles unem-se a toda a assembleia e, pela primeira vez, dirigem a Deus a oração dos fiéis, porque agora são fiéis. Até ao seu Batismo, participam na Eucaristia durante a liturgia da Palavra e depois são despedidos, antes do credo e da oração dos fiéis. Também o Pai-Nosso é rezado pela primeira vez, porque embora já o tenham recebido na Tradição da Oração Dominical, a verdade é que naquela noite santa da Páscoa já estão batizados e rezam com todos os cristãos a oração própria dos filhos de Deus.

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