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Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus comemoram 125 anos de presença em Portugal
“Cuidem-nas como crianças, respeitem-nas como adultos”
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Chegaram a Portugal, há 125 anos, para dar resposta à doença mental das mulheres. Atualmente, a congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, fundada por São Bento Menni, conta com 12 casas em Portugal e, apesar do “desafio grande e assustador” que é gerir a instituição, a superiora provincial, irmã Sílvia Moreira, testemunha os “milagres” que vão acontecendo e garante que a sociedade pode continuar a esperar da instituição a atenção ao “cuidado dos mais frágeis”.

 

As Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus trouxeram, há 125 anos, algo que “não existia” em Portugal: a resposta à preocupação com a saúde mental das mulheres. “Nós nascemos com esse objetivo”, sublinha, ao Jornal VOZ DA VERDADE, a atual superiora da congregação em Portugal, irmã Sílvia Moreira. Desde então, com a abertura da casa de saúde, na Idanha, foi-se percebendo que não era só ali que a presença da congregação fazia falta. Havia uma “grande necessidade de resposta”. “O facto de existirem benfeitores, muitas vocações e também o desejo de servir e de responder” impulsionaram a expansão. Atualmente, a congregação gere 12 centros, divididos entre o continente (oito) e as ilhas (quatro). Cedo se percebeu que as primeiras instalações, na Idanha, Sintra, “não iriam ficar às moscas” e, em 1922, abriram a segunda casa, “mesmo ao lado”, em Belas. Ao longo dos anos, foram nascendo novas casas e o último centro nasceu há 25 anos, precisamente na zona da Guarda, por onde o fundador, São Bento Menni, entrou em Portugal. “Digamos que a nossa última fundação em território português é uma espécie de ação de graças por aqueles que nos deram as primeiras vocações”, assinala a irmã Sílvia, sublinhando que, na década de 80, cerca de 50 por cento das religiosas portuguesas da congregação eram daquela zona do país.

 

“No doente, está Jesus a sofrer”

O “olhar para os últimos”, explicado através da figura evangélica do “bom samaritano”, foi o que impeliu o então religioso Bento Menni a fundar, em 1881, a Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus. Este irmão da Ordem Hospitaleira de São João de Deus recebeu como missão do Papa Pio IX restaurar a Ordem em Espanha, mas transportou também, para Portugal, o anúncio da “possibilidade de uma vocação de vida entregue ao serviço dos doentes”. É “este espírito inicial” que mantém vivo, hoje, esta missão. “O nosso fundador dizia às primeiras irmãs que no doente, está Jesus a sofrer. Quando aliviamos o sofrimento do doente, estamos, ao mesmo tempo, a aliviar o sofrimento de Jesus. Claro que podemos conduzir a nossa missão numa linha filantrópica e olhar apenas para a dimensão humana, com a ideia de que tudo depende das nossas forças. Mas costumamos dizer que ‘a paciência tem limites’. E o serviço à pessoa com deficiência mental, às vezes, exige muita paciência”, partilha a irmã Sílvia Moreira, garantindo que só é possível “encontrar essa paciência, essa humanidade permanente”, unindo o seu sofrimento “ao sofrimento de Jesus”. “Do sofrimento d’Ele, colho força para responder ao sofrimento dos outros e também ao meu”, garante.

 

Falta “consciência do limite”

Os desafios para quem lida com algum tipo de doença mental são inúmeros, mas, para a irmã Sílvia, existem duas coisas que nunca se pode esquecer: a primeira é que “a pessoa doente não está doente porque quer”; a segunda é “não existir maldade nas atitudes que essa pessoa toma”. “São consequência de uma doença que a pessoa não controla”, refere. E, nesse sentido, esta religiosa aponta uma atitude que toda a sociedade deve ter: “Temos o dever de o defender dele mesmo e de defender a sociedade dele, também. O que sinto que falta na nossa sociedade atual, por tantos cortes que há, é precisamente o investimento nesta área. Não se tem consciência da incapacidade de controlo que estas pessoas têm”.

Esta religiosa alerta ainda para a potencial criação, pela sociedade, de pessoas com doença mental. “É uma sociedade em que não é criada, a nível da formação das crianças, a consciência do limite. Tudo é possível, tudo se pode e existe o direito a tudo. Mas não há o equilíbrio entre o direito e o dever. Por exemplo, quando uma criança que tem tudo entra na fase em que não pode ter, ela não está preparada para isso. Então, aumenta a frustração, as depressões e, aí, aumenta, muitas vezes, a agressividade própria de quem não foi educado a educar a sua própria agressividade”, sublinha a superiora provincial.

 

Milagres

Chegar ao final do mês com as contas da instituição em dia é um “desafio grande e assustador”, define esta responsável da congregação que tem cerca de dois mil colaboradores. “É uma gestão contínua, diária, que também nos faz sentir que precisamos de milagres. E vão acontecendo, não no sentido de que o céu se abre, mas as coisas vão chegando quando a gente não espera”, revela. “Se conseguimos garantir é porque temos benfeitores que, no momento certo, dão-nos ajuda. Mas não posso dizer que daqui a cinco anos podemos estar como estamos agora e não tenhamos necessidade de fechar nenhuma casa”, assume esta religiosa.

 

Aprender

A irmã Sílvia Moreira está no cargo de superiora provincial da congregação desde outubro do ano passado, para um mandato de seis anos, e vem de uma experiência de missão, em África, mais concretamente em Angola e Moçambique, onde exerceu funções de técnica de serviço social e foi responsável pela formação e acompanhamento das irmãs juniores em Moçambique, assim como pela animação da comunidade em Angola. Quase a completar um ano desta nova responsabilidade, em que passou de “uma realidade micro para uma realidade macro”, a religiosa afirma-se como estando “a aprender a função” e agradece a Deus por todas as religiosas e colaboradores que trabalham na instituição. “Eu dou a cara, mas não sou eu que sustenta a missão. É um conjunto de pedras vivas que leva esta missão”, afirma a religiosa natural do Porto.

 

“Serei eu?”

Foi ao terminar a licenciatura em Serviço Social que Sílvia Moreira foi desafiada para participar num congresso da área, em Coimbra. “Pelos corredores, havia panfletos dos irmãos de São João de Deus, propondo várias atividades com jovens. Pensei: ‘Como é uma área em que tenho medo, se calhar, seria interessante fazer uma experiência aqui’. E fiz a minha inscrição que foi encaminhada para as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus”. A experiência era de 10 dias, mas, no final do primeiro dia, a estudante Sílvia questionou-se sobre se aquela experiência seria para levar até ao fim. “Era uma realidade muito nova para mim. As pessoas doentes são muito afetivas, próximas, e eu não estava habituada a tanta proximidade. Causou-me um certo receio”, partilha, afirmando que, apesar de tudo, ao terceiro ou quarto dia as questões já não se deviam à vontade de estar ali ou ir embora. “Num dos momentos, estava de serviço numa unidade de doentes agudos e havia uma senhora com alzheimer ou demência. Vim passear com ela para o jardim e, no meio do seu discurso, disse esta frase: ‘Se eu tivesse alguém!’. Aquela frase ficou-me e, ao longo dos dias, perguntava-me: ‘Será que eu não sou esse alguém?’. Nos momentos de oração, vinha muito essa questão. Comecei a fazer um percurso de discernimento vocacional para saber se era ali o meu lugar ou não. Terminei o curso, trabalhei durante um ano, e no final desse ano entrei na congregação”, recorda.

Foram estas e continuam a ser outras palavras de doentes que fortalecem a consagração da irmã Sílvia Moreira. As doentes, sobretudo “aquelas que cognitivamente são mais frágeis”, fazem perguntas em que se “percebe que Deus está ali, está a falar por meio daquela pessoa. Isso torna-a um presente para mim”, destaca.

 

“Maior proximidade”

Em todo o mundo, a congregação conta, atualmente, com cerca de 1000 religiosas. Em Portugal, são cerca de 150. O propósito de atrair novas vocações consagradas é “um desafio muito grande” e “um problema sério”. “Sempre temos investido no trabalho com os jovens, mas tínhamos muito a nossa atividade vocacional focada para a sensibilização da pessoa doente”. A este nível, “vão-se conseguindo vitórias”, mas, “se calhar, em termos de anúncio vocacional, não se investiu tanto quanto se deveria ter investido, ao longo dos últimos anos”, afirma.

Apesar de ter conhecido a congregação através de uma experiência com pessoas doentes, a irmã Sílvia admite que possa haver, atualmente, “outras jovens que precisem de uma insistência maior”. “Se calhar, não temos tido tanto essa atenção. Creio que agora, com as opções que tomámos neste novo governo, que é um pouco mais de cuidado e atenção às vocações mais jovens, podemos ter um trabalho de maior proximidade. Se terá frutos ou não, só Deus sabe”, aponta.

 

Cuidado dos mais frágeis

Segundo a irmã Sílvia Moreira, a sociedade pode continuar a esperar da congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus uma atenção ao “cuidado dos mais frágeis” que não são, necessariamente, “aqueles que não têm dinheiro ou determinados acessos”. “Os mais frágeis são aqueles que não têm controle de si mesmos e estão completamente expostos a tudo. Eles não se defendem, precisam que os defendam. O nosso fundador tinha uma frase muito bonita que dizia às irmãs: ‘As doentes são crianças em corpo adulto que precisam de ser defendidas. Cuidem-nas como crianças, respeitem-nas como adultos’. É um pouco a gestão destes dois limites que é a grande exigência para nós, que é preciso responder porque aquela pessoa que ali está é uma pessoa”, sublinha.

 

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Irmãs Hospitaleiras chegam a Timor

A Congregação das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus está, desde maio deste ano, presente em Timor. “O objetivo é começar a atender pessoas com doença mental. Atualmente, essa resposta é dada pelos irmãos [da Ordem Hospitaleira de São João de Deus] numa das zonas do território. Existia outra zona a descoberto, que é, precisamente, para onde nós fomos”, explica a irmã Sílvia Moreira, superiora provincial da congregação em Portugal. “Depois de uma visita ao espaço e no contacto com as autoridades, apresentámos o projeto ao governo geral da congregação, que mobilizou irmãs de outras províncias também para integrarem este projeto. Integra-o uma irmã da Província de França, uma irmã da Província de Portugal e uma das Filipinas”, explica.

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