Lisboa |
Escola de Talentos, do Apoio à Vida
Uma escola que transforma vidas
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Passar a ferro, limpar a casa, cozinhar ou cuidar de crianças e idosos. Estas são algumas das disciplinas do curso da Escola de Talentos, uma valência do Apoio à Vida que forma, em serviços domésticos, as mães da instituição e quer (re)inseri-las no mercado de trabalho.

 

“Estou a gostar muito das aulas de engomar a roupa e das de cozinha”. É com um sorriso nos lábios que Elizandra, uma cabo verdiana de 31 anos, a viver há menos de um ano em Portugal, partilha ao Jornal VOZ DA VERDADE a sua experiência na Escola de Talentos. “Estou muito contente e a gostar muito, até porque, em princípio, daqui eu consigo um emprego”, salienta, esperançada, esta mãe de três filhos, presente em Portugal com a filha mais velha, que está a fazer tratamento em oftalmologia.

Inaugurada há cinco anos, a Escola de Talentos é uma valência do Apoio à Vida que quer formar as mães acompanhadas pela instituição, segundo explica Sofia Fernandes, técnica de inserção profissional, ao Jornal VOZ DA VERDADE. “O objetivo é ajudar as mães que acompanhamos, nesta fase de reinserção no mercado de trabalho. Não as conhecemos profissionalmente, portanto houve necessidade de as capacitar para um mercado que consideramos ser uma mais-valia, os serviços domésticos, não só pelos vencimentos que são praticados, mas também pelos horários e pelo facto de poderem ter, do outro lado, uma família que as acolhe e as acompanha”, frisa esta responsável, que trabalha com todas as utentes do Apoio à Vida.

Elizandra é uma das cinco mães que está a frequentar, da parte da manhã, o curso ‘Serviços domésticos e apoio à família’. Conheceu esta formação, e também o Apoio à Vida, através de uma prima. Passados dois meses de um curso que tem a duração de três, a expetativa desta cabo verdiana é encontrar trabalho e, quem sabe, ficar no nosso país, acompanhada da família. “Estou a gostar muito de Portugal e, em princípio, quero ficar cá a trabalhar e fazer vir os outros filhos e o pai deles. Esse é o meu sonho”, partilha Elizandra.

 

Formação personalizada

Sofia Fernandes, que está há um ano e meio no Apoio à Vida, após vários anos como voluntária – “quando terminei a licenciatura em Gestão de Recursos Humanos fiquei maravilhada com o projeto!” –, refere que a Escola de Talentos “era uma necessidade” da instituição, devido “aos diversos pedidos” que têm, por parte de famílias. “Até ao dia de hoje, já tivemos mais de 700 pedidos, um número muito maior do que as alunas formadas desde 2014”, observa. Para participar nesta formação, é preciso “ter perfil”, mas também “demonstrar interesse” pela área e “não ter trabalho”, aponta Sofia. Por outro lado, as mães só podem participar no curso se tiverem onde deixar os bebés, seja numa ama ou numa creche. “A nossa ideia é que, quando terminem o curso, já tenham a vida organizada para começarem a trabalhar de imediato”, sublinha.

Desde janeiro deste ano que a Escola de Talentos funciona no Centro Pastoral da Igreja de Miraflores, de segunda a sexta-feira, após alguns anos na Paróquia de Santa Joana, Princesa. Ao longo do ano, decorrem seis edições do curso, de manhã (das 10h às 13h) e da parte da tarde (entre as 14h e as 17h), em três datas: de janeiro a março, depois de meados de abril a meados de julho e, finalmente, de setembro/outubro até dezembro. “Os cursos são constituídos por seis a sete alunas, não mais do que isso, porque apostamos numa formação muito personalizada, quase de um para um. Para cada grupo, há sempre duas formadoras voluntárias em cada uma das áreas. Temos uma equipa fantástica de 25 formadoras voluntárias, a darem aulas diariamente, cada uma na sua área de especialização”, observa Sofia, que atualmente se encontra a substituir a coordenadora da escola.

 

Minuciosamente avaliadas

São oito as disciplinas do curso da Escola de Talentos: ‘Formação Humana’, ‘Lavagem, tratamento de roupa e costura’, ‘Idosos e dependentes’, ‘O bebé e a criança’, ‘Cozinha’, ‘Consultoria de imagem’, ‘Limpeza e arrumação’ e ‘Extras’. “Todos os dias, temos uma disciplina diferente: aulas de cozinha, aulas sobre como tratar de bebés e crianças – porque, apesar de elas serem mães, é completamente diferente tratar de filhos de outras pessoas – ou de idosos e dependentes, aulas de limpeza e arrumação da casa, tratamento de roupa, consultoria de imagem – porque a imagem delas tem que se adequar aos vários momentos da sua vida – e formação humana, que também é muito importante, não só pelos direitos e deveres, mas também para perceberem melhor a nossa cultura”, resume a responsável.

Ao longo do curso, existem três momentos formais de avaliação, um por cada mês. “Todas as formadoras e eu, conjuntamente com a equipa técnica, fazemos avaliações, qualitativas e quantitativas, de cada aluna. Essa avaliação é dada um por um, com cada uma das alunas, e são notas a sério, de zero a 20, como numa escola”, frisa. Também a assiduidade tem um impacto direto nas notas, porque faz parte da postura profissional. “Por muito boa que seja profissionalmente, se não chegar a horas e não for assídua, não vai conseguir manter o seu trabalho. Muitas vezes, não é uma questão de desinteresse, mas pode ser porque não tem a vida suficientemente organizada, ou vive demasiado longe do trabalho. Queremos antecipar questões no futuro e ajudá-las a perceberem o impacto que tem. Estas raparigas são minuciosamente avaliadas”, garante Sofia Fernandes.

 

“Aprender coisas que não sabia”

Tal como Elizandra, Sofia está também a frequentar, da parte da manhã, o curso da Escola de Talentos. “No Apoio à Vida, fui acompanhada pela Dra. Paula [assistente social da instituição], que me falou do curso em Miraflores. Fiquei com dúvidas, sobretudo porque não sabia como o curso ia funcionar, nem conhecia ninguém, mas arrisquei e acabei por aceitar”, conta, ao Jornal VOZ DA VERDADE, esta cabo verdiana, de 26 anos. Sofia conheceu o Apoio à Vida no ano passado, através de uma amiga, quando ainda estava grávida dos filhos gémeos que estão consigo em Portugal e que têm, atualmente, um ano e três meses de idade. Hoje, passados dois terços da formação, não tem dúvidas. “Por acaso, estou a gostar da escola”, refere, confiante. “Estou a aprender coisas que não sabia. Está a ser muito bom e é uma experiência que eu não tinha. Gosto de tudo, mas o que gosto mais, mais, mais, é limpeza e engomar a roupa. Na cozinha quero ainda aprender mais, porque ainda não sei muita coisa”, assume.

Apesar de trabalhar num lar, o desejo de Sofia, a exemplo de Elizandra, e de todas as outras mães que frequentam a formação, é encontrar emprego nesta área dos serviços domésticos. “A expectativa, quando sair daqui, é ter um emprego”, salienta. Com isso, esta jovem sonha trazer de Cabo Verde os dois filhos mais velhos. “Não tinha documentos, mas agora estou legal e estou muito feliz”, termina.

 

Uma festa de finalistas

A taxa de sucesso do curso da Escola de Talentos “é elevada, felizmente”, e é medida em função da colocação no mercado de trabalho, segundo explica Sofia Fernandes. Contudo, há quem não chegue ao final da formação. “A qualquer momento, durante o curso ou no final, elas próprias podem chegar à conclusão que não se identificam com esta área e não se imaginam a trabalhar numa casa de família”, lembra esta técnica de inserção profissional, assegurando que estas mães “não vão deixar de ter apoio” da Escola de Talentos.

Sofia Fernandes salienta que as alunas são, na sua maioria, africanas, chegadas há muito pouco tempo ao nosso país e sem experiência profissional, na casa dos 20 anos e com uma escolaridade baixa. É, por isso, “com muito entusiasmo” que a Escola de Talentos termina cada curso com “uma grande festa de entrega dos diplomas”. “É um dia muito marcante para cada uma delas. Para a maioria, é a primeira conquista que tem, de começar e terminar uma formação. É um dos momentos altos para elas e para a família”, enaltece esta responsável, levantando a ponta do véu acerca desta festa: “É preparado um cocktail, por elas, nas aulas de cozinha, e convidamos as famílias, todo o Apoio à Vida, os nossos patrocinadores e as instituições parceiras – porque temos alunas de outras instituições, apesar de a maioria ser do Apoio à Vida”.

Desde 2014, a Escola de Talentos formou mais de 100 alunas. “Por trás de cada número, está uma pessoa. E por vezes com uma vida difícil. O desafio diário é conseguirmos acolhê-las, com todo o amor e respeito, e fazê-las sentirem que estão acolhidas como se fosse um ninho para depois começarem a voar por elas. Mas com muito profissionalismo, porque o mundo real depois não vai ser outro ninho”, refere. Depois do curso, as famílias. “Há que encontrar um trabalho em serviços domésticos, dentro do possível, com descontos para a Segurança Social e com contrato de trabalho. Nós procuramos fazer um ‘match’ perfeito, entre as aptidões e motivações da aluna e as casas para onde vão. Conhecer a família, conhecer as alunas e fazer então a junção perfeita”, ambiciona esta responsável.

 

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Apoio à Vida

Linha gratuita e confidencial 24 horas: 800208090

Site: www.apoioavida.pt

 

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Entrevista ao presidente da direção do Apoio à Vida, Manuel Faria-Blanc: “Atividade do Apoio à Vida tem crescido muito desde a sua fundação”

 

Uma sala, uma pessoa e um telefone. Foi assim que, em 1999, nasceu o Apoio à Vida, uma instituição que, nestes 20 anos, apoiou mais de quatro mil mães. Manuel Faria-Blanc integra a direção desde o início e destaca, em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, os vários projetos da associação.

 

Em 20 anos, o Apoio à Vida ajudou mais de quatro mil mulheres a terem os seus filhos. Esta é a vossa maior vitória?

Sem dúvida! O Apoio à Vida foi constituído exatamente para ajudar todas as grávidas com dificuldades, em dúvida perante uma situação de gravidez inesperada ou não planeada, para poderem levar por diante a sua gravidez e terem os seus bebés e não recorrerem ao aborto, obviamente.

 

É uma missão tão atual hoje como era em 1999?

É, porque infelizmente há muitas mulheres que ficam numa situação desesperada quando se encontram grávidas, abandonadas pela família, pelo pai da criança. Infelizmente, é uma realidade que existia há 20 anos, mas que continua a existir.

 

Que significado tem a celebração destes 20 anos do Apoio à Vida?

Na prática, acaba por ser um ano como outro qualquer, em que continuamos com os projetos que temos em mãos. A atividade do Apoio à Vida tem crescido muito desde a sua fundação. Começámos com uma sala, uma pessoa e um telefone, digamos assim — que foi o embrião do atual centro de atendimento — e hoje em dia temos a trabalhar connosco quatro assistentes sociais, três psicólogas, além da Escola de Talentos, do projeto ‘Famílias em Casa’ – de visitas domiciliárias para promoção de competências parentais – e da Casa de Santa Isabel, de acolhimento temporário, que é uma área de atuação fundamental, iniciada em 2003, porque rapidamente percebemos que havia situações em que era necessário ir um pouco mais além do que o apoio social ou psicológico. Era preciso arranjar um abrigo para estas mães, que foram completamente abandonadas pela família, pelo pai do bebé, postas na rua. Na casa, onde já nasceram mais de 120 bebés, conseguimos recolhê-las e dar-lhes todas as condições para passarem uma gravidez sossegada, calma, em que simultaneamente vão adquirindo formação, e onde têm os seus bebés e só saem quando conseguimos garantir, tanto quanto é possível nestas situações, que conseguem levar a vida por diante e ter a sua autonomia.

 

Há dois anos, o Apoio à Vida iniciou a prevenção e sensibilização nas escolas. Que projeto é este?

O ‘Um mais um – achas que tens a escola toda’ é um projeto em que vamos às escolas e fazemos duas sessões, a rapazes e raparigas do 8.º, 9.º ano, para lhes falar do que é a vida afetiva, da responsabilização, a forma de viver a sua sexualidade de uma forma humana, com respeito pelo outro, de assumir responsabilidade pelas decisões que tomam. Começámos por ser nós a contactar as escolas, mas tem corrido tão bem e temos tido um feedback tão bom, quer por parte dos alunos, quer por parte dos professores, que começámos a receber pedidos de toda a parte.

 

Em janeiro deste ano, o Apoio à Vida inaugurou uma casa em Vila Franca de Xira. Que balanço faz destes primeiros meses?

Em parceria com a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, conseguimos abrir este centro de atendimento, onde estamos, por enquanto, uma vez por semana, mas onde já atendemos várias famílias da zona. Tem corrido muito bem, com uma grande colaboração dos serviços sociais da câmara. Tem aparecido bastante gente, quer grávidas, quer famílias com bebés pequenos que precisam de apoio ao nível de bens, de fraldas, leites, papas.

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