Lisboa |
Rebelo Cardoso - arte sacra
Peças que convidam à oração
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É uma pequena empresa familiar, nascida há 73 anos, que se dedica exclusivamente à arte sacra. A especialidade? Presépios, Meninos Jesus, Sagradas Famílias, Nossas Senhoras e vários santos. As obras Rebelo Cardoso atravessam gerações e estão disponíveis na livraria Nova Terra, no Patriarcado de Lisboa.

 

“Gosto, realmente, que as pessoas olhem para as peças e as sintam de forma contemplativa. Que gostem de admirar as peças pela questão religiosa que apresentam”. Pedro Rebelo Cardoso estudou Gestão de Empresas, mas desde muito novo acompanhou o pai, o escultor José Rebelo Cardoso, no seu ateliê na Rua Desidério Bessa, em Lisboa, admirando as suas obras. “As peças Rebelo Cardoso são elaboradas em material cerâmico de elevada qualidade, retocadas e pintadas à mão com tinta de óleo, continuando a manter uma nota inconfundível de interioridade e sentimento religioso muito puro”, frisa, ao Jornal VOZ DA VERDADE, o filho Pedro, continuador do sonho do pai, falecido em 2001. “Mantive a atividade até hoje porque é uma coisa que sempre me acompanhou, desde pequeno, e que gosto bastante de fazer”, refere.

 

Menino na Cruz

Nascido na Covilhã, em 1925, o escultor José Rebelo Cardoso veio para Lisboa com 2, 3 anos, mas desde cedo mostrou vocação para a arte. “A primeira peça que mostrou que o meu pai tinha jeito para a arte foi o desenho de uma nota. O meu avô viu que ele tinha apetência para as artes e que queria seguir. Foi para a Escola António Arroio, onde foi muito bom aluno, e depois entrou na Faculdade de Belas Artes”, lembra Pedro, sublinhando a “preferência” do pai pela arte sacra. “Os meus avós eram pessoas muito religiosas e o meu pai desde novo que mostrou preferência pela arte sacra. Temos algumas pinturas e alguns desenhos que o meu pai fez, e alguns desenhos feitos nas Belas Artes, e já tinham essa vertente”, conta o filho Pedro.

A primeira peça que o escultor José Rebelo Cardoso fez, em 1944, então com 19 anos, foi o Menino na Cruz. Uma obra que Pedro guarda religiosamente. “Dessa mesma peça ainda hoje em dia se fazem réplicas, tal como de muitas outras peças criadas por ele, como os presépios. Tenho casais amigos que têm peças que já eram dos seus pais e agora os netos adquirem as peças porque as viram em casa dos avós”, conta. Segundo Pedro Rebelo Cardoso, em meados do século passado o seu pai foi “percebendo que diversas pessoas faziam peças de grandes dimensões para igrejas, mas não havia quem produzisse peças mais pequenas, que pudessem ser adquiridas para as pessoas terem nas suas casas”. “Na época, não havia muitos escultores a fazerem este tipo de arte sacra. Havia a Maria Amélia Carvalheira, que era cerca de 20 anos mais velha do que o meu pai, cujas peças eram muito semelhantes, dentro do mesmo estilo. O meu pai viu essa oportunidade e começou a produzir peças mais pequenas, de forma a dar acesso a todas as pessoas”, explica.

As encomendas começaram então a surgir, de Portugal e do estrangeiro. “Em 1944 foi quando meu pai fez a primeira peça, ainda a estudar, e nos anos 50 foi quando teve a maior expansão. O ateliê sempre foi em Lisboa, mas a primeira encomenda chegou de Fátima, para a Consolata”, refere Pedro, lembrando que “o ateliê começou a crescer muito”. “O meu pai tem peças espalhadas por todo o lado. Antes do 25 de Abril, chegou a ter 27 funcionários a trabalhar com ele. Portanto, foram muitas milhares de peças feitas no ateliê”, salienta, recordando-se de um episódio: “Estamos há mais de 70 anos no mercado e existem muitas obras do meu pai espalhadas por todo o país. Certo dia fui a um batizado numa igreja na margem sul, para os lados de Almada, em que estava lá uma imagem do meu pai, que eu não fazia a mínima ideia”.

 

Qualidade e beleza

José Rebelo Cardoso deixou de trabalhar em 1991 e, nessa altura, Pedro tinha então 15 anos, mas “já fazia coisas mais a sério” no ateliê de seu pai. “Ele dizia-me: ‘Há clientes que me estão sempre a pedir coisas… Vê lá, se quiseres fazer, tu já sabes fazer e consegues fazer tudo, se quiseres acompanhar, vai fazendo’. Por isso, ao mesmo tempo, fui estudando e fui trabalhando, porque era, de facto, uma coisa que eu gostava”, assume o filho.

Questionado sobre qual a primeira preocupação ao fazer uma nova peça, Pedro Rebelo Cardoso destaca a qualidade. “A partir dos traçados que já vinham do meu pai – porque foi sempre assim que fiz e foi assim que o aprendi –, procuro seguir a mesma fisionomia em termos das peças. O acabamento tem de ter, de facto, muita qualidade para se distinguir das restantes coisas que existem hoje em dia. Em termos de pintura, no nosso país, somente no ateliê Rebelo Cardoso se faz este tipo de pintura, com exceção nas imagens maiores, porque dá muito trabalho. Temos de manter essa qualidade em termos da produção da peça, em termos do acabamento e em termos da pintura”, responde. E em termos espirituais? “O mais importante – e, aí, esse laço muito chegado ao meu pai – é ter essa característica, que acho que está um pouco banalizado hoje em dia, em termos de oração. Ser uma peça virada para a oração, que ajude as pessoas realmente a se identificarem nela. Infelizmente, muitas pessoas, e até católicos, referem-se às peças por ‘bonecos’. Não gosto que as pessoas se dirijam às peças do meu pai, e às minhas, como bonecos. Gosto realmente, que as pessoas olhem para as peças e as sintam de forma contemplativa. Que gostem de admirar as peças pela questão religiosa que apresentam”, evidencia Pedro Rebelo Cardoso, lamentando que “haja muitos presépios, em muitas casas de família, que são, podemos dizer, literalmente bonecos”. “É importante as pessoas terem nas suas casas peças com que se identifiquem na sua vertente religiosa. Ter, por exemplo, um presépio que seja uns bonecos, e que não tenha significado, para mim não faz muito sentido, não preenche. Há artigos religiosos que são, hoje, mais uma peça decorativa só por si, tal como um vaso, ou uma jarra, e não têm a preocupação da componente religiosa da peça”, lamenta.

 

Novo material cerâmico

Pedro Rebelo Cardoso garante que as peças, hoje em dia, são produzidas “tal e qual como eram produzidas” no tempo do seu pai. Com exceção do material utilizado. “Todas as peças são feitas do mesmo material cerâmico, muito resistente, que começou a ser utilizado há cerca de 10 anos. Antigamente eram feitas com um material que era menos resistente do que este, mas as técnicas vão evoluindo e o material de hoje em dia é 70 vezes mais forte. É muito mais resistente, só que dá muito mais trabalho em termos de retoques, porque antigamente era possível retocar as peças com canivetes, com facas, com alguns utensílios próprios, e hoje em dia os retoques têm que ser feitos com pequenas máquinas elétricas”, explica, sublinhando que “apenas a Rebelo Cardoso produz peças com este material cerâmico de elevada qualidade”. “Dá muito mais trabalho em termos de acabamentos, mas dá outra qualidade à peça, porque é muito mais resistente”, aponta.

Pedro assume, por outro lado, que “é cada vez mais difícil encontrar pessoas para dar seguimento a esta arte”. “É preciso ter gosto e um pouco de espírito de sacrifício, porque cada peça dá bastante trabalho a fazer. Este é um trabalho muito penoso em termos físicos, principalmente em termos de coluna. Além disso, na pintura de tinta de óleo são feitas misturas com água raz, que tem um cheiro muito intenso e é muito tóxico. Por isso é que cada vez menos pessoas querem trabalhar nesta arte”, explica.

 

Dar seguimento à arte

No último ano, as peças Rebelo Cardoso passaram a ser vendidas dentro de caixas de madeira. “Tínhamos peças com muita qualidade, mas, até ao ano passado, não tínhamos embalagens que acompanhassem as peças. Foi muito difícil encontrar caixas para mais de 100 peças, mas conseguimos”, refere, satisfeito.

O catálogo Rebelo Cardoso tem hoje cerca de 150 peças diferentes (a maior com 80 cm), desde presépios, crucifixos, Nossas Senhoras, Sagradas Famílias, Menino Jesus sozinhos, muitos santos, como São João, São Domingos e São Tiago, e várias imagens de Santo António. “Faço isto por gosto de dar seguimento à arte do meu pai e por me identificar com tudo o que está ligado à arte sacra. Ao entrar no ateliê, só o cheiro do próprio ateliê, o estar rodeado pelas peças, dá-me conforto. É algo que eu realmente gosto. Hoje em dia, há muitas pessoas a fazerem peças, mas que só querem produzir para ter uma vertente económica; eu acho que, neste género específico de arte, é muito mais do que isso”, aponta Pedro Rebelo Cardoso, prestes a fazer 42 anos, e que continua a dar forma ao sonho do pai, o escultor José Rebelo Cardoso.

 

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Peças Rebelo Cardoso no Patriarcado de Lisboa

As peças Rebelo Cardoso estão disponíveis na livraria e paramentaria Nova Terra. Situada no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa, esta loja do Patriarcado dispõe de diferentes peças deste escultor de arte sacra. “A relação com a livraria do Patriarcado de Lisboa não tem muitos anos. Fui contactado, há pouco mais de 10 anos, pela Doutora Teresa Novo, gerente da Nova Terra, que viu as minhas peças e ficou interessada. Tem sido uma boa parceria”, refere Pedro Rebelo Cardoso.

Informações: 218810568 ou livraria.nt@patriarcadolisboa.pt

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