Lisboa |
I Seminário Escola de Cuidadores
Cuidar: como fazer?
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Apontar para uma sociedade mais informada e com mais respostas para a função de cuidador foi o objetivo do I Seminário Escola de Cuidadores, organizado pelo Centro Social Paroquial de São Romão de Carnaxide. No passado dia 3 de novembro, vários oradores contaram a sua experiência e apelaram a uma “cultura nacional” que faça com que a sociedade se questione sobre o “valor” dos mais velhos, em vez do seu “custo”.

 

Em Portugal, a informação disponível para quem se vê, de repente, na missão de cuidador ou cuidadora (na maioria dos casos) ainda é “fraca, em qualidade e quantidade”, assinala ao Jornal VOZ DA VERDADE Joana Figueiredo, responsável pelo I Seminário Escola de Cuidadores, que decorreu no passado dia 3 de novembro, no auditório da igreja paroquial de Carnaxide. Este problema é o primeiro ponto de intervenção da Escola de Cuidadores, um projeto inovador nesta área, e o contexto em que surgiu este primeiro seminário. “A nossa missão é agora ir ao encontro dessa necessidade que está perfeitamente identificada. A informação não chega de forma a que as pessoas percebam. Após a alta hospitalar de um familiar ou amigo, os profissionais de saúde esforçam-se e passam a informação sobre o que fazer mas existem momentos em que as pessoas estão sobre uma grande carga emocional. A pessoa vai para casa mas não pode levar apenas um ‘saco’ com informação, que depois não sabe o que fazer com ela”, explica Joana Figueiredo, que é também diretora técnica do Lar e diretora da Divisão de Ação Social e Saúde do Centro Social Paroquial de São Romão de Carnaxide. Para o futuro, esta profissional projeta a criação de iniciativas, destinadas aos cuidadores, onde sejam trabalhadas as “competências instrumentais, ligadas ao saber fazer, mas também as competências pessoais, o saber lidar com. Porque a pessoa pode ter toda a informação, mas não conseguir dar o passo seguinte”, refere.

O número de 120 participantes, maioritariamente técnicos de instituições e entidades que trabalham, no dia-a-dia, como cuidadores e profissionais da área da saúde, foi muito significativo e excedeu as expectativas, confirmou Joana Figueiredo. “Foi muito gratificante perceber o impacto que teve na nossa estratégia de comunicação e depois a receptividade”, fora e dentro de portas. “Não faz sentido termos um bom impacto exterior para depois, aqueles que estão mais perto de nós, não terem ligação. Em primeiro lugar, estamos na comunidade e esta faz parte da missão do Centro Social Paroquial”, aponta Joana Figueiredo, antevendo algumas iniciativas, tais como uma exposição, onde, através da arte, “possa trazer mais pessoas para refletir sobre esta temática”.

 

E agora?

No I Seminário Escola de Cuidadores, no auditório da igreja de São Romão de Carnaxide, três painéis de convidados apresentaram diversas perspetivas sobre o tema ‘Uma reflexão sobre o cuidar: da teoria à prática’. Após as intervenções do pároco de Carnaxide, padre Luciano Vieira, SCJ, e do presidente do centro social que organizou o encontro, António Pechirra, teve lugar a primeira conferência, trazida pelo jovem sacerdote dehoniano padre Antonino Gomes de Sousa, que é autor do livro ‘O Cuidar como Relação de Ajuda. Para uma ética Teológica do cuidar’, onde foram abordadas os “afetos e emoções” que estão presentes na tarefa de cuidar.

De seguida, a partir de um testemunho vivido na primeira pessoa e que deu origem a um livro, a enfermeira Diana Maia partilhou a sua experiência, enquanto cuidadora da sua mãe, com o objetivo de ajudar todos os que se tornam imprevistamente e, por vezes, sem muitas ajudas, no principal apoio de alguém. “Muitos familiares têm dúvidas constantes nos seus domicílios e muitas dúvidas ficam no ar. Quando os familiares levam os seus doentes para casa, nós, profissionais de saúde, preparamo-los para o momento da alta. Mas nem sempre os familiares vão bem preparados. O que nós podemos fazer para mudar um pouco esta realidade? Porque não fazer um guia prático?”, questionou a enfermeira, de 34 anos, salientando que esta pergunta deu origem ao livro ‘Do Hospital para casa e agora?’ que, juntamente com outras duas colegas, decidiu publicar. “É um guia prático que se dirige ao cuidador informal, pessoas dependentes, pessoas idosas e não só. Jovens portadores de deficiência, por exemplo, pessoas com demência, pessoas com doenças oncológicas e crónicas”, explicou Diana Maia.

 

Responsabilidade acrescida

“Estava tudo bem” na vida de Diana Maia quando se deparou com a necessidade de ser cuidadora informal, na sua própria casa. O cancro diagnosticado à sua mãe fez com que “os papéis se invertessem”. “A minha mãe deixou de ser a cuidadora e eu passei a ser a pessoa que tinha de cuidar dela. Foi uma doença com uma progressão muito rápida. A nível económico, social, familiar, tudo se alterou. Era preciso envolver várias pessoas neste processo e, enquanto filha, passei a ser a cuidadora da minha mãe”, recorda Diana. “Foram momentos muito difíceis, de angústia, revolta, muito desespero e solidão. Quem poderia ajudar?”, questionava-se então.

Na sua intervenção no I Seminário Escola de Cuidadores, a enfermeira Diana Maia garantiu que, apesar do “excelente trabalho” feito pelos seus colegas, de forma a preparar o momento de levar a mãe para casa, deparou-se com o facto de não estar preparada para tudo. “Eu não esqueci as competências técnicas que tenho como enfermeira, mas era a minha mãe. Quem ama, cuida mas quando eu tenho de amar e cuidar da melhor forma, isto torna-se mais difícil, tem uma responsabilidade acrescida. A minha mãe ensinou-me a dar amor e eu agora tinha de dar o máximo de amor a ela, e tinha de o fazer da melhor forma possível porque estava dependente de mim”, referiu esta profissional de saúde.

 

Gratidão

A procura por apoios fê-la “bater a muitas portas que teimavam em fechar-se”, tendo sido a família e os vizinhos que se constituíram como cuidadores informais. “São estes que nos querem bem. São os cuidadores de nós próprios. Manter estas relações de amor ao próximo faz com que, quando necessitamos, todos sejamos cuidadores informais de nós próprios”. No entanto, e apesar de contar com o “excelente” apoio social e domiciliário, Diana Maia garante não ter sido fácil ultrapassar essa fase durante um ano – o tempo em que a mãe esteve dependente. “O primeiro capítulo do livro relata toda a fase em que a minha mãe esteve dependente, todas as fases da doença, todas as ajudas técnicas que tivemos de adquirir, todos os serviços na comunidade a que tivemos de recorrer, todas as portas que se fecharam, todos os obstáculos, muitas consultas, muitas vivências, momentos de sofrimento, momentos de dor. Mas no final deste capítulo, o que eu sinto é gratidão. Gratidão por ter tido a possibilidade de cuidar de alguém que sempre cuidou de mim. Se o fiz da melhor forma? Tentei. Se cuidamos de alguém com amor, o nosso objetivo está cumprido”, sublinhou Diana Maia que, juntamente com Ana Catarina Ribeiro e Ana Isabel Temudo, é autora da obra publicada pela ‘Oficina do Livro’.

 

Sonhos

Mesmo “precisando de tudo e querer o melhor” nem sempre as respostas vêm a tempo. No entanto, foi possível concretizar alguns sonhos da sua mãe. “Por vezes, com os nossos projetos, esquecemos dos nossos sonhos. E a minha mãe também se tinha esquecido dos sonhos dela. Numa vida totalmente dedicada aos filhos e ao trabalho, esqueceu-se dela. E quando poderia concretizar alguns sonhos, ficou doente. Conseguimos que ela viajasse e juntámos a família por várias vezes. Neste processo em que teve uma doença grave, ela foi muito feliz”, referiu esta cuidadora que também apelou à criação de um “estatuto do cuidador”, que já existe em alguns países e que permite alguns benefícios para quem tem esta função.

 

Educação

A última conferência esteve a cargo da médica Maria João Quintela. Para esta consultora da Direção Geral de Saúde e presidente da Associação Portuguesa de Psicogerontologia, a preocupação com a formação de cuidadores “ainda está longe de estar no nosso quotidiano”. “O que aprendemos ao longo de vida para cuidar de nós? Quem aprendeu na escola? Isto é uma lacuna enorme na nossa educação. Não há uma figura do cuidador”, lamenta esta profissional, sublinhando a exigência requerida aos cuidadores. “A função de cuidador é altamente delicada e, ao mesmo tempo, exigente porque necessita que as pessoas ultrapassem a sua rotina, disponibilizem a sua vida, dediquem genuinamente os seus afetos. Esta pedagogia, este aprofundamento, esta reflexão sobre os cuidadores é absolutamente vital. É uma questão de vida ou de morte”, alertou Maria João Quintela.

 

Valor

Outro dos apelos deixados neste I Seminário Escola de Cuidadores foi para a existência de “uma atitude de cultura nacional, que faça com que os portugueses sintam que o país quer que vivam até ao fim. Isto ainda não passou totalmente”, afirmou Maria João Quintela. “A maior parte das vezes falam do custo dos mais velhos e nunca se fala do valor dos mais velhos. Quanto valem os mais velhos portugueses que põem os netos na escola, que permitem a muito jovens continuarem a trabalhar, que participam, e muito, na economia familiar, mesmo com fracos recursos financeiros, e que cuidam dos netos até à exaustão?”, questionou esta médica, que foi responsável pelo lançamento e desenvolvimento, na Direção Geral de Saúde, do conceito de envelhecimento ativo e, na Organização Mundial da Saúde, do projeto das Cidades Amigas das Pessoas Idosas.

Na sua intervenção, Maria João Quintela apelou ainda à criação de uma nova cultura para o envelhecimento. “Não podemos ter uma sociedade que regula a dor ou o tempo que eu vejo um filho. Vão nascer muitas crianças com as regras e o sigilo sobre quem são os pais. A vida é uma coisa séria, é um valor inestimável, único”, alertou.

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