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Índia: marginalizados pelo sistema de castas. Abraçados pela Igreja
Amar os invisíveis
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No sistema hindu de castas, os “dalits”, ou “intocáveis”, não têm lugar. São insignificantes. Proscritos, marginalizados, invisíveis. São milhões, mas é como se não existissem. O Cristianismo adoptou-os. Melhor: abraçou-os. No estado de Chhattisgarh, são muitos os que procuram imitar o exemplo da Santa Madre Teresa de Calcutá…


Chhattisgarh é o décimo maior estado da Índia. Cerca de metade deste território, situado na região centro-ocidental do país, está coberta por floresta. Muitos dos que vivem por lá fazem parte dessa multidão incontável de gente sem direitos, de pessoas expulsas da dignidade humana. São pessoas excluídas do complexo sistema de castas da Índia. A sociedade indiana considera-os indignos e, por isso, ignora-os. São insignificantes. O que se passa em todo o país tem uma expressão maior aqui, neste estado. O Cristianismo chegou apenas no início do séc. XX, mais concretamente em 1906, quando um grupo de missionários belgas celebrou Missa pela primeira vez. Foi a 29 de Novembro. Nesse dia foram baptizadas 56 pessoas. O Padre Kerketta, da Diocese de Jashpur, conhece bem a história desses primeiros “dalits” ou “intocáveis”. “A vida desses primeiros baptizados tornou-se muito difícil. Passaram a ser vítimas de sofrimento e perseguição. Muitos foram mortos e atirados para a selva. Outros fugiram para salvar a vida.” Apesar disso, foram uma semente que, inacreditavelmente, permaneceu viva até aos dias de hoje.

 

Encurralados

Na altura, em 1906, quase se podia dizer que no estado de Chhattisgarh se vivia ainda em pleno sistema feudal. A Independência do país, em 1947, veio trazer uma enorme esperança para todos os marginalizados e oprimidos. Sinal de esperança, a liberdade de religião foi inscrita na Constituição. Mas ali, no meio da floresta, não chegou o eco dessas palavras de tolerância. Pior do que isso, nunca chegou sequer qualquer vestígio de progresso. Nem comboios, nem estradas dignas desse nome, nada. Ficaram populações encurraladas na pobreza, no abandono total. O Governo negligenciou a região. A Igreja, porém, adoptou-a. Padre Paul Toppo: “Uma vez que estão isolados, a melhor maneira de começar uma paróquia seria proporcionar-lhes uma boa assistência pastoral e uma boa educação". E assim foi criada uma escola. Com a educação veio a consciência dos direitos e da dignidade. E todos passaram a ser pessoas. Mas não foi fácil. O Padre Justin Kujur, da Diocese de Ambikapur, lembra que quando ali chegou, pela primeira vez, “costumava visitar cada aldeia, todos os dias, a pé”. “Nessa altura, não havia estradas em condições e a população não era cristã, mas pagã.”

 

Sorrisos e amor

Mas tudo começou a mudar aos poucos. Os padres levavam sorrisos e mensagens de amor. Eram os únicos a fazê-lo. De novo, o Padre Kujur. “Quando nos juntamos e rezamos, eles sentem uma espécie de paz no coração e na mente. Nós não os forçamos, são eles próprios que vêm.” Mas o caminho não tem sido nada fácil. Chhattisgarh é um dos poucos estados indianos que aplica uma lei anti-conversão. Esta é uma lei que obriga quem deseja mudar de religião a ter de obter, primeiro, uma autorização por parte das autoridades locais. Na verdade, é uma lei que tem servido, na perfeição, para impedir o crescimento do Cristianismo. A Igreja Católica tornou-se, por causa desta lei, num alvo fácil: “Vocês fazem isto com o intuito de converter pessoas”. A tal ponto que até o exemplo de Madre Teresa de Calcutá é referido como se a sua bondade, já lendária, fosse uma coisa mesquinha de quem estivesse a contabilizar fiéis para uma religião e não de quem esteve, isso sim, a doar-se gratuitamente em amor junto dos mais desprezados da sociedade.

 

Perseguição

O Padre Abraham Kannampala, da Diocese de Jagdalpur, sabe bem dessas palavras carregadas de ódio, de quem nem consegue olhar para o exemplo de Madre Teresa e ver nos seus gestos o amor puro. “Nós servimos pelo acto de servir. Amamos a humanidade e temos um mandato. Jesus deu-nos o exemplo. Encontramos a felicidade e a alegria no serviço. Mas as pessoas acusam-nos de servir com o intuito da conversão.” É grave o que se passa neste estado na Índia. É grave o que se passa neste país. Com a ascensão ao poder, em 2014, do BJP, um partido hindu nacionalista liderado por Narendra Modi, passaram a registar-se cada vez mais casos de ataques por parte de grupos radicais contra os Cristãos em geral e os “dalits” em particular. A Igreja está muito preocupada com esta onda de violência e perseguição, estando sempre presente, na memória de todos, os gravíssimos incidentes ocorridos em Orissa, em 2008, em que uma centena de cristãos perderam a vida, além de terem sido destruídas quase seis mil casas e vandalizadas dezenas e dezenas de igrejas e capelas.

 

Sementes de Madre Teresa

Em Chhattisgarh, como sublinha o Padre Abraham Kannampala, “os Cristãos, pelo facto de serem Cristãos, têm de suportar vários tipos de sofrimento, discriminação ou perseguição”. Desde os primeiros baptismos em 29 de Novembro de 1906 – há 110 anos –, tem sido difícil o caminho da comunidade cristã nesta região da Índia. Mas, como fizeram questão de testemunhar à Fundação AIS os Padres Abraham, Kujur, Toppo e Kerketta, não havia outra forma de o percorrer. Os “dalits” são ainda vistos como “insignificantes”, como seres menores. É preciso devolver-lhes o estatuto de “Filhos de Deus”. Agora, eles – os ‘dalits’ – podem levantar-se. Passaram a ter voz. Principalmente, passaram a ter consciência disso, de que têm voz. O Cristianismo foi uma revolução absoluta. Adoptou-os. Abraçou-os. Por ali, por Chhattisgarh, há muitas pessoas a imitar os gestos de Madre Teresa de Calcutá. São sementes de amor.

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