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Diretor do Setor da Catequese do Patriarcado, padre Tiago Neto, analisa Carta Pastoral ‘Catequese: a alegria do encontro com Jesus Cristo’
“Missão do catequista é favorecer o encontro com Jesus Cristo”
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A Carta Pastoral ‘Catequese: a alegria do encontro com Jesus Cristo’, publicada pela Conferência Episcopal Portuguesa, pretende “responder aos desafios lançados pelo Papa Francisco”, segundo o diretor do Setor da Catequese do Patriarcado de Lisboa, padre Tiago Neto. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, este sacerdote garante que a formação dos catequistas é uma prioridade e revela que a diocese vai criar uma escola de oração para catequistas, estando em análise o alargamento do projeto ‘Despertar da fé’ às famílias e paróquias.

 

Qual o objetivo da publicação da Carta Pastoral ‘Catequese: a alegria do encontro com Jesus Cristo’? Trata-se de apontar caminhos para diminuir ou parar a “debandada” dos jovens que se afastam da Igreja, após o percurso de catequese?

A carta pastoral ‘Catequese: a alegria do encontro com Jesus Cristo’ surge no contexto dos dez anos das orientações para a catequese atual, publicadas em 2005, com o nome: ‘Para que acreditem e tenham vida’, que procurou situar o lugar da catequese numa perspetiva mais evangelizadora acentuando o seu serviço à iniciação cristã. Desde essa altura para cá, sobretudo ao nível da catequese da infância e da adolescência, conhecemos progressos que vale a pena assinalar: revisão, atualização e diversificação dos materiais didáticos para a catequese das crianças, valorização da função educativa da família no que diz respeito à vivência e anúncio da fé mediante os projetos ‘Catequese familiar’ e ‘Escola paroquial de pais’, uma proposta específica para a vivência da profissão de fé e, finalmente, os primeiros passos para uma revisão profunda na catequese com adolescentes. Esta carta pastoral, juntamente com as orientações, configuram o quadro panorâmico da receção do Diretório Geral da Catequese publicado, precisamente, há 20 anos. Mais precisamente, o objetivo desta carta pastoral pretende responder aos desafios lançados pelo Papa Francisco, na última visita ad limina, que enfrenta diretamente a problemática da ‘debandada’ da Igreja após a celebração dos sacramentos por parte de um número significativo de pessoas. Podemos dizer que esta é uma situação que diz respeito não apenas à adolescência, mas também à infância e até mesmo ao mundo dos adultos. A ‘debandada’ é uma situação comum quando o itinerário cristão tem como meta a celebração dos sacramentos. A primeira pergunta feita àquele que deseja abraçar a fé é: ‘Queres ser cristão?’, não é ‘Queres fazer um sacramento?’. Isso obriga a uma revisão dos nossos modos de agir que frequentemente se tendem a afastar da maturidade da fé (humana e cristã) e a aproximar-se de outros critérios considerados válidos. Por outro lado, a questão da ‘debandada’ é algo sobre o qual nos teremos de interrogar seriamente. É certo que o nosso saber-fazer eclesial tem debilidades, de certo modo estruturais, que tendem a perpetuar um sistema do qual não nos conseguimos facilmente libertar; no entanto, não estará a preocupação com a ‘debandada’ mais relacionada com o facto de queremos ser nós a controlar os processos, do que dar espaço à liberdade dos indivíduos? A nossa missão é semear e criar as melhores condições que possam proporcionar o nascimento da fé. É disso que trata a carta pastoral e não de receitas ou soluções. Parar ou diminuir a ‘debandada’ é algo que não conseguimos prever. A nossa missão é favorecer o encontro com a Pessoa de Jesus Cristo, proporcionar a experiência cristã em comunidade, reconhecendo a ação da graça de Deus na vida dos que nos são confiados e capacitá-los para poderem aprofundar esse encontro. O Papa, ao dirigir-se aos Bispos portugueses, aponta o caminho: que cada catequista e cada comunidade sejam o rosto vivo de Jesus. A experiência tem demonstrado que se trata de uma ‘debandada’ de certo modo temporária pois aguarda por novos processos de reconfiguração da fé manifestos em sinais de busca de Deus.

 

A carta pastoral, publicada no dia 13 de maio, aponta para uma catequese menos “escolar” e mais “catecumenal” e “vivenciada”, particularmente pelos catequistas. Como é que se vai efetivar esse percurso no Patriarcado de Lisboa?

A referência a uma catequese de inspiração catecumenal, que englobe um conjunto de vivências de cariz existencial, é um dado fundamental da catequese contemporânea. Ela reclama uma espiritualidade da evangelização que se centra na pessoa do evangelizador. Desde a Evangelii nuntiandi (nn. 24, 41) à Evangelii Gaudium (nn. 262-283), passando pela Redemptoris Missio (nn. 87-91), vislumbra-se uma maneira de proceder decididamente evangelizadora cujo centro é a dimensão relacional – o encontro – com Jesus Cristo e com os irmãos. De facto, o verdadeiro catequista jamais deixa de ser discípulo (EG 266). Evangelizar é tomar lugar entre os destinatários do Evangelho. Daí que a missão primeira de um catequista seja cuidar do encontro com Jesus Cristo. A Constituição Sinodal de Lisboa faz eco da centralidade do encontro com Jesus ao referir a urgência de proporcionar “experiências de oração e de interioridade” na catequese (nº 41). No documento escreve-se que a catequese inicia “à experiência de Deus pela oração e à descoberta dos seus sinais na vida de cada um, prestando um auxílio ímpar no discernimento da própria vocação”. Experiência de Deus (encontro) e discernimento da própria vocação (discipulado) ditam traços permanentes do itinerário crente do catequista. Na Diocese de Lisboa, uma das prioridades do Setor da Catequese é a formação dos catequistas. A reflexão que temos vindo a fazer diz-nos que a qualidade da formação dos catequistas é vital para a capacidade evangelizadora das nossas comunidades e para a sua transformação missionária. Por outro lado, a especificidade da formação da catequistas aproxima-se mais da constituição de comunidades formativas onde se aprende toda a vida cristã, onde se reveem e analisam práticas eclesiais do que de outras modalidades formativas. Neste âmbito temos prevista a criação, a partir do próximo ano pastoral, de uma escola de oração para catequistas cujo objetivo fundamental é aprofundar a espiritualidade do catequista e proporcionar o encontro com Jesus.

 

O documento de trabalho que foi enviado aos catequistas, há um ano, para participarem sinodalmente nesta carta pastoral reflete, entre outras coisas, sobre a necessidade de um “perfil renovado do catequista”. O que se pede hoje a um catequista?

Hoje em dia requer-se do catequista competência para exercer a sua missão. A noção de competência introduzida em âmbito catequético pelo teólogo André Fossion refere-se diretamente ao que se entende por ‘perfil renovado do catequista’. Trata-se de saber dinamizar um conjunto diverso de competências (teológicas, culturais, organizativas, pedagógicas, espirituais) capazes de atualizar os processos catequéticos em determinados contextos e situações. As dimensões fundamentais da identidade do catequista – ser, saber e saber-fazer – são reforçadas por outras duas que acentuam a dimensão relacional: o saber estar em, diretamente referida ao estar na comunidade cristã e ao trabalho com os outros catequistas; e o saber estar com, isto é, “relacionado no dia-a-dia de catequista com os catequizandos, para que a mensagem seja compreensível e próxima, desejável e credível” (Carta Pastoral ‘Catequese: a alegria do encontro com Jesus Cristo’ (AEJ), 32). O documento faz eco de uma ideia consensualmente apresentada pelos diversos secretariados diocesanos: o catequista é a figura chave da catequese. Daí que o seu estar com se refira também ao seu estar com Jesus. Do ponto de vista espiritual, o catequista é uma pessoa madura e provada pelas situações da existência vividas com Deus. Neste sentido se aponta o catequista como “guia espiritual que acompanha no caminho do Senhor” (AEJ, 31). Como mediador do encontro entre Deus e os outros, entre eles e a comunidade, o catequista assume o rosto daquele que é companheiro de viagem ajudando os outros a ler a vida e a encontrar sentido para o seu viver.

 

Segundo a carta pastoral, um “encontro” vivo e eficaz carece de um compromisso com a “vida da comunidade” cristã. Há a necessidade de fazer também alguns progressos na relação da comunidade com a catequese, apresentando, por exemplo, novos serviços, onde os jovens se possam integrar quando terminam o seu percurso de catequese?

A dicotomia que por vezes se estabelece entre catequese e comunidade tem a ver com o facto de nos referirmos à catequese estabelecida em diversos âmbitos etários. A catequese é comunitária e é de toda a comunidade. Neste aspeto, deve valorizar-se tudo o que favoreça a catequese de toda a comunidade de modo a fazer transparecer a sua responsabilidade para com a catequese e a consciência de que todos são sujeitos de catequese. Encontrar-se com Jesus pressupõe sempre encontrar outros cujas vidas são tocadas pelo Evangelho. Aqui reside a questão principal e o desafio de uma integração dos jovens nas nossas comunidades. Quando alguém encontra uma pessoa à altura das suas expetativas, que não tem respostas feitas para perguntas nunca postas, que é testemunha viva do Evangelho, isso pode despertá-lo para um seguimento efetivo de Jesus. Por outro lado, o compromisso com a vida da comunidade cristã fortalece-se na medida em que as comunidades criarem ambientes, meios propícios, laboratórios, onde a vida cresça em harmonia com a fé. No que à catequese diz respeito, verifica-se que vivemos num esquema fechado, quase de auto sustentação, em que a nossa preocupação essencial é gerir os recursos humanos de modo que sirvam às nossas necessidades. O que acontece, na maioria dos casos, é que depois da festa de finalistas em que tornámos o sacramento da Confirmação abandonamos os jovens à sua sorte. Os jovens precisam de cristãos que os acompanhem e que os ajudem a ler a sua vida à luz da fé. A experiência tem mostrado que nas situações em que se propõe a fé aos jovens mesmo em âmbito paroquial isso dá bons frutos. Penso que teremos de melhorar as nossas redes de comunicação entre famílias, paróquias e movimentos, integrando as diversas iniciativas em curso, de modo a perceber que o acompanhamento dos jovens pressupõe um esforço conjunto mas muito personalizado, de tipo pesca à linha. Exige um trabalho minucioso de acompanhamento e de proposta da fé, para qual catequistas, sacerdotes e cristãos em geral devem ser iniciados. A integração das novas gerações nas nossas comunidades não pode ser uma questão posta só na adolescência. Esta é, muitas vezes, uma fase em que os indivíduos não estão predispostos para compromissos efetivos. O programa de catequese prevê que essa integração se faça gradualmente e mais cedo. Ela depende de diversos fatores, como a família, a realidade concreta de cada comunidade, as experiências que propomos, entre outros.

 

A família, “insubstituível” no processo catequético, é um dos temas tratados no capítulo III da carta pastoral. Como se pode concretizar um maior envolvimento das famílias na transmissão da fé? O que tem sido refletido e experienciado sobre este assunto, nas atividades do Setor da Catequese, nomeadamente na última Assembleia de Catequistas, que decorreu em março passado?

A problemática da função “insubstituível” da família no processo catequético e na educação da fé tem-nos feito refletir que esta não é uma questão teórica mas eminentemente prática. A questão é saber como fazer concretamente. Existe um número crescente de famílias cristãs que assumem a vivência familiar da fé como uma dimensão fundamental do seu ser. Com elas tem sido possível dinamizar projetos mais estruturados como a ‘Catequese Familiar’. No entanto, a realidade complexa da vida das famílias obriga-nos a abandonar um tipo de discurso que tradicionalmente vê os pais como adversários da catequese. Reconhecemos que também aqui é necessário o acompanhamento por parte da comunidade e do catequista de cada família, propondo itinerários e formas adaptadas a cada situação concreta. A Assembleia Diocesana de Catequistas deste ano espelhou o olhar pastoral que os catequistas e as nossas comunidades têm pelas famílias. Neste campo há um vasto número de caminhos a explorar, sabendo que não há respostas fáceis. Sentimos a necessidade de acompanhar as famílias em todos os momentos do seu caminho. Para isso, pensamos dinamizar e alargar o projeto ‘Despertar da fé’ para o âmbito familiar e paroquial durante os próximos anos. Na catequese experimenta-se, ao vivo, como em cada família, por mais desfigurada que seja a sua imagem, existe uma sede de Deus que somos chamados a reconhecer, interpretar e acompanhar.

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