Lisboa |
Cónego Francisco Crespo celebra 50 anos de sacerdócio
Encontrar a vida na dedicação aos pobres
<<
1/
>>
Imagem

Há quase 40 anos que é um dos rostos de Cristo no Bairro da Serafina, em Lisboa. O cónego Francisco Crespo celebra 50 anos de sacerdócio no dia 18 de dezembro e recorda uma vida que tem sido entregue aos outros. ‘Por Amor…’, como diz o seu lema sacerdotal.

 

O cónego Crespo é o filho caçula entre 13 irmãos e nasceu a 14 de novembro de 1940, em Cardoso, Arrabal, na Diocese de Leiria. “Nasci numa casa de uma família cristã, que marcou profundamente a minha vida. O meu pai já tinha mais de 50 anos quando eu nasci, e acabei por perder a minha mãe quando tinha 9 anos”. Da mãe recorda o “sofrimento” e a “preocupação” por ter “tantos filhos”. “Era uma casa pequena, as raparigas dormiam em casa e os rapazes no palheiro, porque não havia lugar para todos”. Nessa época, o alimento “era fruto do trabalho na terra”. “Aquilo que o meu pai conseguia cultivar, era do que vivíamos”, conta. A infância, segundo relata, foi passada “num ambiente pobre” mas garante que “nunca faltou nada para comer”. Estávamos então em plena II Guerra Mundial, e a oração era prática diária em casa da família Crespo. “Rezávamos, todos juntos, de manhã durante 45 minutos, e à noite meia hora. O pai sempre insistiu connosco para rezar, rezar, rezar. E ai de quem não fosse à Missa!”, lembra.

Cristão convicto, o pai da família Crespo pertencia à Terceira Ordem Franciscana e tinha o sonho de ter um filho padre. “Devo a minha vocação a Deus. Ele, sem dúvida, que me escolheu e já tinha, em toda a eternidade, pensado em mim. Como Deus necessita de pessoas que O manifestem na sua vontade, tive um pai que o que mais desejava era que um dos seus filhos fosse padre. Não foi nenhum dos outros, fui eu, talvez por ser o mais novo”, refere ao Jornal VOZ DA VERDADE o cónego Francisco Crespo, lembrando-se das opções que, na época, tinha para fazer o discernimento: “Os Franciscanos, que tinham uma casa perto de onde eu morava; em Leiria havia o Seminário Diocesano e depois havia em Fátima o Seminário da Consolata”. Ao mesmo tempo, com 9-10 anos, Francisco não se sentia “muito puxado” para “os duros trabalhos” na terra. “Dentro de mim, havia um desejo grande de imitar o pároco, o padre António Marques Simão, que era diocesano e irmão de dois padres da Consolata. Era um sacerdote muito entusiasta, respeitador. Eu queria também ter uma paróquia e viver como o padre Simão, que na altura me aconselhou a ir para o Instituto Missionário da Consolata, em Fátima, que tinha seminaristas ‘bastante adiantados’ na minha paróquia”.

 

Neve e pedra fria

O cónego Crespo não esquece o dia em que entrou no seminário. “Recordo-me do dia em que entrei na Consolata… foi em 1951, fui com o meu pai e a minha irmã, e fomos de burro, ao longo de 12 quilómetros. Eu fui a pé, desde a minha casa até ao seminário, para a burra poder levar a mala com a roupa. Lembro-me bem que chorei muito quando eles foram embora”, testemunha. Para poupar no pagamento ao seminário, durante 7 anos a família Crespo ia semanalmente buscar e levar a roupa suja e lavada do benjamim. “Foi um sacrifício muito grande, que lhes devo a eles”, sublinha.

Os anos decorreram, “mais crise, menos crise”, e em 1958, no final do antigo 7º ano, hoje o equivalente ao 11º ano, o seminarista Francisco Crespo foi para Itália prosseguir os estudos e fazer o noviciado, numa terra a norte de Turim, no meio da montanha. “Foi um ano bonito, mas de um pessimismo e de uma tristeza incomparável… entrei em setembro e começou a nevar, até maio… Foram meses e meses ‘debaixo’ de neve”, conta, lembrando que “durante esse ano de oração alguns colegas desistiram do seminário”. Foi nesta experiência que o jovem Crespo conheceu “um padre que era um santo”, o padre Chiomio. “Foi um homem que sempre me deu bons conselhos e foi a quem recorri para chorar as minhas saudades de Portugal”. Com “a ajuda de Deus”, fez a profissão religiosa e seguiu para Turim, onde ficou seis anos “muito bons, de muito estudo – dois anos a fazer Filosofia e quatro a estudar Teologia”. “Em Turim foi tudo diferente! Éramos mais de 170 seminaristas e às quintas-feiras, todos de batina, íamos dar passeios de bicicleta”, recorda. Os anos passados em Turim coincidiram com o Concílio Vaticano II, que terminou a 8 de dezembro de 1965. “Eu fui ordenado exatamente 10 dias depois do encerramento do Concílio. Foi um dia cheio de nervos. Fomos 36 a ser ordenados e de Portugal deslocou-se apenas a prima de um colega, pelo que eu não tinha ninguém a participar na celebração. Recordo-me de estar deitado no chão, naquela pedra fria, onde nem puseram tapete – e em Turim, que é muito fria de inverno –, e aquela ladainha dos santos ficou-me marcada para a vida. Ainda hoje, quando participo nas Ordenações, me recordo desse momento”, frisa, sublinhando que o seu pai ainda era vivo aquando da sua ordenação: “Naquele dia estiveram unidos a mim na Missa, em Arrabal”.

Até ao verão de 1966, o recém-ordenado padre Crespo terminou em Itália os estudos, e pôde então “respirar” e “pensar na Missa Nova”, na sua terra, o Arrabal. “Foi a 20 de julho, festa da padroeira Santa Margarida, num dia em cheio!”, assegura.

 

‘Por Amor…’

A primeira destinação do padre Crespo foi Ermesinde, para o Seminário Menor da Consolata. Passados 15 dias, o superior envia-o para Fátima, para a construção do Hotel Pax, que foi inaugurado em 1967, “quando o Papa Paulo VI visitou Portugal”. “Durante 4 anos, tive a alegria de celebrar todos os dias às 7 horas da manhã na Capelinha das Aparições”, conta.

Em junho de 1970, o superior da Consolata – “que era um irmão do meu pároco de Arrabal” – foi ter com o padre Crespo, “com uma grande ‘lata’”, e mandou-o vir para Lisboa “estudar contabilidade” e “colaborar na paróquia de Campolide”. “Custou-me muito deixar Fátima, porque era uma obra junto das pessoas que estava a iniciar”, reconhece. Em Campolide, este sacerdote encontra “um padre um pouco cansado” e fica, por isso, “com as pregações e homilias”. “Pouco satisfeito com a vida pastoral”, certo dia o padre Crespo conhece uma leiga consagrada, Denise Bernard, “que ainda é viva e que fundou ‘O Ninho’”, que o desafia a “fazer alguma coisa pelas pessoas da Quinta da Bela Flor”. “Parecia uma terra abandonada, de ninguém. Barracas sem água, luz, esgotos”, lembra. Juntamente com uma catequista, os três procuraram então “levar Cristo e a Igreja a este bairro lisboeta”. Foi construído “um pré-fabricado” que “recebia encontros de catequese e de adultos, e a celebração da Eucaristia que tinha uma participação maravilhosa. Estava uma comunidade viva e feliz”, conta. “Foi na Quinta da Bela Flor que comecei aquilo que é a minha vocação ao longo destes meus anos de padre: a dedicação aos pobres. O meu lema, no dia da ordenação sacerdotal, foi ‘Por Amor…’, o que significa que como Deus deu a vida por mim, eu também tenho de dar a vida pelos meus irmãos”, frisa este sacerdote.

Passados novamente quatro anos, em 1974-75, é nomeado “superior e ecónomo dos seminaristas da Consolata numa quinta no Cacém”, além de “ecónomo regional”. “Tive de começar novamente do ‘zero’ e tratei dos porcos, das galinhas, dos coelhos, dos frangos e das couves, para manter os seminaristas, indo celebrar às 7 horas da manhã às Irmãs Canossianas de Queluz de Baixo. No entanto, nunca deixei de ir celebrar à Quinta da Bela Flor, porque fiquei ‘agarrado’ a essa missão”, confessa. Ao mesmo tempo, na Serafina, os padres da Consolata que lá estavam eram “injuriados e mal tratados” e as pessoas “não os aceitavam”. “O último, antes de mim, veio do seminário, esteve dois ou três meses e foi-se embora. Desde 1976-77 que a paróquia estava quase ao abandono”. O padre Crespo, conhecido nesta época como ‘o padre das galinhas’, ia à Serafina levar “frangos e galinhas às Irmãs do Amor de Deus”. As religiosas pedem-lhe então para começar a celebrar neste bairro ao Domingo, tal como fazia ainda na Quinta da Bela Flor.

Nas destinações de 1977-78, novas mudanças em perspetiva, que “não agradavam nada” a este sacerdote. “A Consolata já não tinha a paróquia de Campolide, restava a Serafina para dar testemunho a esta Igreja de Lisboa. Vamos deixar a Serafina? Não, eu ofereço-me. Na direção da Consolata éramos cinco e três votaram para eu ir para a Serafina e assim foi”, partilha.

 

Doação aos outros

Nos finais da década de 70 do século passado, o Bairro da Serafina era “um deserto, só barracas, não havia nada, estava tudo abandonado, tudo destruído, só problemas”. Estávamos após o 25 de Abril, e este bairro, “com 15 mil habitantes”, tinha sido “invadido por gente de extrema-esquerda”, conta este sacerdote, então com 37 anos. Nesse tempo, na Serafina, a paróquia tinha “uns pré-fabricados que o primeiro pároco, padre José Galeia, tinha começado a fazer, um barracão, adaptado a capela, uns anexos que faziam de casa mortuária e um cartório sem condições”.

A pastoral na Serafina “começou devagar”. “A obra começou a nascer com o centro de dia, para atender os idosos sozinhos e abandonados. Depois jardim-de-infância, para dar resposta às crianças, o movimento dos jovens, o ATL para as crianças da escola e finalmente a construção do lar”, descreve. Foi nesta etapa de construção do lar, “por volta de 1981”, que os superiores da Consolata queriam fazer do padre Crespo superior Provincial da congregação. “Foi aqui que se deu uma viragem completa na minha vida. Aquela obra era a minha paixão, a minha doação aos outros, e foi uma das decisões mais dolorosas que tive de tomar na minha vida de sacerdote: pensar o que havia de fazer. Pensei, refleti, rezei e, a medo, fui falar com o senhor Patriarca. O cardeal Ribeiro recebeu-me, como um pai carinhoso, e percebendo que eu estava disposto a deixar a Consolata para continuar a missão na Serafina diz-me para eu ir falar com o meu superior e comunicar-lhe a decisão”, partilha. “O pedido seguiu para Roma e uns dias depois estava ‘incardinado’ no Patriarcado de Lisboa, ficando a garantia de que nunca ia deixar de ser amigo da Consolata”, assegura.

 

Chegar a muitos

O padre Crespo ficou então “totalmente livre” para a missão na Serafina. “Primeiro queria continuar a dar resposta à pessoa, que representa Jesus Cristo – é Ele que está à espera, é Ele que precisa de comer, é Ele que precisa de educação. Procurei que o centro social fosse a expressão da caridade da Igreja. A igreja foi construída depois: do Departamento das Novas Igrejas, no Patriarcado, não havia grande vontade, mas não podíamos perder os quase 50% do valor da obra que o Governo dava, e o templo foi dedicado, pelo senhor Patriarca D. José Policarpo, em 1998”.

Hoje, o Bairro da Serafina tem “nem metade da população dos anos 70” e as respostas da Igreja chegam a muitos: “Temos 170 funcionários (médicos, fisiatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, técnicos de serviço social, psicólogos, direção, técnicos de recursos humanos, educadores de infância, professores, enfermeiros, ajudantes de ação educativa, ajudantes de ação direta, cozinheiros, limpeza, etc.), 100 utentes na creche, 140 no jardim-de-infância, 120 no CATL com alimentação, 110 no CATL sem alimentação, 60 no CATL das ‘pontas’, 30 deficientes adultos no CAO, 80 no centro de dia, 60 no apoio domiciliário e 120 em lar”, descreve o cónego Crespo, salientando ainda “a parceria com a Misericórdia de Lisboa para o centro de saúde”, “a clínica de fisioterapia” da paróquia de São Vicente de Paulo da Serafina e as “mais de 80 famílias que são ajudadas pelo Banco Alimentar”.

“A minha vida tem sido aqui, na Serafina, nesta doação, nesta entrega da vida aos outros, sempre numa atitude de serviço, com o meu lema ‘Por Amor…’, sempre num desejo de fazer mais e melhor em prol dos outros. Com todas as obras que tenho feito, Deus nunca me faltou com a sua graça e presença! Onde sempre me senti bem e feliz foi na celebração da Missa, que é o momento mais belo, em que sinto a realização como sacerdote. Devo agradecer a Deus a minha vocação e a fidelidade que Ele sempre me concedeu, a alegria de ser sacerdote e a realização pessoal e comunitária”, frisa o cónego Francisco Crespo, que neste ano celebra 50 anos de sacerdócio.

 

___________________


Padre Naia

Na próxima edição, de dia 3 de janeiro, não perca o testemunho do padre Naia, pároco da Reboleira que assinala também no dia 18 de dezembro os 50 anos de sacerdócio.

texto e fotos por Diogo Paiva Brandão
A OPINIÃO DE
Pedro Vaz Patto
Foi muito bem acolhida, pela generalidade da chamada “opinião pública”, a notícia de que...
ver [+]

Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Tony Neves
O Gabão acolheu-me de braços e coração abertos, numa visita que foi estreia absoluta neste país da África central.
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES