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Nigéria. Nem as crianças estão a salvo do terror do Boko Haram
Fugir para sobreviver
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A Unicef publicou um relatório sobre a Nigéria e as atrocidades cometidas pelo grupo islâmico Boko Haram. Só nos últimos cinco meses, meio milhão de crianças tiveram de fugir de suas casas, das suas aldeias, para não serem mortas. Agora precisam de ajuda. Há coisas que nunca mais se esquecem…


Há quem tenha cicatrizes no corpo. Como Musa Zira, que foi obrigado a sair de casa com armas apontadas à cabeça, quando terroristas do Boko Haram apareceram na sua aldeia, nos arredores de Baga, num alarido descomunal que fazia antever o pior. Arrombaram portas e entraram em todas as casas. Procuravam homens e rapazes para os levarem. Musa Zira foi um deles. “Eram quatro horas da manhã.” Há coisas que não se esquecem jamais. “Caminhámos até um campo e mandaram-nos deitar com a cara virada para o chão”, recorda. “Depois de dispararem uma vez para o ar, começaram a disparar contra nós, à queima-roupa.” O ruido das balas e dos gritos era ensurdecedor. Para Zira, aqueles eram os seus últimos instantes na vida, ali, naquele campo, com o rosto encostado ao chão. Sentiu uma dor imensa e não se mexeu mais. “Percebi que a bala não tinha atingido a minha cabeça, mas sim a coxa.” Zira ficou quieto. Ao seu lado, todos os outros homens e rapazes raptados da aldeia estavam mortos. Zira teve sorte. Ninguém voltou a descarregar as balas das metralhadoras para se certificar de que estavam todos mesmo mortos. As dores eram terríveis, mas Zira ficou imóvel durante horas, sabe Deus quantas, até que teve a certeza absoluta de que nenhum dos terroristas do Boko Haram estava por perto. Esvaindo-se em sangue, arrastando a perna atingida, cheio de dores, conseguiu fugir para o mato para pedir ajuda.

 

Desenhar o horror

Sani tem apenas 10 anos. Agora vive num campo de refugiados, o Sayam Forage, no Níger, um dos países que faz fronteira com a Nigéria. Sani recebe apoio psicológico. Muitas vezes conta a sua história através de desenhos. Com lápis de cor vai rabiscando uma e outra vez o que lhe aconteceu quando estava na escola e, quando, de súbito, começaram a escutar tiros. “Pam, pam, pam…”. Foi a primeira vez que Sani ouviu na vida o ensurdecedor ruído das balas. O professor disse aos meninos que era um ataque do Boko Haram e que tinham todos de fugir o mais depressa possível. Ali ao lado corria um rio. Foi para aí que os meninos fugiram, procurando esconder-se na vegetação da margem. Mas foram descobertos. Sani viu um homem a apontar-lhe uma metralhadora à cabeça. Tinha sido apanhado. Nos desenhos que faz agora numa tenda, no campo de Sayam Forage, Sani conta a sua história. Nos desenhos de criança ele explica em detalhe como viu um homem a ser degolado ou as casas da sua aldeia em chamas. Capturar crianças é também um negócio que alimenta os cofres do Boko Haram, para que este grupo terrorista islâmico possa comprar mais armas e mais munições para continuar a espalhar ainda mais o seu reino de terror. O pai de Sani conseguiu localizá-lo e convenceu os raptores a libertá-lo a troco de 10 mil Naira. Uma fortuna.

 

Tudo queimado

Nem Musa Zira nem Sani conhecem Yacubu, mas também ele viveu momentos de terror nesses dias em que o Boko Haram chegou à cidade de Baga com centenas de homens aos tiros. "Começaram a disparar contra todos, sem distinção. Homens, mulheres, crianças, velhos…" Yacubu Musa, tem 43 anos, é pastor numa igreja evangélica e ainda hoje não sabe como sobreviveu a esse ataque. “Pareciam milhares e havia corpos por toda a parte nas ruas.” Sobressaltado, Yacubu fugiu para a rua e escondeu-se na noite. Só regressou dias depois e o que viu ainda hoje lhe sobressalta a memória. Casas destruídas, corpos estendidos nas ruas, um cheiro nauseabundo. “Queimaram tudo”.

O ataque contra a cidade de Baga foi um dos mais terríveis na história da insurreição do Boko Haram, que teve início em 2009. O relatório, agora publicado pelas Nações Unidas, demonstra que o terror continua a imperar na região, que ninguém está a salvo e que as crianças continuam a ser um dos elos mais frágeis nesta tragédia diária. Só nos últimos cinco meses, cerca de meio milhão de crianças abandonaram as suas casas e aldeias na Nigéria, e em alguns países vizinhos, para escapar à ameaça representada pelo grupo islâmico Boko Haram. O relatório afirma que o número total de crianças desalojadas após ataques dos extremistas do Boko Haram é já de 1,4 milhões, e que a maioria destas crianças continuam a viver em situação de risco extremo, mal alimentadas e em sofrimento psicológico grave. Imagine-se como estarão as mais de duas centenas de raparigas cristãs raptadas de uma escola em Chibok, em Abril do ano passado, e que os islâmicos afirmaram que iriam converter ao Islão ou vender no mercado como escravas sexuais… E o pior é que os ataques continuam. No passado domingo, cerca de seis dezenas de pessoas foram mortas em resultado de três explosões na cidade Maiduguri, no nordeste do país. Esta é uma das dioceses que mais tem sentido a violência do Boko Haram. Calcula-se que mais de cinco mil cristãos perderam a vida em Maiduguri desde 2009, e cerca de 350 igrejas e capelas foram destruídas. Na Nigéria ninguém se sente em segurança, ninguém está a salvo.

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