Lisboa |
Capelania do Estabelecimento Prisional de Sintra
Uma missão de presença, animada pela relação com os reclusos
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As cadeias são uma das periferias apontadas pelo Papa Francisco que, segundo D. Joaquim Mendes, Bispo Auxiliar de Lisboa, “devem inquietar a Igreja”. No Estabelecimento Prisional de Sintra, que esta semana assinalou o seu centenário, a capelania procura ser presença junto dos reclusos, em especial daqueles que não têm visitas de familiares.

 

Ana Paula Bento é voluntária do Estabelecimento Prisional de Sintra desde há quase três anos. “Muita gente me dizia: ‘Cuidado, onde é que tu te vais meter…’ ou ‘Não tens medo? Vê lá se eles te fazem alguma coisa…’ Os colegas de trabalho chegaram a perguntar-me como eu me sentia e a minha resposta é que nunca me senti tão livre como me sinto na prisão. Porque apesar de estarmos todos atrás de grades, sentimo-nos todos iguais e conseguimos estar em momentos de partilha muito bonitos. A emoção que os reclusos acabam por nos transmitir enriquece-nos imenso, e é por isso que continuo a vir à prisão de Sintra”, testemunha Ana Paula ao Jornal VOZ DA VERDADE.

O seu envolvimento com este estabelecimento prisional aconteceu “por mero acaso”. A unidade pastoral de Sintra, a que pertence, procurava reunir algumas verbas para a Missão Guiné, que tinha uma paroquiana a fazer voluntariado em África por um ano, e a ideia passava pelo pedido de ajuda aos reclusos na dobragem de mealheiros de papel, em origami, para depois os paroquianos poderem doar dinheiro para essa missão. Quando estava reunida com os responsáveis pela prisão, em agosto de 2012, Ana Paula apresentou também o projeto de um miúdo da catequese, de fazer cartas de esperança para os reclusos. “Face a estes dois projetos, a antiga diretora e uma técnica desafiaram-me a ir conhecer as instalações do estabelecimento prisional e os ateliês. Depois comecei a fazer a venda dos objetos feitos pelos reclusos, na feira de Sintra e na Feira de Artesanato do Estoril. No fundo, começámos a fazer pontes. No jornal da unidade pastoral de Sintra iniciámos também a publicação de alguns artigos sobre a própria prisão e começámos a fazer a distribuição do jornal no próprio estabelecimento prisional. Como ação puxa ação, comecei a fazer com os reclusos uma espécie de catequese, de 15 em 15 dias”, conta.

Mãe de dois filhos, com 19 e 17 anos, e funcionária pública, Ana Paula tem de “colocar sempre horas de folga no trabalho” porque “o voluntariado na prisão não é reconhecido como tempo de serviço”. Atualmente procura “estar com os reclusos, de preferência, quinzenalmente”. “O que me faz continuar? Os próprios reclusos por vezes fazem-me essa pergunta: ‘Está um dia tão bonito lá fora, por que gasta dias de férias para vir para a prisão?’… mas basta ver os sorrisos e o olhar agradecido dos reclusos pelo facto de estarmos ali, que sinto que eles me dão muito mais do que aquilo que eu lhes dou. É um momento de uma enorme tranquilidade”.

Apesar de reconhecer que o ambiente prisional “não é fácil”, Ana Paula garante que não sente “qualquer perigo” quando está com os reclusos. “Sinto que é na prisão que Deus me quer. É engraçado, porque eu sempre dizia que havia de fazer voluntariado com crianças, mas acho que foi mesmo para aqui que Deus me quis trazer, portanto é aqui que estou”.

 

Missão de escuta

O padre Joaquim Maia, de 41 anos, entra no Estabelecimento Prisional de Sintra sempre vestido com o cabeção. Esta é uma forma de o capelão desta cadeia ser facilmente identificado pelos guardas prisionais e também pelos reclusos. Pároco de Mira-Sintra, e mais recentemente nomeado administrador paroquial de Agualva, este sacerdote pertencente aos Missionários Claretianos é o assistente religioso do Estabelecimento Prisional de Sintra desde o início do ano pastoral, em setembro passado. Ordenado sacerdote em 2001, o padre Joaquim assume ao Jornal VOZ DA VERDADE que “nunca tinha feito pastoral numa prisão” e reconhece que, “no princípio, foi um pouco complicado o impacto”. “É verdade que os reclusos não são agressivos e que respeitam, mas ao mesmo tempo é preciso saber manter uma certa distância, porque quando lá vai alguém eles aproveitam para fazer todo o tipo de pedidos e é preciso saber dizer-lhes ‘não’”. O assistente religioso explica que há duas formas de ‘conquistar’ os reclusos: “Ir com os bolsos cheios de coisas, chegar lá e dar-lhes para ter ‘amigos’; ou através do ‘não’. E eles percebem que eu não posso levar dinheiro, nem nada, posso apenas ser presença. E a verdade é que para os conquistar não foi preciso enchê-los de coisas”, refere. Houve apenas uma exceção nesta prática. “A única coisa que eu lhes levei foram pequenos calendários de bolso, porque eles dizem que há três coisas importantes para um recluso: o cartão do telefone, uma esferográfica e um calendário, para se orientarem nos dias. Pedi autorização para entrar com os calendários de bolso e foi esta a única coisa que lhes levei até agora”, expressa. Questionado sobre que presença procura ser junto dos reclusos, o padre Joaquim Maia explica que a sua missão é sobretudo de escuta. “Aquilo para que eles mais me procuram é para conversar, escutar”, observa.

Para participarem na Missa semanal, os reclusos têm de se inscrever previamente. “Ainda na terça-feira da semana passada tivemos Missa e inscreveram-se cerca de 30 reclusos, inclusive de várias confissões religiosas que perguntaram se podiam ir”, frisa o capelão.

 

“Cada recluso é um mundo”

A cumprir 100 anos, o Estabelecimento Prisional de Sintra destina-se atualmente a reclusos condenados a penas de 5-6 anos (em média). “Aqui não há crimes de sangue, nem de pedofilia. São sobretudo penas por tráfico de droga, talvez 95%, havendo depois também detidos por dívidas fiscais ou condução automóvel sem carta de condução ”, refere o padre Joaquim. Seguindo a pedagogia original, os reclusos experimentam a recuperação através do trabalho nas oficinas de carpintaria, de serralharia e de mecânica; da formação em diversas áreas (competências básicas, informática, cursos profissionais); das atividades escolares e desportivas; e da integração em programas de tratamento à toxicodependência. Este estabelecimento prisional tem atualmente 733 reclusos, todos homens, alguns deles estrangeiros, e de todas as idades. “Há reclusos com 18 anos e nesta última Eucaristia participou um recluso com 78 anos”, salienta.

Além do assistente religioso, a capelania do Estabelecimento Prisional de Sintra conta, neste momento, com mais quatro voluntários (três mulheres e um homem). Proximamente vão-se juntar ao grupo mais quatro mulheres, das paróquias de Cascais, Sintra e Cacém. “Os visitadores têm dois tipos de trabalho: o primeiro, é o contacto direto com os reclusos, feito através de um programa que estamos a elaborar em que pedimos aos voluntários que façam uma espécie de catequese a partir das leituras da Missa; o outro é um serviço de retaguarda – e aqui há mais dificuldade em arranjar voluntários, porque quando se fala em voluntariado na prisão as pessoas querem é estar em contacto com os reclusos –, para o fornecimento de roupa, porque cada recluso pode, a cada seis meses, pedir roupa, só que é preciso prepará-la”, realça.

Frisando que “nem todos os voluntários são reformados”, o padre Joaquim Maia dá os exemplos de “uma visitadora que todos os dias trabalha mais uma hora para depois poder folgar na terça-feira, de manhã ou de tarde, para ir fazer voluntariado à prisão”, e também o de “uma estudante que adapta-se aos horários escolares”. Os voluntários têm depois “escalas, com os dias e as horas de visita de cada um”. No caso do capelão, o padre Joaquim passa todo o dia de terça-feira no Estabelecimento Prisional de Sintra e à quarta-feira, da parte da tarde. Com os reclusos do RAI (Regime Aberto Interno), ou seja, aqueles que saem fora dos muros da prisão ou que, mesmo dentro dos muros, já estão a trabalhar na agricultura e nas oficinas e que não podem faltar ao trabalho, o capelão celebra a Eucaristia aos sábados de manhã. “No final de cada visita à prisão, apresento um relatório da minha presença”, revela.

Nas capelanias hospitalares, os voluntários só vão ter com os doentes quando é solicitada assistência, por parte do doente ou de algum familiar. Na prisão, os reclusos são informados da presença dos voluntários e depois inscrevem-se. Com o capelão é um pouco diferente, uma vez que o sacerdote tem autorização para entrar nas alas prisionais. “Se há esperança na prisão? Muita! Cada recluso é um mundo. Acredito que haja reclusos que, quando saírem, pouco tempo depois estejam de regresso, mas há outros que vêm a passagem pela prisão como um ‘acidente’ de vida que não se vai repetir”, assegura o padre Joaquim Maia.

 

Uma pastoral de periferia

Para D. Joaquim Mendes, Bispo Auxiliar de Lisboa, a missão da Igreja nas prisões passa por ser presença. “A pastoral prisional é uma das periferias existenciais, para as quais nos alerta o Papa Francisco, que devem ser objeto da nossa solicitude e proximidade. Sobretudo o acompanhamento dos reclusos, porque há um número consistente de reclusos – em alguns estabelecimentos prisionais andará à volta dos 50 por cento – que não tem visitas de ninguém. Foram abandonados pela própria família e, evidentemente, pela sociedade que feriram, e como tal estão sozinhos. Precisam de um acompanhamento, sobretudo espiritual, que os ajude a assumir a pena, os erros que cometeram e a fazerem a sua recuperação para serem integrados na sociedade, numa cidadania ativa e responsável”, observa o bispo ao Jornal VOZ DA VERDADE. Nestas declarações ao semanário diocesano, D. Joaquim Mendes salienta os objetivos da pastoral penitenciária: “O apoio e ajuda aos reclusos passa pela área religiosa, jurídica e social. Tem também como preocupação que o sistema prisional respeite a dignidade da pessoa humana e que contribua para uma restauração dos reclusos”. O Bispo Auxiliar de Lisboa destaca igualmente a “área da preventividade”, o “acompanhamento das famílias” e o “estabelecimento de pontes entre as famílias e os reclusos”, que devem ser também prioridades da pastoral penitenciária.

Durante o último encontro nacional com os assistentes prisionais e voluntários, foi sublinhada “a necessidade de integrar a pastoral penitenciária na pastoral social da diocese e das paróquias, no contexto da comunidade cristã onde a cadeia está situada e, de forma mais alargada, na vigararia”. “Toca-me profundamente a realidade das cadeias. São realidades muito difíceis, mas os reclusos são irmãos nossos – como diz o Papa, são filhas e filhos de Deus como nós –, são pessoas como nós, que efetivamente erraram, como todos nós podemos errar, mas muitas situações são consequência da sociedade que temos”, aponta D. Joaquim Mendes.

  

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“Ajudar os reclusos a construírem o «passaporte» para a liberdade”

O Bispo Auxiliar de Lisboa D. Joaquim Mendes presidiu, na manhã do passado dia 21 de abril, à Missa dos 100 anos do Estabelecimento Prisional de Sintra, expressando o desejo de que esta cadeia continue “a ajudar os reclusos a construírem o «passaporte» para a liberdade e para uma cidadania ativa e responsável”. Na capela desta prisão, situada na parte de fora dos muros da cadeia, D. Joaquim Mendes falou igualmente de misericórdia. “Um estabelecimento prisional tem de ser um lugar não somente de justiça, mas também de misericórdia, porque só esta permite uma verdadeira recuperação”, destacou o Bispo Auxiliar de Lisboa.

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