Mundo |
O trabalho da Irmã Hanan com os refugiados no Líbano
“Não se consegue imaginar”
<<
1/
>>
Imagem

Muitas pessoas ficaram em lágrimas depois de escutarem em Portugal a Irmã Hanan Youssef, que acolhe os refugiados sírios e iraquianos num centro de saúde no Líbano. Houve uma frase que repetiu várias vezes ao recordar tantas tragédias que lhe passaram já pelas mãos: “Não se consegue imaginar…”


Pertence à congregação das Filhas do Bom Pastor desde há 25 anos. Apresenta-se sempre como uma cristã árabe, tem 48 anos mas parece precocemente envelhecida. Não se estranha isso depois de se conhecer o seu trabalho, num centro de saúde, no Líbano, onde se acolhem refugiados oriundos da Síria e do Iraque. Esteve em Portugal, a convite da Fundação AIS, para contar a sua história. “Não se consegue imaginar o sofrimento das pessoas que foram obrigadas a fugir e a deixar tudo o que tinham para trás. O nosso centro de saúde é o primeiro lugar de acolhimento para estes refugiados quando chegam ao Líbano”.

 

Vidas despedaçadas

Deve ter sido aí, nesses primeiros instantes, que a Irmã Hanan foi ganhando os cabelos brancos que destoam da sua idade. “Atendi uma rapariga que estava completamente absorta, como se estivesse longe dali. A menina estava acompanhada pela sua mãe. Sempre que eu dizia alguma coisa, tentando perceber o que se passava, a mãe começava a chorar compulsivamente. Só depois entendi que a menina tinha sido violada 18 vezes num só dia pelos jihadistas. São vidas estragadas, despedaçadas, feridas que nunca vão sarar. Não conseguimos perceber os porquês desta barbárie, porquê este genocídio no Médio Oriente”.

 

Sem cama nos hospitais

Outra história: “Um dia, chego ao centro de saúde e vejo lá um pai com a sua filha. Ela estava quase inanimada, não se conseguia pôr de pé, e ele estava com um olhar perdido, distante. Olhava para nós mas não nos via. Então, comecei a falar e aos poucos percebi que a mãe daquela menina, a mulher daquele homem, tinha morrido durante a fuga para o Líbano. O senhor estava desesperado e a filha, caída numa profunda depressão, não comia nada nem bebia água há vários dias e encontrava-se completamente desidratada. Não encontrámos lugar para eles nos hospitais e estava com muito receio de que a menina não sobrevivesse tal era a fragilidade do seu estado. Então, contactámos uma enfermeira que foi ao centro de saúde para lhe ministrar soro”. Não encontrar cama nos hospitais, ou sala de aulas para as crianças, são apenas dois dos maiores dramas por que passam estas Irmãs do Bom Pastor. O problema, como enfatiza vezes sem conta a Irmã Hanan, é que o Líbano está, também ele, à beira do colapso com esta enorme onda de refugiados. Sendo um país pequeno, com apenas 4 milhões de habitantes, só nos últimos doze meses recebeu mais de 2 milhões de refugiados.

 

Acolher e escutar

No centro de saúde são oferecidos três serviços. “O primeiro é acolher e escutar; o segundo é oferecer cuidados de saúde básicos, pois os refugiados, como deixaram tudo para trás, também interromperam a medicamentação; por fim, oferecemos um serviço de psicologia e de psiquiatria, pois são pessoas que estão muito traumatizadas”.
A Irmã Hanan Youssef também tem, ela própria, uma longa história de sofrimento. A sua vocação é o amor que oferece a todos os que lhe batem à porta. Pessoas desesperadas, sem futuro, vidas interrompidas. “Já tenho uma certa idade e nunca, nunca, vivi em paz no meu país. Tinha 8 anos quando fui obrigada a deixar a minha aldeia natal, que Israel ocupou, e fomos obrigados a sair dali a meio da noite. Partimos, sem levar nada connosco e fomos para Beirute. Nessa altura senti um enorme sofrimento e a minha família também. Vi a minha tia e a minha avó morrerem na explosão de uma bomba lançada por Israel para o sul do Líbano. Mais tarde, o exército sírio, que ocupou a região, também assassinou uma outra tia minha e um sobrinho, de 25 anos”.

 

Memória de lágrimas

O sofrimento faz parte da vida quotidiana no Líbano. Provavelmente não haverá por ali ninguém que não tenha memória vivida do som de um morteiro a rebentar, da rajada de uma metralhadora a esfacelar a parede de um prédio, do chão das ruas manchado de pó e sangue. E há novos receios que se juntam a uma memória já carregada de lágrimas. “Um dos nossos medos é que, juntamente com estes refugiados que acolhemos, estejam também alguns jihadistas. Eles fazem de tudo para que o Líbano se transforme também num ‘estado islâmico’.”
Mas a Irmã Hanan não desiste. Ela agradece vezes sem conta a ajuda “preciosa” da Fundação AIS para que o “seu” centro de saúde continue a acolher refugiados. E recorda-nos a necessidade de se viver para os outros, principalmente para os que mais sofrem. “Como nos diz o Papa Francisco, o nosso amor a Cristo cumpre-se naqueles que passam necessidades”. E estes refugiados, vítimas da intolerância dos jihadistas, passam por um sofrimento incompreensível. E, diz a Irmã Hanan, é um sofrimento “tão incompreensível como o silêncio pesado do Ocidente, pois esta é uma barbárie nunca vista”.

 

Vamos ajudar?

Esta Irmã do Bom Pastor veio a Portugal alertar consciências com a sua voz baixa, quase sumida, mas que levou tantas pessoas às lágrimas. Como ficar indiferente a estas histórias e não ajudar? “Sou uma mulher cristã árabe e acredito na presença dos Cristãos no mundo árabe. Essa é também a nossa missão. O mundo árabe sem a presença dos Cristãos vai tornar-se numa barbárie e numa ameaça para o mundo inteiro. Acredito que a nossa missão é amar. Amar sempre, amar até ao fim. A nossa missão é levar a fé aos lugares onde Jesus nasceu e viveu. É preciso guardar a presença cristã no país de Cristo. Com a vossa ajuda e também as vossas orações, nós vamos conseguir continuar com a nossa missão”. Ouviram?

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
A OPINIÃO DE
Pedro Vaz Patto
Foi muito bem acolhida, pela generalidade da chamada “opinião pública”, a notícia de que...
ver [+]

Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Tony Neves
O Gabão acolheu-me de braços e coração abertos, numa visita que foi estreia absoluta neste país da África central.
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES