Entrevistas |
José Lobo Moutinho, presidente da direção da Associação dos Juristas Católicos
“É necessário que a Associação se mostre uma comunidade”
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O presidente da direção da Associação dos Juristas Católicos, José Lobo Moutinho, deseja revitalizar esta associação profissional católica. Em entrevista, por escrito, ao Jornal VOZ DA VERDADE, por ocasião do Encontro dos Juristas Católicos, este advogado fala dos desafios desta Associação e garante que “os juristas católicos têm um dever, verdadeiramente especial, de entrar no diálogo” pelos direitos humanos, “não impondo mas propondo, sempre”.

 

Assumiu recentemente a presidência da direção da Associação dos Juristas Católicos. Qual o papel e os principais objetivos desta associação profissional católica?

A finalidade geral da Associação, criada em 1985, é contribuir para que na sociedade portuguesa se realizem os valores da doutrina cristã, em harmonia com o Magistério da Igreja. Essa finalidade geral desdobra-se, depois, estatutariamente, numa série de missões especiais, das quais se destacam a preparação espiritual e cultural dos juristas portugueses; a colaboração, nomeadamente através de assistência jurídica, com as instituições e iniciativas sociais de inspiração cristã; a divulgação da função do Direito na sociedade e da importância dos valores que o informam; e a contribuição, através do estudo, para o aperfeiçoamento da legislação a aplicação do Direito.

 

Como pode a Associação estar presente na discussão dos problemas sociais que o país atravessa?

A Associação pode e deve marcar a sua presença de muitas maneiras. Por um lado, terá os seus próprios espaços de reflexão, debate e intervenção, designadamente encontros como aquele que teve lugar no passado dia 1, mas também almoços/debates periódicos e divulgação de informações e textos de opinião no site da Associação, que está em construção. Além disso, a Associação está disponível para participar, de todas as formas, em todos os debates e discussões sobre os problemas sociais que apresentem uma vertente jurídica.

 

No atual contexto político, existe espaço para o diálogo e defesa dos assuntos, em particular daqueles que colocam em causa os direitos do homem? Que papel, neste caso, devem desempenhar os Juristas Católicos?

Penso que a sociedade portuguesa, tal como a generalidade das sociedades ocidentais, atravessa uma fase crítica e, portanto, desafiante, na qual todas as questões relativas à pessoa humana e à sua vida de relação estão aí, em aberto, para discussão. Mesmo ou talvez sobretudo as mais extremas, relativas à tutela da vida humana, nos seus momentos mais frágeis, relativas à estruturação básica da sociedade e às relações e comunidades humanas mais primárias e marcantes, como a família, etc. Podemos perguntar-nos se isto sucede sempre naturalmente por um legítimo questionamento numa época cultural de crise, que é sempre de questionamento. Infelizmente, há razões para pensar que nem sempre assim sucede. Por vezes, oportunismos políticos de baixo valor levam a uma instrumentalização destas questões a objetivos políticos ou partidários imediatos que, no fundo, nada têm que ver com estas questões e nada contribuem para elas. Mas, de uma forma ou de outra, as questões estão colocadas e esperam discussão. Agora, se se reparar, muitas dessas questões são de raiz jurídica e quase sempre são fundamentais, dizem respeito aos chamados direitos humanos, como sucede com o direito à vida, a objeção de consciência, a liberdade de educação, a liberdade religiosa, e por aí fora. Os juristas não têm, evidentemente, o monopólio da sua discussão, mas têm conhecimentos especiais que os habilitam para um contributo especialmente estruturado e importante na reflexão e discussão sobre essas questões. Os juristas católicos têm um dever, verdadeiramente especial, de entrar nesse diálogo, não impondo – como nos ensinou o Papa Bento XVI, em 2010, durante a visita ao Porto, e nos recordou D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa, no encontro do dia 1 de julho –, mas propondo, propondo sempre. E propondo sempre o quê? Propondo sempre, pela via da reflexão e do diálogo racional, a dignidade de cada ser humano e suas decorrências em todas as ocasiões e vertentes da sua vida, para as quais a Fé em Cristo e a experiência milenar da Igreja, perita em humanidade (como escreveu o Papa Paulo VI), os torna inexcedivelmente conscientes e sensíveis. Penso, para regressar às palavras de Bento XVI em 2010, que, no fundo, os Juristas Católicos são chamados a essa forma da missão ad gentes que é o diálogo racional – sempre a favor do homem –, no seu âmbito sociocultural.

 

Política, direito e ética. Três realidades que, para um jurista, não se podem separar…

A meu ver, são, naturalmente, à partida, esferas diferenciadas, embora comunicantes. A ética respeita à orientação de toda a pessoa, em todo o seu ser e em toda a sua atividade, para a sua felicidade, para o seu bem total. Já a política e o direito não abarcam o homem todo, em todos os aspetos do seu agir, interior e exterior; respeitam apenas à esfera da atividade social das pessoas, à sua vida de relação com outras pessoas e com a comunidade: a política, no sentido de orientar ativamente a vida da comunidade para o bem comum; o direito, no sentido de assegurar que as relações sociais se estabelecem e desenvolvem dinamicamente de acordo com a justiça, dando – para usar de uma parte da velha fórmula, que toda se mantém válida – a cada qual o que é seu. A questão própria do jurista é, evidentemente, a justiça nas relações sociais. Mas naturalmente que essa questão está coordenada com a questão ética e também com a questão política.

O direito não se confunde com a ética, se por esta entendermos a moral: o que está para além dos deveres de justiça para com as outras pessoas e para com a comunidade é um espaço de liberdade que o direito deixa a cada um para desenvolver a sua personalidade e viver a sua vida. De outra forma, a sociedade, através do direito, arrogar-se-ia no poder de ordenar a vida de cada pessoa em todos os seus aspetos, o que corresponde ao totalitarismo. Mas esse espaço de liberdade só é deixado pelo direito pressupondo que são cumpridos os deveres de justiça para com outrem, isto é, que é atribuído a cada um o que é seu. O direito não deixa a uma pessoa que contratou com outra a liberdade de não cumprir as obrigações a que se vinculou, nem àquele que causou danos a outrem a liberdade de não o indemnizar… Assim, na medida em que numa situação qualquer surja a questão de saber como coordenar as liberdades ou os bens de várias pessoas, o problema deixa de ser simplesmente moral, para passar a ser também jurídico e, como tal, tem de ser discutido e decidido, designadamente apelando à igual dignidade das pessoas envolvidas. Isto, embora naturalmente não possa haver verdadeira contradição entre eles: não é moralmente irrelevante eu não pagar as minhas dívidas ou os meus impostos ou não conceder o descanso devido às pessoas que trabalham comigo…

Por outro lado, entendida a ética num sentido diferente, como ordem referenciada a valores, tem de se dizer que o direito não pode ser reduzido a uma pura forma neutra ordenadora de condutas, na medida em que não poderá deixar de apresentar um fundamento ético: a ‘ineliminável’ dignidade da pessoa. E nesse sentido, o direito assenta ou assume uma natureza intrinsecamente ética.

Quanto à política, a questão mostra-se um pouco mais complexa. A evolução das sociedades e dos sistemas e regimes políticos levou a que sejam essencialmente os órgãos políticos que, para além da sua responsabilidade propriamente política (ou seja, de definição e execução dos caminhos da procura ativa do bem comum), assumam também a tarefa da positivação do direito, através da legislação. Por outro lado, os tribunais, embora independentes, são também compreendidos como órgãos do Estado (do mesmo Estado que, através de outros órgãos, tem também poderes legislativos e executivos). Estes e outros fatores conduzem a uma ampla margem de confluência entre direito e política. No entanto, em última análise, o direito não se confunde com a política, como expressão da vontade do Estado. Antes, o Estado, e sua atividade política, como qualquer outra pessoa ou atividade, está subordinado ao direito. É isso que se quer dizer quando se fala de Estado de Direito. Manifestação visível desta subordinação ao Direito são os direitos fundamentais, que ao Estado não cabe criar e conferir, mas apenas reconhecer, e cujo desrespeito invalida a própria lei (através do mecanismo da inconstitucionalidade).

Portanto direito, ética e política entrecruzam-se. Mas são diferentes entre si, sendo que, no confronto entre eles, ressalta como missão específica do direito ordenar da vida humana de relação, mediante a coordenação da liberdade e dos bens das pessoas que convivem na mesma comunidade, por forma a assegurar a cada um o que é seu – e a liberdade a partir daí.

 

No referido Encontro de Juristas Católicos, no passado dia 1 de julho, o Patriarca de Lisboa destacou a importância das associações que, tal como a Associação dos Juristas Católicos, podem oferecer ‘razões de esperança’ para toda a sociedade. Que balanço faz desse encontro?

O encontro foi uma ocasião verdadeiramente excecional. Para além de um inesperado número de presenças, entre as quais muitas pessoas que pretenderam associar-se, foi extremamente enriquecedora. O Prof. Germano Marques da Silva fez uma intervenção subordinada ao tema, atualíssimo, da objeção de consciência, colocando-o no contexto mais vasto da compreensão da liberdade de consciência numa democracia plural, como é a nossa. O senhor D. Manuel Clemente, como que focando um momento diferente e anterior ao do surgimento das situações de objeção de consciência, tomou por tema o papel do jurista católico no diálogo social e político, expondo a evolução tanto do enquadramento das associações socioprofissionais na vida da Igreja como da participação dos cristãos no diálogo social e político, a partir da dupla coordenada da verdade objetiva e do respeito pela liberdade de consciência. Foi esse o contexto em que o senhor Patriarca retomou as palavras do Papa Bento XVI, na cidade do Porto, em 2010: “Nada impomos, mas sempre propomos, como Pedro nos recomenda numa das suas cartas: «Venerai Cristo Senhor em vossos corações, prontos sempre a responder a quem quer que seja sobre a razão da esperança que há em vós»”. Penso que concordará que não podia ter sido melhor o impulso para o lançamento desta nova fase da vida da nossa Associação dos Juristas Católicos.

 

Nesse sentido, quais então os principais desafios da Associação?

O principal desafio que se abre neste momento à nossa frente é a vivificação da Associação. É necessário que a Associação se mostre uma comunidade, na qual os juristas católicos se sintam bem, em que possam enriquecer-se e enriquecer uns aos outros mediante o convívio e a partilha de experiências e pontos de vista. Simultaneamente, é necessário conseguir chamar à Associação quem estiver disponível para isso, designadamente os juristas católicos das novas gerações, que – digo por experiência própria, como professor – são jovens que aliam um imenso profissionalismo a uma fé, um sentido de comunidade e um espírito de missão exemplares. Com quem, portanto, temos muito a aprender. Por isso, já na assembleia geral, quis dizer aos nossos associados que tanto os órgãos como os associados têm o dever de promover os fins da Associação, mas que havia um primeiro dever, base de todos os outros, que é o dever de aparecer. Aparecer, simplesmente. Não custa muito.

 

Quem compõe a equipa recentemente eleita?

Na formação da lista agora eleita, procurou-se uma equipa mais variada possível: senhoras e homens, juízes e advogados, académicos e juristas empenhados em outras andanças e também vindos de ambientes espirituais diferentes e complementares na vida da Igreja. Assim, foram eleitos para a Direção, além de mim próprio, os Drs. Isilda Pegado (vice-presidente), Flávia Beja da Costa (tesoureira), Miguel Gorjão-Henriques (secretário) e, como vogais, o Desembargador Pedro Vaz Patto, o Conselheiro José Souto de Moura e a Prof. Doutora Mafalda Miranda Barbosa. Para a mesa da Assembleia Geral foram eleitos o Prof. Doutor Germano Marques da Silva (presidente), o Conselheiro José Oliveira Branquinho e a Dra. Alexandra Viana Lopes; para o Conselho Fiscal, o Dr. José Vaz Serra de Moura (presidente), a Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e o Dr. João Perry da Câmara.

 

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Próximas iniciativas da Associação dos Juristas Católicos

• Criação, para breve, do site da Associação, que vai ficar disponível no endereço www.juristascatolicos.pt

• Organização de almoços/debates periódicos, na igreja de São Nicolau, na Baixa de Lisboa, com Missa às 12h30, seguido de almoço/debate com um orador convidado, que se conclui pelas 14h30. O primeiro almoço/debate vai ter lugar no dia 19 de setembro, tendo como orador convidado Marcelo Rebelo de Sousa

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Perfil

José Lobo Moutinho

• 50 anos

• Casado e pai de 5 filhos

• Advogado

• Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa

• Presidente da direção da Associação dos Juristas Católicos

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