Mundo |
Luanda: a história esquecida dos meninos de rua
Crianças sem nome
<<
1/
>>
Imagem
São mais de 5 mil, as crianças que vivem nas ruas em Luanda, a capital angolana. Elas são o elo mais fraco de uma terrível realidade de pobreza. Numa cidade de contrastes, de condomínios de luxo e de bairros de lata, a Igreja construiu duas casas de acolhimento. Aí, estas crianças aprendem que o amor ainda é possível.

 

Quando o avião se faz à pista, percebe-se que Luanda cresceu desalmadamente, muito para além da cidade inicial, imaginada à volta da Baía. Visto dos céus, o emaranhado de casas pequenas, numa geografia sem régua nem esquadro, permite perceber que a Luanda antiga está sufocada num mar de barracas que parece estender-se até à linha do horizonte. Quando o avião toca no alcatrão e as rodas largam fumo branco que cheira a borracha queimada e os passageiros se aventuram cidade dentro, então é que se percebe como Luanda é mesmo uma cidade de contrastes, com uma riqueza excessiva, quase obscena, lado a lado com a mais abjecta pobreza. Ruas onde passam carros de luxo, com carroçaria blindada, vidros fumados, e crianças que brincam em sarjetas a céu aberto.

 

40 % abaixo do limiar da pobreza

Lá de cima, do avião, a cidade não tem cheiro. Nas ruas, porém, por vezes é difícil respirar. Com cerca de 5 milhões de habitantes e uma elevada taxa de criminalidade, Luanda é considerada hoje uma das mais caras cidades do mundo, só comparável com Tóquio e Nova Iorque. A prolongada guerra civil, de quase três décadas, deixou marcas além dos edifícios ainda esventrados, das estruturas rodoviárias e ferroviárias destruídas, dos campos minados. A guerra civil, com todos os seus horrores, matou a esperança de uma vida normal a milhões de angolanos, que se espelha agora na tremenda estatística de mais de 40 % da população viver abaixo do limiar da pobreza.

 

Cinco mil crianças na rua

Nas ruas de Luanda, há quem ainda esteja mais vulnerável do que os muito pobres. São as crianças da rua. Ninguém sabe ao certo quantas são, como ninguém sabe ao certo quantos milhares de barracas se comprimem em ruas estreitas, ao lado de esgotos a céu aberto, nas dezenas de bairros de lata da capital angolana. Ninguém sabe quantas são, mas elas existem e são imensas. Demasiadas. Estas crianças estão nas ruas como se fossem invisíveis. Quase ninguém se importa com elas, muito menos os que se fazem viajar no conforto do ar condicionado dos carros de luxo, como se tivessem medo de serem contaminados com a realidade chocante da cidade. Segundo o Padre Júlio, salesiano, e um dos responsáveis por alguns centros de acolhimentos para os meninos de rua de Luanda, haverá cerca de “cinco mil crianças abandonadas à sua sorte”: talvez mais, talvez muitos mais.

 

Casa Mama Margarida

Estas crianças são órfãs ou fugiram de casa por causa da violência a que estavam sujeitas, vítimas do alcoolismo dos pais, ou simplesmente saíram para as ruas como se de um instinto de sobrevivência se tratasse. Os padres procuram acolher o maior número possível de crianças. Os que ficarem de fora arriscam-se a não sobreviver. “As crianças de rua estão muito vulneráveis”, explica Alberta André, uma mulher coragem que aceitou o desafio de colaborar com a comunidade salesiana neste esforço de resgatar os meninos a um destino fatal. “Tenho cinco filhos biológicos e 15 no projecto, da casa, sobre a minha tutela”. A casa de acolhimento chama-se Casa Mama Margarida. As crianças que chegam trazem consigo tudo o que têm: a roupa esfarrapada, os olhos carregados de medo, as histórias de drogas, de exploração sexual, de assaltos, de violência, de doença.

 

Exploração

A evolução da SIDA é mais uma realidade negra à triste verdade dos meninos de rua de Luanda. Muitos são explorados em redes de prostituição. Durante o dia, é fácil encontrar crianças obrigadas a trabalhar como carregadores, lavadores de automóveis, engraxadores, mendigos. A maioria destas crianças já conhece o mundo das drogas e do álcool. Muitos “cheiram” gasolina, que é a droga das periferias, mais barata, acessível, mas que tem um efeito devastador na saúde. Segundo a UNICEF, cerca de 30 % das crianças angolanas, com idades entre os 5 e os 14 anos, são obrigadas a trabalhar. Alberta André ou o Padre Júlio Barriento são dois dos rostos mais queridos pelas crianças de Luanda e pelos mais pobres dos pobres da cidade.

 

Esperança

Projectos como a Casa Mama Margarida, ou a Casa Magone, apoiadas pela Fundação AIS, são oásis numa tragédia terrível que o mundo parece não querer ver, mas que se vislumbra até dos céus, quando os aviões se fazem à pista em Luanda. Nestas casas, as crianças retiradas das ruas descobrem, pela primeira vez na vida, o prazer de irem estudar de manhã, de tomarem o pequeno-almoço, de terem amigos, de jogarem à bola, de brincarem. Nas ruas não têm nome. Normalmente são conhecidas por uma alcunha que sublinha uma cicatriz da vida: o zarolho, o maneta, o albino, o desdentado, o coxo… Nestas casas, as crianças descobrem nos sorrisos dos que os acolhem que o amor não tem preço, é gratuito, e que há um mundo inteiro por descobrir para lá do inferno das ruas.

 

Saiba mais em www.fundacao-ais.pt

Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
A OPINIÃO DE
Pedro Vaz Patto
Foi muito bem acolhida, pela generalidade da chamada “opinião pública”, a notícia de que...
ver [+]

Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Tony Neves
O Gabão acolheu-me de braços e coração abertos, numa visita que foi estreia absoluta neste país da África central.
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES