Lisboa |
Padre Eduardo de Freitas
Há 50 anos em Bucelas e São Tiago dos Velhos a mostrar o que é ser padre
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Foi para Bucelas e São Tiago dos Velhos a pedido do Cardeal Cerejeira, em 1962, e apenas por dois anos… mas manteve-se por estas terras até hoje! Após 50 anos de missão, o padre Eduardo de Freitas deixa agora estas paróquias. “Penso que cumpri o que me pediu o Senhor Patriarca”, refere.

 

Dar um passeio a pé ou andar de carro, em Bucelas, acompanhado do padre Freitas é uma aventura! Todos o querem saudar, dizer um simples ‘olá’ ou apenas acenar. “Toda esta gente que vemos aqui, no centro de Bucelas, fui eu que baptizei, que casei... conheço-os a todos!”, conta-nos o padre Freitas, de 81 anos. Presente há meio século na paróquia de Nossa Senhora da Purificação de Bucelas, os números não mentem: “Posso dizer que em 50 anos nesta terra fiz 3070 baptismos, 1172 casamentos, 1452 funerais, além de mais de 18250 Missas”, aponta o padre Freitas, socorrendo-se de um papel onde havia feito os cálculos com base nos livros de registos da paróquia. “Em São Tiago dos Velhos, por ser uma paróquia de muito menor densidade populacional, com apenas três mil pessoas, fiz 618 baptismos, 241 casamentos, 442 óbitos e devo ter celebrado três mil Eucaristias”, completa este sacerdote, que assinala este ano o 50º aniversário de presença nestas paróquias dos concelhos de Loures e Arruda dos Vinhos.

 

“Eu quero ser padre!”

Nascido e criado no seio de uma família cristã, o padre Freitas é natural da freguesia de Santa Eufémia de Cós, em Alcobaça. “Éramos oito filhos e eu era o número sete. A minha avó materna, que teve a dita de estar em casas solarengas em Alcobaça, de gente muito educada e muito rica, amparou sempre a família. Os meus pais casaram já com 27 anos, porque o meu pai esteve na grande guerra, e os oito filhos nasceram todos ‘apressadamente’”, salienta o padre Freitas, em conversa com o Jornal VOZ DA VERDADE.

Fez a escola primária – “sem grande dificuldade, segundo o professor” – e foi quando estava na então 3ª classe que fez a Primeira Comunhão e foi crismado. “Quando me confessei, fez-me muita impressão o cabeção do padre Eduardo e perguntei-lhe o que era ser padre”. Dias mais tarde, em Fátima, viu um grupo de seminaristas. “Senti uma inveja e disse à minha mãe: ‘Eu quero ser como aqueles meninos!’. Ela apenas sorriu…”. À professora primária, voltou a repetir: “Eu quero ser padre!”. O pai lembrou então ao jovem Eduardo que a família não tinha posses para o colocar no Seminário. “A senhora da casa solarenga onde estava a minha avó materna tomou então a responsabilidade de me ajudar!”, refere.

Em 1944, então com 12 anos, o jovem Eduardo de Freitas chega ao Seminário de Santarém. “Eu nunca tinha saído de casa dos meus pais! Recordo-me que éramos muitos alunos, mas eu não conhecia ninguém! As primeiras noites foram um flagelo. Para todos! Mas eu não me queria ir embora”, recorda, lembrando os tempos de seminário. “Eu sempre gostei muito do Seminário! Ganhei um grande afecto a todos os Seminários: Santarém, Almada, Olivais! Ainda hoje digo: ‘Tenho tantas saudades dos Seminários…’ Eu tinha tempo para tudo: para estudar, para cabular, para me rir, para brincar, para rezar”.

Após três anos em Santarém e outros três em Almada, o jovem Freitas chega aos Olivais, para mais seis anos de formação. Levava apenas a roupa. Não tinha mais nada. “Na secretaria do Seminário não me podiam dar os livros por falta de dinheiro. Quando ia para o refeitório passei na capela e disse: ‘Meu Deus, o que será de mim? Ajuda-me Santa Teresinha!’. Chegado ao quarto, tinha lá um subscrito, que dizia ‘Para o aluno Eduardo Freitas’, com 570 escudos, que era precisamente o valor necessário para os livros”. Dias mais tarde, aparece no quarto um grande embrulho cheio de roupas novas. Até ao Natal, o jovem Eduardo andou sempre sem saber quem lhe andava a enviar tais ofertas. “Só por altura do Natal conheci as pessoas que me estavam a ajudar: era um capitão da marinha, que sempre me tratou como se fosse afilhado”.

 

Cinco paróquias!

A 29 de Junho de 1956, o jovem Eduardo de Freitas era ordenado sacerdote, na Sé Patriarcal de Lisboa. A chamada Missa nova, a 8 de Julho desse ano, foi celebrada na igreja de Cós, “uma igreja conventual enorme, lindíssima!”.

É então que o recém-ordenado sacerdote é convocado pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa. “‘Então reverendo, para onde é que quer ir’, pergunta-me o Cardeal Cerejeira. ‘Eu quero ir para onde Vossa Eminência mandar!’, respondi. Acabei por ir para o Entroncamento, que era a terra onde começava o comunismo”.

Após um ano como coadjutor no Entroncamento, o padre Freitas esteve uns tempos no Seminário de Santarém e foi então nomeado pároco para a zona de Caldas da Rainha. “Fui para o Landal e A-dos-Francos. Depois ainda me entregaram as paróquias de Figueiros, Alguber e A-da-Gorda. Tinha cinco freguesias, mas também tinha apenas 27 anos! Recordo-me que andava de lambreta nas deslocações entre as paróquias. Fazia tudo com uma ‘perna às costas’”, garante, sorridente.

 

‘Vais e vais vencer!’

A chegada a Bucelas e São Tiago dos Velhos acontece em 1962. O padre Freitas recorda-se bem do pedido do Cardeal Cerejeira. “‘Vou-te enviar para uma freguesia que é protótipo da diocese: Bucelas. Não conheces? É uma terra das mais finas, onde mora gente fidalga, generosa, tem uma igreja muito bonita, embora precise de obras. Vais fazer um trabalho muito bonito! Só te peço uma coisa: que durante dois anos mostres que és padre!’”, evoca o padre Freitas, lembrando o pedido do então Patriarca de Lisboa. As reacções de amigos não se fizeram esperar, a começar pelo padre Gregório Verdonk, que na época estava na Penha de França e que tinha sido o último director espiritual do jovem Eduardo Freitas no Seminário dos Olivais: “‘Oh meu filho, tu vais para uma comunidade mais gelada que uma câmara frigorífica! Mas tu vais e vais vencer!’”.

O padre Freitas chega a Bucelas, pela primeira vez, a 14 de Outubro de 1962. “Esta era uma terra tipicamente saloia, mas que tinha também famílias muito distintas! Na época, curiosamente, tinha cerca de oito, nove mil habitantes, agora tem somente cinco mil pessoas. Na altura, procurei começar a construir comunidade com as crianças, indo a todas as escolas da freguesia! No 1º Ciclo chegámos a ter 300 crianças; hoje, não chegam às 120…”. A aposta passava, por isso, pela catequese. “Foi através da catequese, principalmente, que os pais começaram a sentir que as crianças eram acarinhadas, que tinham gosto pelas festas da Igreja”, recorda.

No início dos anos 60 do século passado, o padre Freitas foi para Bucelas, e também São Tiago dos Velhos, numa perspectiva de dois anos. “Passados seis anos, o Senhor Patriarca visita-me, diz que o meu trabalho foi muito bem feito e deu-me três novas paróquias à escolha: Fátima, como coadjutor, Anjos ou São Paulo. Como a minha irmã que vivia em Bucelas enviuvou, acabei por ficar”. Anos mais tarde, quando o Cardeal Cerejeira pede a resignação, o padre Freitas estava já há 16 anos em Bucelas e São Tiago dos Velhos. “‘Queria-te mudar antes de sair’, diz-me o Patriarca. ‘Mas porquê? Eu estou contente!’, respondi, mesmo apesar de estar já algo saturado”. Na primeira reunião de Vigararia com o Cardeal D. António Ribeiro, o novo Patriarca de Lisboa diz que “já não se usa estar tanto tempo numa mesma paróquia!”. A verdade é que os anos foram passando e o padre Freitas foi-se mantendo por estas terras de Loures e Arruda dos Vinhos. Chegado D. José Policarpo a Patriarca de Lisboa, nova conversa sobre a possibilidade de deixar Bucelas e São Tiago dos Velhos. O padre Freitas recorda-se de perguntar ao Cardeal-Patriarca: “‘Então e quem virá para as paróquias?’. A resposta foi: ‘Isso será difícil…’. Por isso, arrisquei: ‘Posso-me manter eu!’”.

 

Crianças e igreja

Além de pároco, o padre Freitas foi durante muitos anos professor de EMRC (Educação Moral e Religiosa Católica), nas escolas primárias. Até há cerca de três anos, altura em que, com a mudança da legislação, a disciplina foi colocada nas franjas dos horários. “O problema foi quando eu deixei de poder ir às escolas! Perde-se tudo! Eu tinha as crianças, os adolescentes, os jovens e as famílias todas na mão! Era uma grande responsabilidade ter as crianças à minha conta quase fora do horário de aulas”, conta, lamentando ter deixado de leccionar quando tinha 78 anos.

O padre Freitas é considerado uma ‘lenda viva’ de Bucelas. Ainda recentemente, a 26 de Julho último, foi condecorado com a Medalha de Honra do Concelho de Loures. Além da actividade pastoral, há uma obra que ficará para sempre ligada a este sacerdote: a recuperação da igreja. “Reconstruí a igreja, datada do século XVI, sem pedir um tostão a ninguém do Patriarcado! Gastaram-se 400 mil contos e só pedi ajuda a amigos meus de fora da paróquia, os chamados mecenas!”.

 

‘Mostra que és padre’

A prática cristã em Bucelas não é das mais elevadas. Pelo contrário. “A prostituição existe, a infidelidade existe, a droga existe. São ambientes que temos de estudar por nós mesmos, falando a toda a gente! Toda a gente! Costumam dizer acerca de mim: ‘Este homem fala a toda a gente’. E é verdade! Mas não pergunto se vão ou não à igreja, nem tenho preocupação com isso… toco o sino, estou presente na igreja e celebro, sempre pontualmente, esteja uma ou estejam cem pessoas! Foi assim que agi nestes 50 anos e não estou arrependido”, garante o padre Freitas, apontando que “os sacramentos e os mandamentos” foram sempre a sua pregação em Bucelas e São Tiago dos Velhos.

A partir do final de Setembro, com a entrada do padre Tiago Neto em Bucelas e do padre Rui Cantarilho em São Tiago dos Velhos, a vida do padre Eduardo de Freitas irá mudar ‘radicalmente’. “Vou-me dividir entre Bucelas e Cós. Tenho dito às pessoas: ‘Deixo de ser prior, mas continuo a ser cristão, venho à Missa’. Não tenho programa nenhum! Quero apenas dedicar mais tempo à oração, à escrita e à leitura”.

É de sorriso nos lábios e com os olhos a brilhar que o padre Freitas assegura. “Espero ter cumprido bem a minha missão. O que mais me marcou? O desejo de satisfazer o pedido do Cardeal Cerejeira. ‘Mostra que és padre em dois anos’. Foi isso que tive sempre presente ao longo destes 50 anos”.

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