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Brotéria #9
Vita Prima. Santo António em Portugal
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O Museu da Cidade e a EGEAC em boa hora se juntaram para nos proporcionar esta mostra, que se centra no período em que S. António, nome próprio por que ficou conhecido, nasceu e viveu em Lisboa. Também assim se faz jus a todos quantos estranham a designação de S. António “de Pádua”. Afinal, o Santo viveu cerca de 19 anos em Portugal, o que aponta para cerca de metade da sua vida, e aqui recebeu a formação que possibilitou tornar-se um orador ímpar, que maravilhou a cristandade da época.

A exposição está organizada em quatro núcleos: “O lugar do santo na Lisboa medieval”, “Mudar para crescer: de Lisboa para Coimbra”, “António – novo nome para nova missão” e “O santo de Portugal e de todo o mundo”. Comecemos pelo primeiro.

Aí, somos transportados à época e sítio onde nasceu o Santo, com um valioso contributo de vídeos, em que se procura reconstruir o que se pensa serem os edifícios que mais interessam a este núcleo da exposição. Logo à entrada do espaço, deparamos com um retrato de S. António, muito jovem, onde se lê, pintado, «VERDADEIRO RETRATO DE S. ANTÓNIO DE LISBOA». O autor, desconhecido, terá por certo dado largas à sua forte imaginação, porque a pintura é do séc. XVIII. Em data que se considera a mais verosímil, o nosso Santo teria nascido em 1191, junto à Sé de Lisboa, esta ainda inacabada. O nome dado ao recém-nascido foi Fernando, provavelmente por ser Fernando um seu tio, cónego da Sé. Os apelidos eram Martins (filho de Martim ou Martinho), e Bulhões, talvez de algum francês de nome Bouillon, que, vindo com os cruzados para ajudar D. Afonso Henriques, na conquista de Lisboa, por cá tivesse ficado. A casa dos Bulhões, entre a Sé e o Arco do Ferro, então uma das portas de Lisboa, serviu pelo menos desde 1339 para funções correspondentes às que hoje são da Câmara Municipal. Mas o quarto do Santo foi transformado em capela. Neste mesmo sítio se viria a elevar a Igreja de S. António, sempre enriquecida sobretudo por D. João V, a qual depois do terramoto foi reconstruída, porque só se tinha salvado o altar-mor. Pena que durante a Primeira República, tivesse servido de oficina de encadernação e armazém de papel.

Passamos depois para o percurso dos estudos, do então ainda Fernando. Quando tinha cerca de 8 anos ingressou na Sé para uma instrução primária da época. Acresce que, como menino de coro, também cantava, como se documenta na exposição. Está aí uma pedra com um sulco em forma de cruz, tido por extraordinário, porque o Santo teria apenas desenhado a cruz com o dedo…

Por volta dos 15 anos, Fernando tornou-se monge em S. Vicente de Fora, na Ordem dos Cónegos Regrantes de S. Agostinho. Num filme, a exposição reconstitui os passos da construção do primitivo mosteiro. Altamente dotado, Fernando mudou-se para Coimbra e, algum tempo depois, para Santa Cruz, que era à data o mais importante centro cultural do reino. Aí, aprofunda os seus conhecimentos, mas cedo se apercebe que a sua vocação o faria transitar para a ordem mendicante dos Franciscanos, isto por 1220. Entretanto mudou de nome para António, porque a ordem menor ocupava em Coimbra o eremitério de S. Antão (ou António) dos Olivais e o nosso Santo venerava S. Antão Abade, ou Eremita (o das Tentações de Bosch). Fortemente impressionado com a morte de cinco franciscanos em Marrocos, parte para lá mas, doente, acabou por ir parar a Itália e assim deixou Portugal. Morreu a dois quilómetros de Pádua, em 1231, e foi canonizado no ano seguinte.

A Exposição está repleta de retratos do Santo com a iconografia que o acompanha, por vezes a fazer os milagres que a tradição lhe atribui. Realço a escultura S. António no púlpito e, a propósito da religiosidade da época, as imagens de Máxima, Veríssimo e Júlia, mártires romanos cristãos, condenados à morte e atirados ao Tejo. Vieram dar à praia no sítio onde depois se levantou a Igreja de Santos-o-Velho.

A última parte da mostra é dedicada ao culto popular de S. António, obviamente de Lisboa, o qual é sem rival. Falamos de um santo casamenteiro, festivaleiro noturno, advogado das coisas perdidas, militar protetor dos militares. E, no entanto, António era um pregador, um erudito, um intelectual. Como, então, é que o seu culto foi, durante séculos, maioritariamente observado por devotos analfabetos? A resposta talvez possa ser encontrada, a dado passo, num dos seus sermões: «A alma da fé é a caridade que a vivifica. Depois de perdida, a fé morre».

 

MUSEU DE LISBOA – PAVILHÃO PRETO

PALÁCIO PIMENTA

CAMPO GRANDE 245, 1700-091 LISBOA

 

24.06.2023 – 31.12.2023

TERÇA A DOMINGO 10H às 18H

 

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Publicado em Brotéria 197-6 (2023): 601-602

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