Lisboa |
Cónego Manuel Alves Lourenço (1929-2023)
“Imagem viva de Cristo Pastor”
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O Cardeal-Patriarca de Lisboa lembrou o cónego Manuel Alves Lourenço, falecido na noite de 26 de abril, aos 93 anos, como alguém que “tanto amou a Igreja de Lisboa, até ao fim”. Chanceler da Cúria Patriarcal durante 43 anos, o sacerdote é ainda recordado como um grande conhecedor de toda a história da Sé de Lisboa.

 

“É momento para dar graças a Deus, porque no cónego Manuel Alves Lourenço ele nos deu uma imagem viva, sacramental, ativa do que é Cristo Pastor no meio de nós. Graças a Deus e que ele continue a olhar por nós, porque agora, em Cristo Pastor, ainda pode multiplicar a sua ação por esta Igreja de Lisboa, que foi a sua e que ele tanto amou, até ao fim. E em Cristo, não tem fim”. Foi desta forma que o Cardeal-Patriarca terminou a homilia da Missa exequial do cónego Manuel Alves Lourenço.

Na Sé Patriarcal de Lisboa, no Domingo do Bom Pastor, dia 30 de abril, D. Manuel Clemente lembrou “o nosso estimado cónego Manuel Lourenço”. “Era efetivamente assim: uma imagem viva de Cristo Bom Pastor, como sacramentalmente se a reproduziu na figura de cada um dos ministros ordenados para serem isso mesmo. E o cónego Manuel Lourenço foi assim e nós temos que dar muitas graças a Deus, e especialmente aqui, nesta casa que era tão particularmente sua, que ele cuidava com tanto enlevo, e cujo património ele tanto defendeu”, sublinhou o Cardeal-Patriarca, não esquecendo também como o sacerdote “esteve tão ligado” ao chamado ‘Tesouro da Sé’. “Das últimas coisas que ele escreveu foi precisamente uma série de notas sobre esta Sé Catedral, com a qual ele se identificou tanto, também como memória viva que ela é, monumental, da presença de Cristo no meio de nós, há tantos séculos”, reforçou.

Na sua homilia, perante familiares e amigos do sacerdote, D. Manuel Clemente partilhou ainda o seu último encontro com o cónego Manuel Alves Lourenço. “Era muito agradável, como todos nós sabemos, a conversa com o nosso cónego Lourenço. Ainda a última vez que o vi, no hospital, pouco antes de ele falecer – já tinha até recebido os sacramentos –, a conversa foi serena, amável… uma conversa que, com o padre Manuel Lourenço, da parte dele, nunca acabava, porque estava sempre disponível para a manter fosse com quem fosse, sempre com simpatia, sempre com certeza naquilo que dizia, porque não falava por falar, falava de muitas coisas, tanto que, às vezes, tinha dificuldade em dizer tudo quanto tinha para contar”, recordou. “E sempre com o coração cheio”, salientou o Cardeal-Patriarca.

 

Missa Exequial do Cónego Manuel Alves Lourenço


Ensinamentos do cónego Lourenço

Em 2008, por ocasião da Solenidade de Todos os Santos e da Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, a 1 e 2 de novembro, o cónego Manuel Alves Lourenço explicava, em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, o significado e o sentido desta “festa de família”. “Costumo dizer muitas vezes que a Igreja, no Dia de Todos os Santos e nos Fiéis Defuntos, está a celebrar uma festa de família, em dois tempos e em dois campos. A Igreja é chamada a viver estes dias com grande sentido de caridade, de família”, manifestava o cónego Lourenço, na reportagem publicada na edição de 26 de outubro de 2008 (VV_3868). Muitos são os que pensam tratar-se de duas festas distintas, mas, segundo o então Chanceler da Cúria Patriarcal de Lisboa, essa é “uma ideia errada”, uma vez que “a Igreja celebra, no fundo, uma mesma festa em dois tempos”. “Uma família dos filhos de Deus vive neste mundo e está em ligação com os que já partiram, quer estejam perfeitamente felizes, quer ainda não estejam”, sublinhava.

 

“A Igreja não tem mortos, tem defuntos”

O cónego Manuel Alves Lourenço lembrava então, nessa entrevista de há 15 anos, que em todas as Missas, nas anáforas, a Igreja reza pelos fiéis defuntos. Por aqueles que conhece e pelos outros que só Deus conhece. “Da parte da Igreja, é possível verificar a junção da Solenidade de Todos os Santos e da Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos que é feita sempre em todas as anáforas. Assim, com estas duas celebrações, nós passamos para uma festa ampla aquilo que em todas as anáforas eucarísticas nós fazemos, em que para uns é a glória de Deus e os outros que, na sua misericórdia, o Senhor tem”, respondia o cónego Lourenço.

O então Chanceler chamava, ainda, a atenção para um outro aspeto que considerava fundamental: os mortos. Para este sacerdote, há uma ideia errada sobre que termo usar. “A Igreja, que fala muito da morte, não tem mortos, tem defuntos. O defunctus, em latim, é o que deixou de exercer a sua função, mas que continuou a vida. É por isso que se deve falar sempre em defuntos e não em mortos ou finados”, sublinhava. Sobre a tradição de enfeitar as campas no Dia de Fiéis Defuntos, o cónego Manuel Alves Lourenço socorre-se de uma história da sua vida para dar a sua visão: “A minha mãe dizia-me muitas vezes: ‘Não me encham a campa de flores… rezem antes pela minha alma’”.

 

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“A Igreja hoje é chamada a dar conta do que é a Igreja!”

Em 2011, após 43 anos como Chanceler da Cúria Patriarcal de Lisboa, o cónego Manuel Alves Lourenço, então com 82 anos, concedeu uma longa entrevista de vida ao Jornal VOZ DA VERDADE. “Por graça de Deus, nasci numa família profundamente cristã. Jesus Cristo era uma Pessoa lá de casa. Era uma Pessoa com quem eu sempre rezei, que eu sempre ouvi falar. Os meus pais eram muito novos. A minha mãe tinha apenas mais 18 anos do que eu e ficou viúva quando ainda não tinha 24 anos. Mas nunca a ouvi lastimar-se de o meu irmão e eu não termos pai. Fomos viver para casa dos meus avós maternos, onde aliás eu já passava muito tempo por ser o neto mais velho e, digamos, de estimação. Tive a graça de os meus avós sempre falarem muito connosco, o que não era muito comum na altura. Ao mesmo tempo, fui educado a ter muito respeito pelo meu irmão, que era 17 meses mais novo. Acho muito curioso também que, em minha casa, nunca ouvi gritar. Falava-se baixo e tinha-se como princípio que, para ouvir, chegava dizer uma vez! Éramos sobretudo uma família que conversava muito… exceto quando tínhamos visitas”, partilhava, então, o sacerdote, na entrevista publicada na edição de 25 de dezembro de 2011 (VV_4012).

Sobre a sua vocação, respondeu: “Quando tinha 8, 9 anos, o pároco dizia à minha mãe que gostava que eu fosse para o seminário. Nunca fui pressionado para isso, mas a verdade é que nunca pensei senão em ser padre! Nunca me lembrei de querer ser bombeiro ou outra coisa assim… e entrei no seminário tinha eu feito 10 anos há quatro dias! Ser padre era a imagem do meu prior ou de alguns santos que eu ia lendo”. A ordenação foi no dia 13 de julho de 1952, na Capela do Paço Patriarcal. “O meu curso foi todo ordenado em 1951, exceto eu, porque era muito novo! Éramos um curso muito bom e isso vê-se porque três de nós fomos para Roma prosseguir estudos e dois chegaram a bispo! Na ordenação estava apenas o Senhor Patriarca, dois cónegos e o cerimoniário. Fui ordenado com outro padre e um diácono, e a assembleia era a minha mãe e o meu irmão e os pais desse outro jovem. Mais ninguém! Porque nessa altura, a grande festa era a Missa Nova, não a ordenação”, contou.

Em 1968, o cónego Lourenço foi nomeado, pelo Cardeal Cerejeira, Chanceler da Cúria Patriarcal. “O Chanceler é alguém que garante e procura ajudar a que aquilo que é dito tenha garantia. A Chancelaria não é um órgão de governo, é um órgão administrativo. Um órgão de governo é a Vigararia Geral. O Chanceler é alguém que ajuda a garantir que o governo da Diocese seja adaptado àquilo que se faz. Ao longo destes 43 anos, procurei mudar o problema do relacionamento da Chancelaria com a Diocese, que era absolutamente formal e burocrático. Procurei sempre que as pessoas fossem bem acolhidas”, referiu, ao explicar esta missão na Igreja.

À pergunta ‘Como é que a Igreja deve formar os sacerdotes do século XXI?’, ficou o apelo ao testemunho. “Antes de tudo, temos de formar padres que sejam bons cristãos! O cânone 208 do Código de Direito Canónico é fundamental e diz que todos nós temos a mesma dignidade e a exigência de trabalho. Não temos é a mesma função. Nós criámos uma ideia triste na nossa sociedade que a dignidade da pessoa está ligada à função que exerce. Não, a dignidade da pessoa é por ser pessoa! Hoje estamos a atravessar um momento extraordinário na história da Igreja. Por uma razão muito simples: porque a Igreja hoje é chamada a dar conta do que é a Igreja!”, considerou o cónego Manuel Alves Lourenço.

 

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O agradecimento da família

“Querido tio padre, obrigada por nos ajudares a crescer. Foste um pai para nós e sempre serás. Como dizias sempre: ‘Tenho uma viagem marcada. Não sei quanto partirei. O que tenho, não levo nada somente aquilo que dei’.”

Homenagem dos sobrinhos, no final da Missa exequial

 

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Cónego Manuel Alves Lourenço

Chanceler da Cúria Patriarcal de Lisboa durante 43 anos, o cónego Manuel Alves Lourenço faleceu na noite de dia 26 de abril, aos 93 anos. Nascido em Lisboa, a 11 de outubro de 1929, cresceu na paróquia de Santo Estêvão, em Alfama, entrou no seminário aos 10 anos e foi ordenado sacerdote a 13 de julho de 1952, na Capela do Paço Patriarcal. Doutor em Direito Canónico (Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, em junho de 1955), foi professor de Direito Canónico e de Missiologia no Seminário dos Olivais, em Lisboa, entre 1955 e 1958, juiz do Tribunal eclesiástico de Lisboa, a partir de março de 1964, e membro do Tribunal desde novembro de 1955. Em outubro de 1968, o cónego Lourenço foi nomeado Chanceler da Cúria Patriarcal de Lisboa, missão que desempenhou ao longo de 43 anos, até 12 de outubro de 2011.

Foi ainda assistente religioso prisional (1969, 2000), diretor espiritual do Seminário dos Olivais (1982-1984), pároco da Sé de Lisboa (Out. 1983-1990), observador da Santa Sé na VII Conferência dos Tribunais Constitucionais da Europa (Abr. 1987), capelão magistral da Soberana Ordem de Malta (Jun. 1995), diretor da Casa Sacerdotal do Patriarcado de Lisboa (Out. 2002) e consultor eclesiástico (Nov. 2003).

Nomeado cónego em novembro de 1983, o cónego Lourenço foi Deão do Cabido da Sé Metropolitana Patriarcal de Lisboa entre dezembro de 2003 e novembro de 2017 e era um grande conhecedor de toda a história da Igreja de Santa Maria Maior (Sé de Lisboa).

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