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Sinodalidade
A práxis da sinodalidade na Igreja tardo-antiga e medieval
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A antiguidade tardia e a alta idade média foram testemunhas de profundas transformações tendo em conta que, de entre outras consequências, implicaram a falência da estrutura política e militar romana, o vazio de poder, os fluxos migratórios dos povos germânicos e o colapso da estrutura económica de então. No entanto, a abundante e contínua experiência conciliar que caracterizou o cristianismo nascente permitiu que se imprimisse na vida da Igreja um forte dinamismo colegial que, mesmo sob as convulsões consequentes da decadência e colapso do Império Romano, permaneceu como elemento basilar da práxis eclesial. Embora o surgimento de novas entidades territoriais – que assumem o governo das diferentes regiões do decadente ou já extinto Império Romano do Ocidente – comporte inumeráveis desafios às Igrejas locais e à comunicabilidade entre as Igrejas, a verdade é que a experiência conciliar permanece fortemente como elemento colegial de governo pastoral das igrejas locais e da própria vivência da catolicidade da Igreja.

Os grandes concílios que compreendem o período posterior à queda do Império Romano do Ocidente até à ruptura de comunhão entre o Oriente e o Ocidente (1054) mantêm, sem diferenças essenciais, a tradição conciliar precedente, assegurando três elementos que os caracterizam: a determinação primordial na formulação de «profissões de fé» – normalmente em resposta a correntes heréticas –  e algumas normas disciplinares; a participação também possível de leigos e de teólogos (embora caiba essencialmente aos bispos); e a crescente importância dos representantes dos ambientes monásticos (Cf. Giuseppe Alberigo [ed.], Historia de los concílios ecuménicos, 11-12).

 

1. Os Concílios Ecuménicos

Apesar da designação “Concílio Ecuménico” ter estado sujeita a mutações ao longo dos séculos, para uma primeira abordagem será aceitável e útil ter em conta os seguintes quatro critérios formulados por Hermann Josef Sieben para determinar a ecumenicidade: convocação Imperial; carácter universal; universalização das suas decisões; colaboração/aceitação do papado (Cf. Onorato Bucci – Pierantonio Piatti [edd.], Storia de concili Ecumenici, 20-21). Neste sentido, como Concílios Ecuménicos integrados no período histórico atrás referido (da queda do Império Romano até ao Cisma do Oriente) podemos considerar os concílios Constantinopla II (ano 553), Constantinopla III (680-681), Niceia II (786-787) e Constantinopla IV (869-870).

Tendo em conta o que foi dito, um dos elementos que caracteriza os grandes concílios é precisamente a formulação de «profissões de fé» em resposta às diferentes heresias que surgem ao longo dos tempos. Algumas vezes, clarificando e consolidando os concílios precedentes diante das novas abordagens de antigas heresias, como acontece com o concílio de Constantinopla II, o qual volta a condenar o monofisismo e o nestorianismo, reforçando as determinações dos concílios de Éfeso e Calcedónia, ou como acontece no concílio de Constantinopla III, o qual condena o monotelismo e o monoenergismo, evidenciando Calcedónia. De outras vezes, porque novas questões se levantam no âmbito da teologia e na vida eclesial, surge a necessidade de esclarecer e encontrar respostas a partir da colegialidade conciliar, tal como foram os casos de Niceia II que tem a missão de afrontar e condenar a heresia iconoclasta (sobre a veneração dos ícones/imagens) ou de Constantinopla IV com a missão de depor Fócio.

Se, por um lado, os referidos concílios revelam uma plena continuidade com a ininterrupta tradição conciliar precedente, por outro lado são notórios os elementos que vão distinguindo, de modo progressivo, a instituição conciliar. Motivos como a crescente decadência da influência do Imperador bizantino, a hegemonia franca (sobretudo a dinastia Carolíngia), a dissolução da comunhão entre a pentarquia (o cisma do Patriarcado de Alexandria e a invasão islâmica dos patriarcados de Antioquia e de Jerusalém), e a rejeição do Concílio Quinissexto (692) por parte de um papado cada vez mais orientado para norte e oeste são causas mais que evidentes para um distanciamento cada vez maior entre as Igrejas que se consolidará no Cisma do Oriente e numa transformação que culminará no novo dinamismo conciliar que caracterizará os concílios do Ocidente na baixa idade média.

 

2. Os Concílios regionais e locais

Ainda que os Concílios Ecuménicos manifestem, por excelência, a plenitude da colegialidade e da universalidade da Igreja, não deixa de ser imperativa a referência aos concílios locais e regionais disseminados por todo o orbe cristão. Remontando também eles à práxis do cristianismo dos primeiros séculos, estes concílios dão continuidade, ao longo da alta idade média, a esta forma colegial de governo onde, por um lado, se abordam os grandes temas teológicos e, por outro lado, se procuram dar respostas disciplinares e pastorais aos desafios locais e regionais.

Partindo do que atrás foi referido, a decadência e extinção do Império Romano do Ocidente deu origem a diversas unidades territoriais e, consequentemente, a novos desafios para as Igrejas. Na maior parte dos casos, os vínculos entre os novos reinos e as estruturas eclesiais locais eram estreitos e coexistentes, traduzindo-se inclusivé no aproveitamento dos concílios por parte das autoridades políticas e, na maior parte dos casos, sujeitando os concílios locais à sua própria autoridade. Por este motivo, compreende-se a forte identificação dos concílios locais da alta idade média com a entidade política a que estão sujeitos: como é o caso dos concílios de Braga sob a autoridade do Reino Suevo, dos inumeráveis concílios francos de Orleães, Paris e Lyon (entre outros) sob a autoridade das dinastias Merovíngia e Carolíngia, dos influentes concílios anglo-saxões – nomeadamente de Clofesho e Chelsea – que transformaram os diferentes reinos da Grã-Bretanha ou dos destacados concílios Visigóticos, com especial destaque para os concílios de Toledo.

Importa também referir que a realidade dos concílios locais não se esgotava em territórios onde os monarcas se identificavam com a Igreja, como são exemplo os dinâmicos concílios na Hispânia visigótica anteriores à conversão ao catolicismo da monarquia visigótica ariana (Cf. Jose Orlandis – Domingos Ramos-Lisson, Historia de los concilios de la españa romana y visigoda, 101), ou o surpreendente concílio de Córdova (ano 852) realizado já em pleno domínio muçulmano, presidido pelo bispo Recafredo, e convocado pelo emir de Córdova, Abderramão II (Cf. Rafael Jiménez Pedrajas, Historia de los Mozárabes en Al Ándalus, 287-288).

À distância de tantos séculos, importa que a leitura contemporânea desta realidade tenha em conta a mentalidade da época, reconhecendo como estes concílios reuniram em si a preocupação pelas questões do foro doutrinal sem esquecer a realidade concreta das suas populações. Na verdade, através destas assembleias magnas, a complementaridade do exercício pastoral de salvaguardar – natural e sobrenaturalmente as suas populações – era assegurado pela colegialidade eclesial experimentada em cada concílio.

texto por Ricardo Emanuel Mamede Cardoso
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