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Padre Fernando Sampaio
Unção dos Enfermos: encontro com Cristo, o Senhor da Vida

A Unção dos Doentes é um encontro privilegiado do doente com Cristo, o Médico divino e sacramento primordial de encontro com o Pai. Celebrado liturgicamente pela e na comunidade, em nome do Senhor (cf. Tg 5, 14), o sacramento actualiza no aqui e agora da vida do doente o mistério pascal de Cristo1, mistério do amor salvador, misericordioso e compassivo de Deus. Jesus torna-se sacramentalmente presente à vida do doente, oferecendo-lhe a sua vida e vida em abundância (cf. Jo 10, 10) que vence a debilidade, sendo seu intercessor (cf. Hb 7, 22-25; 8, 1;9, 15; Rom 8, 34) e oferecendo-lhe o amor do Pai. O doente é, desta forma, fortalecido na fé e na esperança pela graça do Espírito Santo para que viva o tempo da enfermidade unido ao Crucificado, o Senhor da Vida. É de Cristo, portanto, que a unção recebe a sua força significante e a sua eficácia sacramental, eficácia sanante, constituindo uma ajuda preciosa para o tempo da doença, como afirma o ritual: «o homem gravemente doente, com efeito, necessita de uma peculiar graça de Deus para que não perca o ânimo na aflição, nem, pela força das tentações, venha a fraquejar na fé. É por isso que Cristo concede aos seus fiéis o sacramento da unção, como defesa poderosíssima»2.


A doença, como consequência, não é sentida e vivida como um castigo, mas como uma limitação ou fragilidade própria à condição humana contra a qual o doente é convidado a lutar, fazendo-o em união ao Senhor e, por isso, por Ele fortalecido. A saúde aparece então como um bem a alcançar3 para que o doente possa retomar a sua vida, as suas ocupações4. Neste sentido os evangelhos revelam que Jesus amou a vida e que veio a este mundo para no-la dar em abundância. Nunca procurou o sofrimento e sempre o evitou. Soube aceitá-lo quando se tornou inevitável pela imposição da cruz, transformando-o numa ocasião para revelar o seu amor e confiança no Pai e a solidariedade com os homens pelo dom da vida. Jesus tornou-se, assim, referência e modelo de identificação para os momentos de sofrimento do crente, desafiando-o a vivê-los em relação íntima e profunda com o Pai.


Face ao sofrimento alheio, movido pela compaixão, Jesus tornou-se próximo do homem sofredor. Como dão conta os evangelhos, nunca evitou o encontro pessoal com os doentes: acolheu-os, escutou-os, tocou-lhes, interpretou os seus desejos, infundiu-lhes fé, deu-lhes alento e esperança. Ajudou-os a descobrir que não estão sós e abandonados por Deus. Curandoos, revelou-lhes que a acção transformadora e libertadora do Reino se realizou de modo particular neles. Levou-os, deste modo, a acreditar de novo na vida, na saúde, no perdão e na reconciliação com Deus, mas também na reconciliação com os outros através da reintegração religiosa, social e familiar.


Jesus, pela graça do Espírito Santo e através do gesto sacramental e da oração da Igreja, torna-se presente também hoje ao doente. Como companheiro de viagem partilha a sua existência, ilumina-a e enche-a de sentido, convidando o doente a viver de forma sã, passe o paradoxo, o tempo do sofrimento. A pastoral da saúde deve, por isso, empenhar-se em promover uma espiritualidade saudável, ajudando os doentes a abandonar formas patológicas de compreender e viver a fé. Na verdade, Jesus está presente no desejo que o doente tem de cura; está presente à sua luta pela saúde. Jesus é consolo na angústia, âncora na insegurança, paciência e fortaleza na dor. Jesus é ainda confiança e esperança no declínio e na morte, abrindo ao doente as portas da misericórdia, do amor e da Vida plena no seio do Pai.


O sacramento da unção proclama e celebra este encontro sanador do doente com o Crucificado. A sanação-cura que o sacramento realiza não é uma simples restituição do equilíbrio biológico anterior à enfermidade, nem um regresso à existência anterior, mas é vida nova aberta à plenitude e plasmada em Deus. Um doente que passa por uma profunda experiência de sofrimento, e se ao longo dessa experiência se encontrou com Cristo, não é mais o mesmo. Nova vida nasceu nele. Isto é, uma visão nova e mais profunda de si mesmo, do mundo, das relações com os outros e das relações com Deus desabrochou em sua vida. Passou a ser uma vida renascida no Mistério divino que vive a tensão entre a finitude e o insondável. E é-o de tal forma que há pessoas que chegam a afirmar: “feliz doença” ou “bendito sofrimento”, sentindo-o como uma oportunidade oferecida por Deus que possibilitou uma redescoberta da vida e uma redescoberta da fé, bem como uma redescoberta de valores até aí desvalorizados. Neste sentido a doença perde o seu carácter duro, desesperante e lancinante e, apesar do sofrimento, converte-se numa caminhada de aprofundamento da vida e de enriquecimento interior, de aproximação aos outros e reconciliação, de uma nova e profunda intimidade com Deus, passando por uma purificação da Sua imagem.


Jesus é também um modelo para o doente no enfrentamento do sofrimento. É um modelo não tanto pelo aspecto cruento e doloroso do sofrimento da cruz, mas sobretudo por ter enfrentado e vivido a dor, o sofrimento e a morte numa indestrutível e insondável confiança no Pai, fazendo, ao mesmo tempo, da vida dom de salvação por todos os homens. Neste sentido, viver o sofrimento em união com a paixão de Cristo5 não significa outra coisa senão viver o tempo da doença e do sofrimento numa confiança absoluta no Pai, deixando-se inundar pela Vida do Crucificado, isto é, transformando-o num tempo de graça. A unção dos doentes tem, portanto, como finalidade ajudar o doente a viver cristãmente a doença, a celebrar a presença salvífica de Deus na enfermidade.


 

1 Cf. C. ROCCHETTA – Los sacramentos de la fé, I, pp. 234-235.

2 Ritual Romano da Unção e Pastoral dos doentes, nº 5.

3 «Concedei vida e saúde àquele a quem, em vosso nome, impomos as mãos». Ritual, p. 35.

4 Na oração que se segue ao rito da unção, nº 77, pede-se a Cristo que, pela graça do Espírito Santo, restabeleça a saúde interior e exterior do doente para que «retome as suas anteriores ocupações».

5 Cf. Constituição “Lumen Gentium”, nº 11. Cf. também Rom 8, 17; Col 1, 24; 1Pe 4, 13.

 

Padre Fernando Sampaio (Diretor da Pastoral da Saúde do Patriarcado de Lisboa)