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Edward Schillebeeckx (1914-2009)
Morreu em Nimega, na Holanda, na vigília de Natal, o teólogo belga Edward Schillebeeckx. Nascido em Anvers em 1914 tornou-se pregador dominicano em 1934.

Estudou Filosofia e Teologia em Lovaina, no “Studium Generale” dominicano de Saulchoir e na Sorbonne (Paris), onde foi aluno do Padre Dominique Chenu. Em 1951, doutorou-se em teologia, com a tese «A Economia Sacramental da Salvação», publicada em 1952. Ensinou Teologia no convento dos dominicanos em Lovaina e na Universidade de Nimega (Holanda, de 1957 a 1983). Foi conselheiro teológico do episcopado holandês, participou no Concílio Vaticano II, de forma muito activa, podendo dizer-se que foi um dos elementos mais duravelmente influente. Foi membro fundador da revista internacional “Concilium” criada em 1964. Graças à amizade com António Alçada Baptista e Helena Vaz da Silva, acompanhou pessoalmente o lançamento da revista em Portugal, exercendo assinalável influência entre nós, designadamente através de Frei Mateus Cardoso Peres, O.P. e Frei Bento Domingues, O.P.. Entre os oito colóquios promovidos pela revista portuguesa, teve lugar em Abril de 1966 a conferência de Schillebeeckx intitulada “A Dolorosa Experiência do Deus Oculto”.  

O estudo e a actividade de Edward Schillebeeckx inseriram-se na “nova teologia” iniciada em Le Saulchoir, que contribuiu decisivamente para o “aggiornamento” conciliar da Igreja Católica. Neste sentido renovador, afirmou: "O mundo e a história dos homens, em que Deus quer realizar a salvação, são a base de toda realidade salvífica: é aí que primordialmente se realiza a salvação... ou se recusa e se realiza a não-salvação. Neste sentido, vale 'extra mundum nulla salus', fora do mundo dos homens não há salvação”. Ciente da importância de um Ecumenismo aprofundado e sério, afirmou corajosamente: “há mais verdade (religiosa) em todas as religiões no seu conjunto do que numa única religião, o que também vale para o cristianismo". Para Schillebeeckx tornava-se essencial “repensar a fé tradicional em função da situação presente no mundo”. Dotado de uma inteligência e de uma sabedoria fascinantes, o teólogo foi assessor do episcopado holandês no Concílio Vaticano II e consultor do episcopado holandês nos anos que seguiram ao Concílio, altura em que a Igreja da Holanda submeteu-se a um profundo repensamento. Foi assim um dos principais inspiradores do “Novo Catecismo holandês” (1966) e a sua numerosa obra escrita pode ser encontrada na revista “Concilium” e em revistas especializadas. Como nos casos de Hans Küng, Karl Rahner, De Lubac, Häring e outros, a sua influência transcendeu, porém, largamente os círculos especializados. Citamos algumas de suas obras: “Cristo, Sacramento do Encontro com Deus” (1958); “Deus, Futuro do Homem” (1965); “Mundo e Igreja” (1966); “Compreensão da Fé: interpretação e crítica” (1972); “Jesus. Uma Tentativa de Cristologia” (1974). “Sou um teólogo feliz” (1994) e “Os Homens, relato de Deus” (1995). Dois tomos sobre “A Igreja de Cristo e o homem de hoje segundo o Vaticano II” reúnem sua contribuição para as revistas especializadas.

Segundo Schillebeeckx, a historicidade leva a reinterpretar os dogmas, considerando as condições concretas da existência das pessoas. Por isso, a ortodoxia só é plenamente possível a partir do que designa por “ortopráxis”: na prática efectiva da Igreja é que se realiza a compreensão da mensagem da fé. A unidade de uma mesma fé e de uma mesma confissão só é reconhecível, deste modo, na “pluralidade de opiniões teológicas”. Num mundo secularizado, “Deus manifesta-se normalmente sob a forma de ausência”. E isso mesmo tem de ser compreendido pelos cristãos no seu testemunho. Ao abordar os problemas do ponto de vista histórico, devemos aplicá-los à figura de Jesus. "O Reino de Deus está essencialmente ligado à pessoa de Jesus de Nazaré. O Novo Testamento mantém este facto numa de suas mais antigas lembranças, dizendo que, com Jesus, o Reino de Deus, Deus mesmo, vem para bem perto de nós. O Reino de Deus deve consequentemente ser compreendido e qualificado a partir da vida de Jesus”.

Nesta linha, António Alçada Baptista gostava de citar Dostoievsky, quando dizia: “Amar um ser é vê-lo como Deus quis que ele fosse”. E, na linha da “Peregrinação Interior”, que é um dos grandes livros do século XX português, dizia: “Nós somos seres inacabados e talvez esteja no plano de Deus que a gente se complete através da nossa liberdade. (Em certo sentido, a liberdade é uma dádiva e um dever). E como Deus é para nós uma imagem feita pelo homem. Deus é um Deus inacabado. Ele, como o homem, vai sendo feito ao longo da história. Em rigor, talvez haja uma aliança subtil entre Deus e os homens para acabarmos o mundo como deve ser” (in “A Cor dos Dias”, 2003). De facto, assim, poderemos compreender que fazemos parte do plano da criação e que a liberdade é um bem precioso que nos chama, permanentemente, à responsabilidade e à autoria. A palavra latina “libertas” liga-se à libra, a balança livre e equilibrada, articulando autonomia, igualdade e respeito mútuo, uma vez que os dois pratos da balança têm de representar a relação de equilíbrio entre nós e os outros. Essa a grande lição do cristianismo, a de pôr a dignidade humana, a partir de Jesus Cristo, no centro da vida.