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O Ano Sacerdotal: vocações, vida, espiritualidade e comunhão dos padres
O Ano Sacerdotal, que começou no dia 19 de Junho, solenidade do Sagrado Coração de Jesus, já está a fazer a Igreja mexer. Que os padres são necessários para a Igreja é um facto. São precisos, não tanto na lógica de serem necessárias chefias na Igreja, mas porque, por vontade de Deus, para oferecer à comunidade os dons de Deus, a Sua Palavra e os sacramentos, o sacerdócio é imprescindível.

A Eucaristia, esse dom que é também o maior milagre que quotidianamente, através dos sacerdotes, por indignos que sejam, acontece na nossa terra; a confissão que, embora parte do nosso arrependimento, é através do padre que Jesus Cristo toca com a sua misericórdia e nos perdoa para nos reconciliar com Deus e reforçar a comunhão entre todos nós.

 

Um pouco por toda a Europa fala-se dos padres, da falta deles, da vida atribulada, das muitas solicitações, das muitas expectativas que se colocam sobre eles - por vezes esquecendo que são também pessoas frágeis -, daquilo que lhes é específico dentro do Povo de Deus e que os distingue dos outros cristãos, enfim, dos dons que por meio deles Deus oferece continuamente.

A Conferência Episcopal Italiana, por exemplo, já anunciou que em Novembro terá uma Assembleia Plenária extraordinária para tratar do tema. Entre nós há várias iniciativas em curso e outras a serem preparadas. Também na próxima reunião dos Secretários Gerais das Conferências Episcopais da Europa, que decorrerá na Ucrânia, de 9 a 13 de Julho, este será um tema abordado, concretamente em quatro aspectos.

 

Em primeiro lugar a questão das vocações sacerdotais. Durante muito tempo pensou-se que o tema das vocações só dizia respeito a padres e freiras. Com o Concílio Vaticano II ficou claro que a vocação é algo de todos os cristãos. Também os que se casam ou mesmo os que ficam solteiros sem uma especial consagração, se vivem a sua vida diante de Deus, têm consciência de estar a responder a um apelo de Deus. Infelizmente, a insistência no facto de todos terem vocação e muitas vezes na redução do sacerdócio a um simples serviço de administrador de comunidades e de pregador acabou por deixar cair no esquecimento a especificidade do apelo que Deus faz a alguns. Talvez seja preciso voltar a rezar especificamente pelas vocações sacerdotais.

 

Um segundo ponto a ser tratado na reunião de Julho é a vida dos sacerdotes no tempo pós-moderno e tantas vezes exageradamente agitado. O Papa tem insistido muito para que nós padres tenhamos consciência de que não podemos fazer tudo e que precisamos de mais tempo para rezar e para cuidar da nossa relação pessoal com Deus. Mas nem sempre é possível parar e o Papa também o reconhece. É preciso aceitar que hoje a vida nem sempre nos permite tempos de descanso. Mas ser activos não quer dizer ser activistas. Fazer muitas coisas não tem de significar que se acha que o importante é o que fazemos. Os padres, a bem ver, são como todos os outros discípulos de Jesus Cristo, servos inúteis que só devem dar lugar a que o Senhor entre e possa chegar aos outros.

 

O terceiro aspecto será o da espiritualidade do sacerdote. Um padre, religioso ou diocesano, tem na sua própria missão os alicerces da sua espiritualidade, ou seja, da sua vida interior pela qual centra em a sua vida em Jesus Cristo: a Eucaristia diária, a oração da Liturgia das Horas, a comunhão com o bispo, com os superiores e com os colegas, a caridade pastoral pela qual se dá à missão que a Igreja lhe confia. Os tempos actuais, porém, têm sido testemunhas de que o Espírito Santo, tal como ao longo dos 2000 anos da vida da Igreja, suscita certos carismas que são, quer para padres quer para leigos, verdadeiros dons que ajudam a caminhar melhor. O padre, para poder servir melhor o povo, deve cuidar bem da sua vida espiritual, coisa que não pode nunca viver sozinho nem deve afastá-lo das suas tarefas, mas que o deve fazer entrar mais no específico da sua vocação e no concreto da sua missão. Os carismas podem ser de grande ajuda.

 

Aparece aqui o quarto aspecto: a comunhão entre padres e com o bispo. É verdade que todos os padres são investidos duma certa paternidade espiritual e que devem dispensar os dons de Deus e proclamar a Palavra de Deus, mas os padres também precisam de fazer uma experiência de fraternidade. Não podem ter só relações verticais de cima para baixo. Também são importantes as amizades fraternas, que se podem ter com leigos, mas que assumem um cariz especial quando acontecem com pessoas que experimentam a mesma vocação. Os padres são irmãos entre si, não só pelo baptismo mas também pelo sacramento da Ordem. Mas, mesmo esta amizade não basta. Se somos pais e irmãos também temos de ser filhos. Um padre que deixe de ter para quem olhar para aprender não se sustenta e acaba por se fechar em si mesmo. O bispo, o geral das congregações, o fundador do movimento, um director espiritual, cada um na sua especificidade e muitas vezes todos eles ao mesmo tempo, são chamados a ser para os padres como pais que educam e que ajudam a avançar.

 

Com este convite a fazer do 150 aniversário da morte do Santo Cura d’Ars um Ano Sacerdotal, o Santo Padre reforça a convicção de que a Igreja deve pedir mais padres e rezar pelos que existem, mas também nos desafia a nós padres. A finalidade do Ano Sacerdotal é a de promover uma renovada "tensão nos sacerdotes em ordem a uma perfeição espiritual da qual depende a eficácia do seu ministério". (Bento XVI, 16 Março 2009)