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A vocação sacerdotal

Muitos são os Documentos do Magistério da Igreja que nos falam sobre o sacerdócio ministerial, em particular os que se referem às directrizes do Concílio Vaticano II.

Estes textos, de grande beleza e profundidade, ajudam-nos a compreender a riqueza deste dom de Deus à Sua Igreja. Antes de terminado o Ano Paulino eis que o Santo Padre anuncia o Ano dedicado aos Sacerdotes. A ligação foi estabelecida ainda no Pontificado de João Paulo II quando em Outubro de 2004, no VI Convénio Universal dos Presbíteros, realizado em Malta, se tomou como referência a Santidade do Apóstolo São Paulo. O Papa Bento XVI quis também integrar o Ano Sacerdotal na comemoração do 150º aniversário da morte do Santo Cura de Ars, seguindo a mesma linha de orientação do Papa João XXIII que, no centenário da morte do Santo, dirigiu aos sacerdotes uma Encíclica sobre a dimensão do ministério nas implicações futuras.

Apesar de haver uma preocupação crescente quanto à formação dos Presbíteros no contexto da Evangelização para o terceiro milénio, não devemos, contudo, pensar que as exigências actuais em relação a este ministério diferem muito das de épocas passadas. Se tivermos em conta “O Diálogo”, de Santa Catarina de Sena, onde o próprio Deus lhe explica a “excelência do ministério sacerdotal”, vemos com clareza que existem muitas semelhanças com o mundo de hoje. Neste capítulo, Deus utiliza termos muito interessantes para definir os Seus ministros. Chama-lhes “os meus Cristos”, como mediadores, ou “anjos”, como mensageiros e guias. Revelou-lhe o bom e o mau dos acontecimentos daquela época. Num período de grande crise para a Igreja, como foi o Cisma do Ocidente, Deus confiou a mulheres a missão de levar a cabo não só a renovação como, também, o restabelecimento da unidade eclesial. Entre elas, foi Santa Catarina de Sena a que mais se distinguiu. Proclamada Doutora da Igreja e Padroeira da Europa permanece ainda hoje com espantosa actualidade.

A lógica de Deus tem-nos surpreendido ao longo de todos os tempos. Sendo Deus-Homem, Ele move-se em categorias mais amplas que as meramente humanas. Desde a incarnação de Deus na História que estamos a viver na Igreja o chamado “tempo escatológico intermédio”, que une Criação-História-Mundo Novo, e terminará com a segunda vinda de Jesus Cristo. É precisamente nestas coordenadas globais que devemos entender o sacerdote do Vaticano II. Neste sentido, e tendo em conta a importância de Santa Catarina de Sena na História da Igreja, é possível vislumbrar os grandes desafios que se apresentam aos sacerdotes do século XXI: cabe-lhes unir a Tradição e a Modernidade em ordem ao Mundo Novo.

De que modo se projecta, então, esta dinâmica? Antes de mais, recuperando na formação dos sacerdotes, e dos leigos, o conceito de “idades da vida espiritual”. Inseridos como estamos numa sociedade recreativa e infantil, com uma cultura que promove a adolescência tardia, é bom voltar a afirmar com os grandes teólogos de espiritualidade que existem etapas concretas no crescimento espiritual. Só respeitando este grande património da Igreja se pode fazer um trabalho eficaz no sentido de atrair jovens à vocação sacerdotal, bem como a outras vocações dentro da Igreja. Adquire-se, deste modo, um discernimento diferente que permite pôr em contraste o mundo do Espírito com o mundo tecnológico.

Outro grande desafio para fazer aos jovens é a vivência do celibato. Este, só se define como vocação na plenitude dos tempos. Com a vinda de Jesus Cristo, são recuperadas as potencialidades da Criação para dimensionar o “novo céu e a nova terra”(Ap 21,1). No acontecimento das bodas de Caná (Jo 2,1-12) Jesus coloca o matrimónio e o celibato na mesma categoria esponsal: Caná é o primeiro sinal, seguido da Última Ceia, para terminar no Banquete Escatológico. Jesus Cristo e Sua Mãe protagonizam o acontecimento da Nova Criação: a dimensão esponsal entre Cristo e a Igreja. Neste contexto, o celibato do sacerdote não é uma renúncia (o mesmo para qualquer forma de celibato na Igreja), mas uma escolha de Amor que projecta as categorias dos corpos gloriosos da Ressurreição neste tempo intermédio. Os sacerdotes do Vaticano II estão integrados nesta dinâmica global: na totalidade das Escrituras. Identificados com Cristo, eles imprimem o ritmo da Nova Criação: são os mediadores entre o amor humano e o amor divino. A meta, o padrão de reconhecimento, é o Cântico dos Cânticos. O que significa que nenhum relacionamento humano é sustentável sem a mediação de Jesus Cristo através dos sacerdotes.

Só no espaço de oração, linguagem de amor que se estabelece entre Deus e o ser humano, se descobrem na Pessoa de Cristo estas realidades. Os tempos dedicados à oração são espaços de conquista e de enamoramento. Por isso, é fundamental que os sacerdotes, como qualquer cristão, tenham tempo para se relacionarem com a Trindade de Deus; na oração, na Santa Missa, nos Sacramentos. Este modo de entender as coisas tem sido uma constante na vida dos Santos. Todos eles nos revelam os fundamentos da mística prática: a santidade, que se traduz na capacidade de amar. Face às exigências do mundo actual só é possível convencer os jovens da beleza do cristianismo se os sacerdotes forem pessoas enamoradas. Ao contrário do que se pensa este é um tempo muito favorável para a Igreja: como o de São Paulo… o de Santa Catarina de Sena… o de São João Maria Vianney…