Artigos |
apagar
Grandes amizades
João Bénard da Costa era um homem de fé. Ler os seus textos é um exercício de desafio e de deleite. É um escritor de primeira água e um cultor da musicalidade das palavras e das ideias.

“A Arrábida aconteceu antes de eu acontecer. Não me lembro de mim sem me lembrar dela e vice-versa”. E tantas vezes nos embeveceu com o seu amor da mata mediterrânica sagrada, de medronheiros, urzes e carvalhos. E, falando por mim, senti sempre que as suas invocações do Conventinho e das suas imediações eram como as descrições de Dante no Paraíso (as mesmas que encontro nos êxtases de San Miniato al Monte). E perante as paisagens e a fixação dos seus pormenores, em paleta multímoda de cores, compreende-se a génese do cinéfilo – apaixonado pela beleza e pelos grandiosos panoramas. E desde cedo houve as “grandes amizades”, por referência à obra de Raïssa Maritain. António Alçada Baptista, Pedro Tamen, Nuno Bragança, M.S. Lourenço, José Escada, Alberto e Helena Vaz da Silva são os companheiros de vida e de ideais. Foi o tempo do cine-clubismo, do CCC, Centro Cultural de Cinema, da presidência da JUC e do jornal “Encontro”. Bresson e Rosselini eram duas das suas paixões. 1958 foi um ano decisivo – depois, foi a tese sobre Mounier, a Livraria Moraes e “O Tempo e o Modo”. E a revista tornou-se um lugar de liberdade e de criação contra a tentação das cartilhas e das modas. Mas, sobretudo, esse foi o tempo do grande entusiasmo e da grande renovação do Concílio Vaticano II.


João Bénard leva-nos a Etty Hillesum: “A minha vida é uma sucessão de milagres interiores”. As maravilhosas “Cartas” de Etty acabam de sair na colecção Teofanias (Assírio e Alvim). Foi ela quem disse: “qualquer situação, por muito miserável que seja, é absoluta e contém em si o bem e o mal”. E João recordava que “Etty Hillesum chegou a Deus pela carne e pela sensualidade, até descobrir que não se pode separar nem o corpo da alma nem o sofrimento do mundo da beleza do mundo”. Sofrimento e beleza encontram-se, procurando explicar o porquê de tantas dúvidas e perplexidades, de tantos altos e baixos. “Deus meu, fizeste-me tão rica, deixa-me por favor, partilhar generosamente essa riqueza. A minha vida tornou-se um diálogo ininterrupto Contigo, meu Deus, um grande diálogo”.


Por fim, uma boa leitura: D. Manuel Clemente publicou “1810-1910-2010 – Datas e Desafios” (Assírio e Alvim). Confirmando o que já lhe conhecemos, temos um exemplo de boa exposição e de boa pedagogia.

 

“Depois disse-lhes: ‘Porque sois tão tímidos?

Como? Não tendes fé?” (Mc. 4, 40).