Artigos |
apagar
Dignidade humana no início e no fim da vida
Todos sabemos que as fases mais vulneráveis do ser humano, pela sua dependência, fragilidade, riscos e até sofrimento, é o princípio e o fim da vida. Acresce que o final da vida é em geral acompanhado de doença.

Numa sociedade que se diz solidária, estamos seguramente à espera de mecanismos colectivos (leis, intervenção social e clínica, entre outras) que apoiem aqueles momentos de maiores carências.

Por estranho que pareça, a sociedade actual, apesar de se querer solidária, caminha no sentido inverso. Assim, deixa o embrião humano entregue à congelação e para o qual não há esperança que não seja a pedra fria de um qualquer laboratório ávido de uma “descoberta” científica; deixa o bebé, até às 10 semanas sujeito à solidão de uma mãe, quantas vezes sob pressão, com o drama do aborto que vai carregar para o resto da vida.

 

E, nos últimos tempos no Mundo, e agora em Portugal, faz-se correr a ideia de que a vida só tem valor se for isenta de sofrimento e se ainda tiver valor, utilidade ou produtividade.

Claro que todas estas decisões colectivas têm sido apresentadas com palavras “bonitas” que seguramente estão longe do que acima se disse. É tão “simpático” dizer IVG em vez de aborto!!!

Vem isto a propósito do recente projecto-lei apresentado no Parlamento, pelo PS com o título “Direitos dos doentes à informação e ao consentimento informado” (matéria de grande importância e bom) o qual introduz na lei o “testamento vital” e o “Procurador de cuidados de saúde”. Não queremos, por ora, analisar esta lei. Mas que o mesmo causa muita perplexidade, lá isso causa.

Senão vejamos:

1 – Foi um projecto-lei apresentado para agendamento potestativo. Isto é, com muita urgência. Apresentado a 22 de Maio (sexta-feira) e discutido e votado a 28 de Maio. Os deputados tiveram tempo de o ler, meditar e aprofundar? A sociedade teve tempo de o conhecer?

2 – Logo que apresentado na A.R. o diploma, a Comunicação Social indagou se se tratava de uma iniciativa que tangia com a eutanásia. Porque levantou essa polémica o dito Projecto-Lei?

3 – Tem havido necessidade, na sociedade, de uma lei sobre consentimento informado? Que deva ser feita apressadamente?

4 – Estaremos, uma vez mais, a fazer a tal “lavagem” à cabeça dos cidadãos para que, cansados, se aceite tudo?

Temos defendido que a vida é um bem indisponível – este é um valor de Civilização.

Toda a vida acarreta sofrimento. Por isso a primeira obrigação social e pessoal para quem sofre, nomeadamente por doença, é de tentar minorar o sofrimento, não só com o tratamento médico (onde incluo obviamente os cuidados paliativos) como também com o amor, o carinho e a proximidade dos familiares e amigos do doente.

Mas também no nosso entendimento, e que goza de amplo consenso, ao doente assiste o direito a recusar tratamentos. É hoje censurado o chamado “encarniçamento terapêutico” – prolongar uma vida artificial à custa da técnica médica, sem perspectivas de melhoras. Aí deve funcionar o querer do doente, o saber e experiência do médico e a manifestação de vontade daqueles que lhe estão mais próximos. 

Soluções legislativas que permitem dispor do direito à vida, que permitem que um familiar, mais ou menos bem intencionado, decida se a mãe ou o pai idoso deve continuar a ser alimentado, têm gerado nos Estados onde foram implementadas graves desconfianças. Em alguns Estados dos EUA os idosos recusam-se a ir para os hospitais…

Na Holanda, casos há em que após ter sido aplicada a eutanásia, se descobre que afinal não era isso que o doente queria – os processos judiciais sucedem-se com familiares a processar médicos e a gerar novos conflitos.

Será que este afastar do sofrimento legislativo não gera novos e maiores sofrimentos?