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Alegria e esperança... (por Guilherme d?Oliveira Martins)
A experiência de Giorgio La Pira (1904-1977) como síndaco da cidade de Florença nos anos cinquenta do século passado merece uma especial referência nos dias de hoje quando falamos da intervenção política dos cristãos. 

Mais do que a tentação de conceber e aplicar um programa fechado, La Pira considerou sempre como fundamental partir das pessoas concretas e da salvaguarda da sua dignidade para a concretização das políticas necessárias. Quando lemos a Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes facilmente percebemos que essa é a tónica fundamental ligada à compreensão dos sinais dos tempos, como ponto de encontro entre a criação divina e o mundo dos homens.

Dignidade e compromisso são duas palavras que têm de estar ligadas e que exigem correr riscos, lançar o arado à terra, trabalhar e sujar as mãos. A dignidade põe a pessoa humana no centro da política e da economia. O compromisso põe a experiência e o exemplo no cerne da ação cívica. Nesse sentido, La Pira considerou como prioritários o ser e o agir em prol da coesão e da justiça, do respeito mútuo e da paz. E tomou medidas concretas controversas, quer para dar vida digna ao cidadão mais remoto, quer para acolher todos num esforço conjunto pela paz do mundo. Assim, as políticas sociais não são vistas como fins em si mesmas, mas como a realização de valores humanos. Mais do que um conjunto de princípios, a doutrina social da Igreja é um pôr em prática, um apelo permanente ao inconformismo e à realização de uma sociedade assente no bem comum e na dignidade das pessoas.

«Reorganizar a sociedade sobre o fundamento do trabalho é uma tese cristã; mas o aspeto produtivo (em sentido lato) da personalidade humana é diverso do político; um é fundamento do status profissional e constrói a comunidade profissional; o outro é fundamento do status civitatus e constrói a comunidade política, A atividade política é diferente da produtiva, porque se trata, como diziam Aristóteles e S. Tomás, duma atividade arquitetónica que tem relação com a personalidade humana, como tal, e que faz referência, ordenadamente, a toda a hierarquia de valores humanos». Ora, só a partir dos valores humanos poderemos conceber uma sociedade baseada na responsabilidade, na participação, na solidariedade. Contudo, responsabilidade exige que tenhamos respostas para quem nos solicita; participação obriga a fazer escolhas dilacerantes; e solidariedade determina que nos tornemos a outra metade dos outros com que nos encontramos. A pobreza e a violência contrapõem-se à justiça e à paz – e no entanto muitos não compreendem esta oposição. De facto, importa entender a justiça como um apelo constante a uma vivência mais humana, numa palavra, ao cuidar da caridade e do amor cristão. Depois de 1989, houve quem sonhasse com o fim da história, julgando que a liberdade seria independente da igualdade. O resultado dessa ilusão está à vista – a sociedade e a economia em que vivemos foram-se afastando da ideia de produção do homem pelo homem, preferindo a lógica especulativa do lucro rápido e aparente.

Hoje sabemos bem que liberdade e igualdade, como igualdade e diferença, são faces da mesma moeda e não se confundem com o liberalismo mercantil ou com o igualitarismo burocrático. As desigualdades agravam a injustiça. Liberdade igual e igualdade livre constituem o símbolo da democracia, exigindo a procura de equilíbrio entre o bem comum, a ação cidadã e a dignidade humana. A pobreza, a ignorância, a exclusão, a indiferença tornam-se, deste modo, apelos persistentes à humanidade no sentido de maior justiça. «O humanismo cristão é um humanismo integral, se bem que ordenado e hierarquizado: integra o homem desde o vértice da íntima fruição e contemplação de Deus até à “base” da economia».