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Haverá terramotos no céu? (pelo Pe. Alexandre Palma)

Quando o violento terramoto de 1755 sacudiu a cidade de Lisboa não foram apenas os alicerces dos edifícios a sofrerem com o abalo. Tremeram também os fundamentos do optimismo que então animava a cultura europeia.

Naquele dia foi posto em causa que este fosse «o melhor dos mundos possíveis» (G. W. Leibniz), como logo o fez notar Voltaire, iluminista e crítico corrosivo do catolicismo. A natureza, enfim, como que resolvera intervir no debate sobre a bondade de Deus perante a existência do mal. Como era possível que Deus permitisse semelhante catástrofe? Onde estava Deus naquele «dia de Todos os Santos»?

Tanto tempo volvido, a questão, como todas as grandes questões, regressa com viva acuidade. No Japão uma série de catástrofes, de contornos quase mitológicos – sucessivos terramotos, tsunami, crise nuclear –, faz-nos perguntar de novo por Deus. Pelo menos fê-lo a uma criança japonesa de apenas sete anos: Elena. Com a sabedoria própria dos pequenos – aquela de que fala Jesus (cf. Mt 11, 25) –, Elena pede ao Papa, ou como ela diz «o homem que fala com Deus», que lhe explique por que morreram meninos como ela, por que se sente triste e com medo, por que não pode mais brincar no parque.

Certamente sem o saber, Elena apenas devolveu a Bento XVI as perguntas que ele próprio levantou aquando da sua visita ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau: «Quantas perguntas surgem neste lugar! Sobressai sempre de novo a pergunta: Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele se silenciou?» (28/5/2006). De novo a questão de Deus perante o mal. De novo provocada por um outro terramoto: o terramoto civilizacional da segunda grande guerra.

O que os sucessivos e diferentes terramotos da vida nos ensinam é que eles não abalam somente a terra em que habitamos. Abalam igualmente o modo como colocamos no céu o nosso olhar e a nossa esperança. Para alguns, quando esse chão parece fugir, o «ateísmo de protesto» parece a única saída. Para outros, como as gerações de crentes sobreviventes da grande guerra, são a própria experiência e imagem de Deus que se depuram. No coração desse terramoto, prisioneiro de um campo de concentração onde viria a conhecer a morte, o teólogo e pastor evangélico D. Bonhoeffer declarava que «só um Deus que sofre pode ajudar-nos». E respondendo a Elena, também o Papa reconhece que «não temos respostas, mas sabemos que Jesus sofreu como vós, inocentes». Deus e o sofrimento inocente não serão, então, realidades que necessariamente se oponham. Em Cristo, ao invés, reconciliam-se definitivamente. Percebê-lo não é o produto de um elaborado raciocínio, nem parece compatível com discursos sofisticados. Brota sim da experiência de quem encontra Deus mesmo onde encontrá-l’O é humanamente um paradoxo. E aí (re)conhece-se um Deus diferente. Um Deus que se deixa abalar com os terramotos do nosso próprio viver. E que o faz a tal ponto, que quase se poderia perguntar se haverá também terramotos no céu.