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Voltar a falar de Jesus Cristo (pelo Pe. Alexandre Palma)

Às vezes acontece. De repente vêm-nos à mente palavras ou expressões há muito ouvidas, entretanto escondidas algures na memória e que ressurgem misteriosamente, não se sabe bem vindas de onde. «Voltar a falar de Jesus Cristo»! Foi esta expressão que, com essa incontrolável espontaneidade, regressou ao meu pensamento com aquela força que só as grandes intuições podem exercer.

Sabia que não eram palavras minhas. Que as tinha ouvido ou lido em qualquer lado. Uma breve pesquisa bastou para reencontrar a sua origem: certamente já desaparecida dos escaparates das livrarias, é o título de uma obra do biblista J.-N. Aletti (Ed. Cotovia 1999). Do livro em si muito pouco resistiu ao tempo, mas neste título – um misto de desafio, projecto e desabafo – encontro uma boa forma de ler os ares deste tempo.

Em primeiro lugar, o mais recente livro do Papa dá corpo a isto mesmo: põe-nos a falar de Jesus Cristo (Jesus de Nazaré. Da Entrada em Jerusalém até à Ressurreição, Ed. Principia). Faz-nos voltar aos textos que nos falam d’Ele. Põe-nos a pensar sobre o que eles significam. Sobre o que Ele significa. Ajuda-nos a superar a dicotomia geométrica – já estafada – entre o «Jesus da história» e o «Cristo da fé». Lança-nos, enfim, para o encontro pessoal com essa Palavra de Deus dita no tempo. É Ele a palavra que nos é própria e específica. Mesmo quando, como hoje frequentemente sucede, os cristãos são provocados a falar sobre tudo. Mesmo quando os cristãos escolhem falar sobre tudo.

Depois, como não reler a esta luz todo o nosso discurso sobre a «Nova Evangelização»? E, mais ainda, a nossa prática. Vamos falar de quê, senão de Jesus? Quem vamos dar a conhecer, senão Jesus? Algo semelhante se diga quando a Igreja quer (re)abrir o «Pátio dos Gentios», onde, como outrora no antigo Templo de Jerusalém, crentes e não crentes encontrem um espaço comum de diálogo. Que há na experiência cristã que interpele tanto os «homens de boa vontade» como a figura de Jesus? Talvez seja um outro qualquer truque da memória, mas não me consigo de lembrar de nada mais com uma força semelhante à da pessoa de Cristo.

É essa a força que perpassa os próprios Evangelhos, tanto em quantos se fizeram seus discípulos, como em quantos ainda se perguntavam se seria Ele o Messias, como até em quantos viram n’Ele um réu de morte. É essa força que fez com que, ao longo da história da Igreja e da teologia cristã, ciclicamente se tivesse pressentido a necessidade de tudo recentrar na Sua Pessoa – o chamado «cristocentrismo». É essa a força que fez e faz com que, em todas as épocas, gente em busca de Deus se sinta interpelada por Ele. É essa a força que fez e faz com que gente não propriamente à procura de Deus se interesse por Ele. Se assim é, se Ele é um assunto que interessa a todos, então só podemos sempre e sempre de novo «voltar falar de Jesus Cristo».