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Ainda a lição do Chile (por António Bagão Félix)

No meio da desgraça que perpassa pelo nosso País, escrevo sobre a boa graça do resgate dos mineiros chilenos. Até pelo seu simbolismo não o devemos esquecer, mas prolongá-lo no tempo e na nossa memória.

Em primeiro lugar, porque foi um exemplo de respeito absoluto e incondicional pela condição humana, num mundo todos os dias confrontado com o indiferentismo ético, a violência, a miséria e a desgraça. Um hino à vida num tempo em que predomina a sua relativização absurda e mórbida. Em segundo lugar, porque foi uma vitória da esperança, do esforço, da têmpera e da luz contra o desespero, o laxismo e a sombra. Uma lição contra o desânimo, o pessimismo militante, a resignação bloqueadora, a indiferença perante os outros.

 

No fim daquela modelar operação de resgate, percebemos como é decisivo acreditar. Como é importante recusar conjugar o verbo desistir e usar a competência ao serviço do bem. O fim último da tecnologia é o desenvolvimento do homem em todas as suas dimensões. A técnica tem que ter subjacente uma apreciação moral, como nos ensina Bento XVI na “Caritas in veritate”. E não se pode dissociar da nossa responsabilidade. A técnica é para o homem e não o homem para a técnica.

 

Este resgate foi também uma forma de unir uma nação em nome da coragem, da sensibilidade, do amor ao próximo e da dignidade. Neste dramático problema, não houve espaço para algumas das regras que infelizmente hoje dominam a política e a própria sociedade: a de ficarem bloqueadas ao distribuir culpas em vez de buscar soluções, a de elegerem a táctica, a estatística, a efemeridade e o sensacionalismo idiota como guias de acção. Houve tão-só (e é tudo) a essência da salvaguarda da condição humana.

 

Com o simbolismo quase religioso do deserto, foi uma lição para um mundo vertiginosamente individualista que, paradoxalmente, desrespeita o valor da individualidade. Um mundo muito desigual, em que alguns não se cansam de reivindicar o permanente direito ao supérfluo ao lado de outros que não têm voz e lutam pelo básico. Até neste aspecto, o salvamento foi redentor, pois se tratava de humildes trabalhadores.

 

Foi ainda uma expressão eloquente da importância e da força da família na sua forma mais verdadeira, genuína e solidária. Uma notável lição para quem não perde a oportunidade para a subestimar!

 

Não será difícil imaginar quão penoso, desgastante e tantas vezes mortal é o trabalho dos mineiros. Este caso é também uma ocasião a não desperdiçar para reflectir sobre algumas perversidades do mundo social e económico: o abandono da dimensão moral da economia e do trabalho decente, a confusão entre meios e fins, a subsistência endémica de situações estruturais de insegurança, a corrupção na fiscalização das leis.

 

Finalmente, num tempo em que tudo convida mais a não crer do que a crer, a força da fé revigorou a esperança de alguns mineiros que não tiveram vergonha em o exprimir simbolicamente uma vez devolvidos à liberdade. Quase literalmente “a fé moveu montanhas”. Como católico, estou-lhes grato!