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Pe. Alexandre Palma
Secularidade
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Começo pela conclusão: a justa crítica ao «mundanismo» não pode obscurecer o valor da secularidade. Os dois termos partilham uma familiaridade semântica evidente, na medida em que ambos se referem ao mundo. Mas distinguem-se em tudo o mais.

Impõe-se reconhecer a armadilha do mundanismo. Para ela tem profética e insistentemente alertado o Papa Francisco. Uma vida radicalmente evangélica não parece compatível com esse acomodar-se à circunstância, ao tempo, à maioria, à moda, aos interesses, ao imediato, ao lugar-comum, ao cliché, à rotina, à mera reprodução. Como sucede com todos os «-ismos», o mundanismo, absolutizando o mundo, faz dele um ídolo. O seu vício não está apenas em nos reduzir ao mundo, a este mundo. Está também em reduzir o mundo a nós mesmos, à nossa compreensão e horizontes. Há no mundanismo, com efeito, uma dupla redução: de nós ao mundo; do mundo a nós. Convivemos quotidianamente com esta armadilha. Caminhamos pela vida perigosamente no seu limiar. Não admira, pois, que por vezes nela caiamos. Não admira, pois, que para ela tenhamos de ser alertados.

Coisa diferente é a secularidade. Esta começa por ser a circunstância de quem vive no mundo. Apenas isso, como aliás no-lo ensina essa grande mestra que é a etimologia: saeculum, em latim, quer também dizer mundo. A secularidade é, pois, uma característica que nos descreve a todos, na medida em que somos neste mundo ou, pelo menos, enquanto formos neste mundo. Nesta primeira acepção, todos somos seculares. A secularidade, contudo, não diz apenas esta fatalidade de sermos no mundo. Pelo contrário, ela veio também exprimir a assunção positiva dessa condição que a transforma numa determinada forma de vida. Esta será uma sua segunda acepção. Neste caso, trata-se que localizar no mundo o jogo do sentido do que se faz e do que se vive. O mundo torna-se aqui palco, mas não critério. É nisto que mora toda a diferença entre mundanismo e secularidade.

Esta não é tanto uma questão conceptual quanto uma questão verdadeiramente existencial. Os conceitos, aqui como em tudo o mais, são meras ferramentas. O que realmente importa é a vida vivida. É nesta que se joga quer a armadilha do mundanismo quer a efectiva valorização da secularidade.

O cristianismo contemporâneo luta por caminhar para além desta linha estreita que separa mundanismo e secularidade. Procurando superar velhas antinomias entre Deus e o mundo, ele fez por (re)descobrir não apenas o mundo como um lugar teológico, mas também formas seculares de vida cristã como autênticas expressões evangélicas. Tendo feito este belo caminho, estamos hoje confrontados com o desafio da consequência. Temos de ser consequentes com esta valorização de formas seculares de vida cristã, sobretudo em tempos em que a Igreja se quer em saída. Seguramente isso passará por não esgotar em dinâmicas internas às comunidades cristãs aquelas energias de que o Evangelho precisa para chegar a todas as periferias. Uma Igreja que abraça descomplexadamente a secularidade não precisa apenas de resistir ao mundanismo. Precisa também de, com criatividade e ousadia, estimular os cristãos que estão no mundo a estarem no mundo.