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Pedro Vaz Patto
Amar a pátria alheia
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«Amar a Pátria alheia como a minha própria Pátria» - o apelo (que já alguns consideraram inédito na História) foi lançado por Chiara Lubich, pela primeira vez (veio a repeti-lo posteriormente) faz agora sessenta anos (em 1959), num encontro anual do Movimento dos Focolares, a Mariápolis, que então até então se realizava na região das montanhas Dolomitas, perto de Trento, no norte da Itália. Esse apelo na altura, foi acolhido pelas doze mil pessoas presentes, de vinte e sete nacionalidades e também por alguns políticos, entre eles Igino Giordani, cofundador do Movimento dos Focolares, cuja causa de beatificação está em curso. Para relembrar e reviver essa efeméride decorreu este ano, nesse mesmo local, uma Mariápolis europeia, com a presença de cerca de cem participantes portugueses.

A proposta é, pois, a de estender às relações entre nações e povos a lei evangélica do amor recíproco. Essa lei não deve reger apenas as relações interpessoais, deve reger as relações entre grupos, as relações políticas e internacionais. Torna-se particularmente atual esta proposta, num tempo em que ganham cada vez mais influência correntes que procuram afirmar a identidade e soberania nacionais através da hostilidade a migrantes e estrangeiros. Contra essa tendência tem-se manifestado o Papa Francisco. Às palavras de ordem “nós, primeiro” (a minha nação, primeiro), que se vão ouvindo com insistência, o Papa respondeu na sua mensagem para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado de 2019: «Jesus Cristo pede-nos para não cedermos à lógica do mundo, que justifica a prevaricação sobre os outros para meu proveito pessoal ou do meu grupo: primeiro eu, e depois os outros! Ao contrário, o verdadeiro lema do cristão é “primeiro os últimos”

Compreende-se, até certo ponto, o temor de perder a identidade nacional (um fator em que se baseia o sentimento de pertença e a coesão de muitas comunidades, hoje como outrora) perante o fenómeno da globalização. E também há quem compare a solidariedade preferencial para com os compatriotas com aquela que espontaneamente se gera entre pessoas da mesma família.

Mas amar a pátria alheia como a nossa pátria não significa negar ou desvalorizar o amor para com esta. Pelo contrário, só quem ama a sua própria pátria pode amar a pátria alheia como ama a sua. Do mesmo modo que o amor ao próximo como a nós mesmos supõe uma salutar auto-estima. E começa pelos mais próximos dos próximos, que são os nossos familiares, sem que isso implica hostilidade para com outras pessoas. Amar a pátria alheia como a nossa implica, antes, que a afirmação da identidade nacional não se concretize através da hostilidade em relação a migrantes e estrangeiros, como muitos parecem pretender hoje.

No mundo globalizado de hoje as nações e as diferenças e especificidades culturais de cada povo não têm que se perder ou diluir (o Papa tem usado, a propósito, a imagem do poliedro, para distinguir a unidade na diversidade da uniformidade). Essas diferenças foram no passado motivo de divisão e de guerras. Não tem que continuar a ser assim no futuro. Responder ao apelo de Chiara Lubich de amar a pátria alheia como a nossa significa que essas diferenças e especificidades culturais, em vez de serem um fator de divisão e conflito, podem ser uma ocasião de doação recíproca: cada povo e cada nação pode doar aos outros o que tem de único. E significa construir os alicerces de uma paz autêntica.