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P. Duarte da Cunha
Tempo de férias tempo para olhar com atenção
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Os nossos olhos e tudo o que lhes está associado no cérebro tornam possível essa coisa maravilhosa que é ver. Mas não basta ter olhos para vermos as coisas e colhermos todo o seu significado. Um ser humano não se limita a registar o que vê, como um animal ou uma câmara de computador. Para nós, o olhar está associado ao conhecimento e aos desejos, ao coração.

Não é descabido, num tempo onde as imagens entram pelos nossos olhos em catadupas através de tantos instrumentos, pensarmos sobre o olhar e querermos educar o modo de ver sobretudo sabendo que isso tem implicações em toda a vida.

Somos um todo e nada do que afecta os sentidos, especialmente a vista, deixa indiferentes a razão e a vontade. O que vemos, desde logo, desperta o desejo. Se vejo um bolo apetitoso é natural ter o desejo de comer, se vejo uma pessoa com dificuldades sou levado a querer ajudar, mas também pode haver um olhar desadequado que leve ao desejo de possuir o outro. Por tudo isso, vemos que Jesus se preocupa com a pureza do olhar. Porque é experiência comum que quando vemos uma coisa ou uma pessoa e nos damos conta do que vemos, algo acontece dentro de nós que pode ser bom ou mau: um amor e um desejo de ajudar, uma vontade de conhecer, um desejo de possuir, um medo, um nojo.

Mas não é só o ver que desperta o desejo, também o contrário acontece. Quando queremos uma coisa vamos à procura dela. E o olhar é o primeiro sentido a mover-se nessa procura. Assim, querendo olhar como Jesus olha para tudo na vida, também nos devemos preocupar com o que desejamos ver.

O desejo de ver algo leva a procurar, e ver uma coisa bela leva ao desejo dela. Podemos também dizer que quando se trata de uma coisa boa, o facto de a termos visto não esgota o desejo, mas leva a querer ir mais longe, ver melhor e até ver o que está para lá do que se vê. Eis porque é importante estar atento e não nos ficarmos pela rama. Procurar ver mais fundo e conhecer melhor é bom e permite descobrir o valor do que é bom. Contudo é preciso estar atento aos desejos porque é fácil a curiosidade tornar-se uma bisbilhotice! Tal como também é preciso saber os momentos em que é necessário fechar os olhos para não despertarem os desejos impuros.

Ora, como hoje vivemos em tempos marcados pela multiplicação de imagens, é necessário discernir se devemos ver melhor ou desviar o olhar, se devemos ver muitas coisas ou dedicar mais atenção a algumas. O olhar, além do mais – tal como os outros sentidos – também se liga à memória. Aliás, ver uma coisa de que já tivemos experiência ou já foi anteriormente vista recorda o que se passou e pode avivar sentimentos positivos e aumentar o amor pelo bem ou, pelo contrário, sentir maior repulsa ou ter desejos desordenados.

Também por isso cuidar do que vemos e do modo como olhamos serve para assegurar uma sã imaginação que está relacionada com a memória das coisas vistas. É de pessoa ajuizada saber que depois de ter captado uma imagem que desperta desejos ou provoca nojos que poderiam ser evitados é mais complicado evitar esses sentimentos. O travão que impede um sentimento errado ou o acelerador que aviva um desejo bom não funcionam depois de termos visto aquilo que despertou a vontade, mas antes. E isto faz a diferença, porque se não queremos ver o que nos poderá fazer mal devemos desviar o olhar e se queremos ver a beleza pode ser necessário aplicar algum esforço na procura e na atenção.

Tudo isto leva a concluir a importância de aprender a ver mais fundo e mais longe para evitar a superficialidade. Há realidades que são sinais de outras. Quando vemos o vidro partido do carro não pensamos no vidro, mas no que estava dentro do carro e poderá ter sido roubado! Quando uma jovem vê um ramo de flores à porta de sua casa não pensa nelas, mas naquele que as mandou! E, idealmente, quando olhamos uma paisagem bela podemos levantar o pensamento para o Criador, e quando vemos um santo deparamo-nos com a presença da graça de Deus neste mundo. Os sinais que apontam para uma realidade maior precisam de ser olhados com atenção, só assim despertam a vontade de procurar essa realidade. Tempo de férias pode ser ocasião para nos determos a ver coisas belas.