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Pe. Alexandre Palma
Gratidão
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Lembro-me bem de, há já alguns anos, alguém me ter dito: «Quem vive a gratidão, não se entristece». Não sei bem porquê, mas esta indicação nunca mais me saiu da memória. Não terá sido por a viver ou ter vivido até ao fim. É mais provável que tenha sido por ela, simplesmente, me fazer sentido. Julgo que estará aqui muito do segredo da alegria: a gratidão.

A grande tradição espiritual e cristã há muito o percebeu. Uma linha une o «recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 8) de Jesus ao «tudo é graça» de Teresa de Lisieux, passando, naturalmente, por Agostinho, o grande «doutor da graça». Na raiz da gratidão está o reconhecimento de que o que temos e somos, não é apenas, nem sobretudo, o resultado do nosso esforço e mérito. Nas coisas mais fundamentais, percebemo-nos envolvidos e ultrapassados por um excesso que não se explica com a mera contabilidade dos nossos actos. Ao limite, ele só se explica pela gratuidade da graça.

A gratidão precisa de ter em nós a extensão da graça. Se tudo é graça, então em tudo haja gratidão. Só então estaremos à altura do que somos e vivemos. Graça e gratidão são variações de uma mesma melodia. Seremos gratos, na medida em que nos experimentarmos enlevados pela graça. Reconheceremos a vida como graça, na medida em que a atravessarmos na gratidão. Gratidão nos sucessos, como nos fracassos. Gratidão na presença e na ausência. Gratidão nos ganhos, mas também nas grandes perdas da vida. É assim, como bem percebeu a filósofa e mística Simone Weil, que se supera a gravidade e todas as suas derivações. Ou seja, é assim que se vencem as forças que nos puxam para baixo e impedem de respirar um pouco mais alto. A graça é o único antídoto da gravidade. E a gratidão é o seu sacramento e o seu caminho.