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Guilherme d’Oliveira Martins
Ir ao encontro dos novos...
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Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal «Cristo Vive», dirigida aos jovens e a todo o Povo de Deus, datada de 25 de março, o Papa Francisco afirma que «Jesus, o eternamente jovem, quer dar-nos um coração sempre jovem. Assim no-lo pede a Palavra de Deus: “Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa” (1 Cor 5, 7). Ao mesmo tempo convida-nos a despojar-nos do «homem velho» para nos revestirmos do «homem novo» (Col 3, 9.10), do homem jovem. E, quando quer explicar o que é revestir-se desta juventude que «não cessa de se renovar» (3, 10), diz que significa ter “sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro” (3, 12-13). Isto significa que a verdadeira juventude é ter um coração capaz de amar. Pelo contrário, aquilo que envelhece a alma é tudo o que nos separa dos outros. Por isso mesmo conclui: “Acima de tudo isto, revesti-vos do amor, que é o laço da perfeição” (3, 14)». E mais: «Notemos que Jesus não gostava que os adultos olhassem com desprezo para os mais jovens ou os mantivessem, despoticamente, ao seu serviço. Pelo contrário, pedia: “O que for maior entre vós seja como o menor” (Lc 22, 26). Para Ele, a idade não estabelecia privilégios; e o facto de alguém ter menos anos não significava que valesse menos ou tivesse menor dignidade». (13-14). Eis por que ir ao encontro dos novos pressupõe um verdadeiro diálogo entre gerações.

O Papa Francisco assinala, deste modo, que os jovens são agentes da pastoral juvenil, acompanhados e orientados, mas livres para encontrar caminhos sempre novos, com criatividade e ousadia. E é a liberdade e a autonomia que têm de ser postas ao serviço do bem comum e da dignidade humana. Considera, por isso, supérfluo propor um manual de pastoral juvenil ou um guia prático de pastoral. Importa, sim, escolher a sagacidade, o engenho e o conhecimento, usando a sensibilidade, a linguagem e as problemáticas de cada geração num contexto de diversidade. E, lembrando o que disse aos jovens italianos em Roma, no mês de agosto, o Papa dá um sinal inequívoco de esperança e de responsabilidade: Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos. Correi «atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos na sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do irmão que sofre. O Espírito Santo vos impulsione nesta corrida para a frente. A Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da vossa fé. Nós temos necessidade disto! E quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende a paciência de esperar por nós».

E permitam-me que sugira para esta Páscoa a leitura das “Cartas sobre a Dor” de Emmanuel Mounier (Tenacitas, 2019), onde descobrimos como, enquanto vivida cristãmente, “a dor não perde um grama do seu peso, que é também terrível, nem esgota a desmedida do mistério que atribui à existência humana, mas o acontecimento cristão abre uma possibilidade de perspetiva positiva ao sofrimento” – na expressão do filósofo. Mounier relata na primeira pessoa a dura experiência vivida com sua filha Françoise, nascida em 1938 e atingida aos sete meses por uma grave doença com terríveis consequências. A leitura do livro permite compreendermos as ideias de mistério, sofrimento e amor cristão. São cartas em que um pai se dirige a sua mulher, nas quais a Páscoa é vivida não como um acontecimento histórico, mas como um acontecimento contemporâneo e real, que tem a ver connosco. Aí se diz: “é preciso merecer o milagre que virá de todo o modo porque o pedimos com uma boa vontade, quer seja o milagre visível da cura ou o milagre invisível pelo sacrifício duma fonte infinita de graça de que um dia conheceremos as maravilhas. Nada se assemelha mais a Cristo do que a inocência sofredora”. Eis por que razão estamos diante de textos que nos permitem perceber como a existência humana só pode ter sentido se aceitar os limites e se partir da imperfeição para o compromisso da exigência pessoal relativa a uma vida melhor. Por isso, a terminar a “Utopia”, Thomas Morus faz uma leitura crítica do que ouviu a Rafael Hitlodeu, o marinheiro português, dizendo que desejava mais do que esperava relativamente ao que conhecera dos utopianos… (Cf. Guy Coq, Mounier – O Compromisso Político, Gradiva, 2012). Por fim, ainda nas sugestões de leitura para a Páscoa temos “Nos Passos de Etty Hillesum” (Sistema Solar, Documenta, 2019), com introdução de D. José Tolentino Mendonça – um percurso espiritual da judia holandesa morta no campo de concentração de Auchwitz em 1943, com 29 anos. O projeto nasceu de uma viagem à Holanda organizada pela comunidade da Capela do Rato. E temos dois percursos que tanto se fundem como podem ser vistos de forma autónoma: por um lado o percurso espiritual a partir de fragmentos dos livros “Diário” e “Cartas”; por outro, um registo fotográfico dos lugares da vida da jovem mística… Os dois livros ilustram plenamente como a vida deve ilustrar a perenidade da Páscoa.