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P. Duarte da Cunha
Vieram adorar o Menino
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Os Reis Magos, diz São Lucas, vieram para adorar o Menino. O que quer isso dizer? E que sentido tem para nós hoje adorar Deus?

O primeiro mandamento diz-nos que devemos adorar a Deus e só a Ele, ou, o que parece ser sinónimo, devemos amar a Deus sobre todas as coisas. Moisés diz mesmo: “Adorarás o Senhor teu Deus, a Ele servirás. Não seguireis outros deuses” (Dt 6,13-14). O próprio Jesus, quando o tentador diz que lhe dará todos os reinos do mundo se Ele o adorar, recorda as palavras de Moisés dizendo: “Ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto” (Mt 4,10). E tantas vezes insistiu na importância de amar a Deus sobre todas as coisas, fazendo ver a relação entre a adoração e o amor a Deus sobre todas as coisas.

Adorar a Deus só é possível quando tomamos consciência de quem Ele é. A adoração começa, por isso, com aquele acto do conhecimento que descobre que Deus é o Criador e Senhor de tudo e, por isso, Alguém maior do que nós; e que Ele é Bom, mais ainda, que Ele é um Bem sem igual.

Em si, o verbo adorar implica gestos exteriores, como ajoelhar, prostrar-se, cantar, mas, porque está ligada ao amor, também e, direi sobretudo, requer uma experiência interiormente intensa que veja envolvida a inteligência e a liberdade do adorador. Adorar não é só fazer gestos exteriores! Mesmo uma liturgia muito bonita só é adoração se a pessoa participa nela activamente com a sua interioridade. Sempre me impressionou a beleza paradoxal das missas que os sacerdotes celebravam às escondidas nos campos de concentração com um bocadinho de pão e uma gota de vinho!

Procuremos ver o significado da palavra adorar mais de perto. Não vou aqui explorar toda a semântica desta palavra, mas podemos dizer que a adoração tem relação com a liturgia (laos + ergon = povo + trabalho), cujo sentido profano em grego era o de um trabalho do povo e que no grego bíblico e cristão se ligou ao que os sacerdotes fazem em nome do povo no Templo e ao culto que a assembleia cristã presta a Deus. Mas, se quisermos ir mais longe, vemos que São Paulo usa a palavra grega leiturguia (2Cor 9, 12) para falar da colecta para os pobres de Jerusalém, fazendo ver uma estreita relação entre o serviço aos pobres e o culto a Deus. Uma adoração que não se interessasse pelas pessoas que Deus ama, não seria autêntica; mas um serviço aos pobres desligado de Deus perde a seiva e rapidamente se transforma em ilusão.

Uma outra palavra ligada ao conceito de adoração é o de latria, cujo significado seria ligado ao de trabalho serviçal, e que ajuda a perceber que a adoração é um serviço ao Senhor. Mas qual é o serviço que agrada a Deus? É, como dizemos no Pai-Nosso o esforço para que “seja feita a vossa vontade assim na terra como no Céu”. Servir a vontade de Deus eis a boa adoração. Jesus ensina que “não basta dizer Senhor, Senhor! É preciso praticar a vontade do Pai” (cf. Mt 7, 21-22). Adorar, ou seja, servir a vontade do Pai, não é só uma questão de discurso, implica, como Jesus torna claro na parábola dos dois filhos, fazer a Sua vontade (Mt 21, 30-31). A grande questão torna-se a de saber qual é a vontade do Pai? O próprio Jesus o diz: “a vontade do meu Pai é que nenhum dos que Me deu se perca” (cf. Jo 6,38). Em síntese, a obra de Deus, que os seus adoradores realizam, é o serviço à Missão que Deus confia a toda a Igreja e que tem como horizonte todo o mundo. São Paulo, na Carta aos Romanos, permite-nos aprofundar este conceito quando usa a palavra latreia para falar daquilo a que se costuma traduzir como sacrifício vivo santo e agradável a Deus (Rom 12, 1). Ele mostra que a adoração se exprime no dom da própria pessoa a Deus e, consequentemente, num serviço aos outros.

Hoje, muitos são os que usam o verbo adorar sem a força que a Bíblia lhe atribui. É certo que continua ligada ao amor, mas o seu significado está muito secularizado. Os dicionários de português dizem que a palavra pode querer dizer “amar apaixonadamente” ou “sentir um grande agrado”. Percebemos aqui uma mudança de direcção: a adoração, deixa de estar ligada à relação com Deus, ao acolhimento dos Seus dons e ao serviço que se faz à Sua vontade e passa a exprimir a relação que temos com qualquer coisa que nos dê prazer (o mais famoso é dizer que se adora o chocolate). De tal modo que até mesmo quando se diz que se adora Deus se quer apenas dizer que se está agradecido por algo que Ele terá dado. Adorar passa a exprimir apenas o agrado por Deus, ou outra pessoa, ou até alguma coisa, me ter dado algo. Já não é a realização da vontade do Senhor, mas da minha vontade a levar a pessoa a dizer que adora!

Quando vemos que os Reis Magos adoraram Jesus vemos que eles ofereceram presentes! Reconheceram que Jesus é o Deus verdadeiro, o Senhor Bom que deve ser servido e cuja vontade realizada.