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P. Duarte da Cunha
A fé cristã em diálogo com o mundo. Um desafio à própria fé
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Há já muitos anos que se tem visto que aos poucos a maneira de compreender a vida e até o modo de estar diante dos desafios da vida estão a mudar. O mundo está diferente. Alguns dizem que a Igreja está a perder capacidade de falar com os homens e concluem que ela se deve adaptar e mudar. Mas atenção que aqui pode estar um enorme perigo. Que seria se a Igreja para perceber a sua missão se limitasse a perguntar às pessoas o que querem dela? Será que usar as técnicas do marketing basta? Não é mais necessário perguntar a Deus o que Ele quer que digamos e comuniquemos às pessoas? E, contudo, também não é justo ser indiferente ao que as pessoas pensam e fazem, ou seja, à cultura. Se os evangelizadores querem que o que Deus manda anunciar seja acolhido, precisam de ouvir Deus, mas não podem não ouvir os homens.

Eis porque precisamos de dialogar com o mundo. Sem ele podemos ser infiéis ao mandato de Jesus que nos diz para ir até aos confins do mundo. O Papa Francisco traduz esta afirmação evangélica dizendo que temos de ir até às periferias, para explicar que a missão de quem tem fé passa por entrar em contacto com os lugares mais distantes, não só físicos, mas também culturais. Se os primeiros cristãos tivessem ficado fechados em si nunca teriam evangelizado o mundo!

No entanto, não é um qualquer diálogo que faz sentido. Diante da crescente secularização, houve alguns na Igreja que pensaram ser possível também secularizar a acção da Igreja e usar os Direitos do Homem para dialogar com o mundo. Passou-se a falar dos grandes valores do Evangelho, como o amor ao próximo, a justiça social, a atenção aos pobres, a sinceridade, o respeito por cada pessoa, a liberdade. Era grande o entusiasmo com o mundo que se desenhava na Declaração Universal dos Direitos do Homem assinada há 70 anos. Até se dizia que o mundo vai à frente e que a Igreja devia aprender o que Deus lhe diz através dos grandes ideais que se estavam a afirmar na nova cultura emancipada da fé. As grandes revoluções sociais, como a do Maio de 68, pareciam quase evangélicas. O que se perdia pelo caminho parecia secundário. E aqui está o busílis da questão. Os que entraram nesse caminho viveram a ilusão de pensar que o diálogo com o mundo era um fim em si mesmo. Chegaram mesmo a dizer que se pode ser cristão sem fé em Jesus Cristo, até sem fé em Deus! Bastava ser boa pessoa e querer imitar o comportamento altruísta de Jesus, respeitar os Direitos de cada pessoa e tolerar as diferenças.

Este percurso não levou a parte alguma. O mundo está mais desorientado e as pessoas não sabem o que é bem e o que é mal! Quem tenha um pouco de honestidade intelectual constata que as pessoas andam tristes e as tensões não se acalmam. Sem Jesus não se consegue viver o Evangelho. Aliás, este não é só uma série de princípios e valores, é uma Pessoa, é Jesus Cristo! E Jesus não é só um mestre, é o Redentor; é o médico que cura o coração, que dá uma nova vida. Se um crente deixa de propor Jesus Cristo, além de ser infiel a Deus também deixa de ser interessante e ninguém o escuta.

Para contestar os chamados progressistas, surgem hoje movimentos que se opõem a tudo o que vem do mundo e que se recusam a procurar modos de dialogar com os homens que estão longe da Igreja. Fazem muitas críticas ao mundo e em tantas coisas têm razão, mas quem desiste de dialogar também vive uma ilusão. Ficar fechada não torna a Igreja mais atraente!

A Europa está hoje em dia muito dividida politicamente, ideologicamente, economicamente, mas também espiritualmente. Dentro e fora da Igreja se voltou a falar de luta entre progressistas e tradicionalistas. Mas em tudo isto o que me parece que fica de lado é o específico do cristianismo. O segredo de hoje, que já era de ontem, e que todos os santos viveram, é a paixão pelo coração do homem e a certeza de que Jesus salva. Descobrir no coração humano, de todos e de cada homem, uma série de exigências que ele não se dá a si mesmo e que nos colocam a todos no mesmo mundo é indispensável para a evangelização. O diálogo com o mundo torna-se assim diálogo com o coração humano. Claro que a Igreja vai mais longe, ela não se limita a descobrir e despertar perguntas, ela afirma e testemunha na vida dos santos, que as exigências do coração humano têm uma resposta: Jesus Cristo. Deste modo a Igreja escuta as angústias dos homens, mas também e sobretudo escuta Deus para saber quais são as necessidades dos homens e para partilhar a vida de Deus com todos.