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Pe. Alexandre Palma
S. Basílio: a sabedoria de ontem num livro de hoje
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A ponderação do passado é ingrediente de uma justa vivência do presente. Uma das grandes lições da história está em fazer-nos ver como as crises do presente foram, mesmo se de modos distintos, já experimentadas no passado. Aquilo que hoje nos questiona e faz hesitar não é, na maior parte dos casos, uma absoluta novidade, mas antes o reemergir de algo que já desafiou e ocupou as gerações que nos precederam. Longe de mim querer postular uma visão circular do tempo, onde o mesmo regressaria eternamente, removendo pois qualquer espaço para a surpresa da novidade. Quero sim dar expressão a esta lúcida constatação: não estamos sós nos nossos problemas. Quanto mais não seja, porque antes de nós outros enfrentaram situações semelhantes. O passado é também nossa companhia.

Se é sábio reconhecer como tantas das questões de hoje se espelham nas de ontem, não o será menos atender às vias de resposta que então se percorreram. Com efeito, não basta revermo-nos nos desafios daqueles que nos precederam. Essa comunhão terá ainda de se abrir às respostas que então se ensaiaram. Provavelmente, não para as reproduzir de forma mecânica. Seguramente, para aí se encontrar inspiração e critério para os desafios do presente.

Graças a um notável trabalho de investigação e tradução do Pe. Miguel Cabedo e Vasconcelos, temos agora acesso, em língua portuguesa, a um antiquíssimo opúsculo de S. BASÍLIO DE CESAREIA (Aos jovens, sobre como tirar proveito da literatura, Univ. Católica Editora 2018), nome maior entre os Padres da Igreja, originalmente dirigido aos jovens e ocupando-se de uma questão intemporal: que diálogo estabelecer entre a fé cristã e a cultura pagã (aqui materializada na sua literatura)? A questão era crucial naquele longínquo século IV. Não o será menos hoje. As similitudes entre um e outro contexto tornam este texto tão do tempo do Império Romano como da era da globalização. Eis, portanto, um exemplo acabado do perene diálogo entre passado e presente e em que um autor tão distante no tempo como Basílio nos fala com a frescura de um amigo destes dias.

A sua actualidade nem estará tanto na formulação da pergunta, quanto no seu esboço de resposta. Aí o seu equilíbrio é um farol para navegar águas ora demasiado turvas ora demasiado agitadas. Por um lado, propõe uma sincera abertura e disponibilidade para aprender com todos: «de poetas, de contadores de histórias e de todos os homens devemos tornar-nos interlocutores» (II, 8). Mas, por outro lado, sem nisso se abdicar da busca do bem nem se hipotecar aquela inteligência crítica aplicada à vida que se chama «discernimento»: «não deveis […] seguir estes homens por onde quer que eles vos levem, entregando-lhes o leme do vosso pensamento, como se fora um barco; […] recebendo deles o que é útil, deveis ter consciência do que é de aproveitar e do que é de desprezar» (I, 6). Entrar assim num diálogo com este nosso passado através de S. Basílio é, no fundo, deixar falar hoje um acumulado de sabedoria cultivado no tempo. Poder entrar nele está, agora, bem ao nosso alcance: é só abrir o livro e começar a lê-lo.