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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
O Céu não pode esperar!
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Foi há menos de um ano, num parque de estacionamento de Algés. Quando me dirigia para o carro, para lá colocar a senha previamente comprada, o Pedro, um sem-abrigo que costuma rondar a zona, pediu-me uma moeda. Não tinha, porque gastara as últimas na máquina, mas disse-lhe que, depois das voltas que tinha a dar, já teria alguma coisa para lhe dar. O Pedro agradeceu e retirou-se, sem protestar.

Uma hora depois, regressei ao carro. Mal me viu, o Pedro aproximou-se e disse-me que tinha um pedido a fazer-me:

- Os meus pais, que já morreram, eram católicos. Eu gostaria muito de mandar celebrar uma Missa por eles, mas não tenho essa possibilidade. O Senhor Padre podia-me fazer esse favor?

Confesso que fiquei atordoado com o pedido. Supunha que me iria pedir dinheiro, alguma coisa de comer ou de vestir, talvez até um trabalho, ou uma outra ajuda qualquer, mas nunca pensei que, sendo ele um sem-abrigo, fosse fazer um pedido de natureza espiritual, que nem sequer era para ele: uma Missa de sufrágio pelos seus pais! Vivendo na maior indigência, era suposto que as suas necessidades prioritárias fossem materiais, pelo que aquele pedido era, humanamente falando, impensável.

Que ele, cuja instrução religiosa é escassa, me pedisse um bem espiritual, fez-me sentir mais pobre do que ele. Envergonhou-me que o Pedro tivesse tido aquele gesto de tão comovedora piedade filial: nas mesmas circunstâncias, eu decerto ter-me-ia preocupado com as minhas necessidades materiais básicas e não com o bem espiritual de outros! Mas o Pedro fez-me ver que nada se deve antepor à urgência do Céu, nem há deveres mais urgentes do que os que decorrem do quarto mandamento da Lei de Deus, o dulcíssimo preceito, como gostava de dizer São Josemaria Escrivá.

Logo que me foi possível, celebrei, como me tinha pedido, pelos seus pais que, pelos vistos, foram tão bons catequistas deste seu filho, que este ainda se preocupa pelo destino eterno dos seus progenitores. Quando lho disse, o seu sorriso foi enorme. Ficámos de tomar um café em breve, para continuar a nossa conversa. Por sinal, tanto ele como eu nos esquecemos da esmola, que inicialmente me tinha pedido…

Este breve episódio vem a propósito do dia mundial dos pobres, felizmente instituído pelo Papa Francisco. A pobreza, como escreveu o Cardeal Robert Sarah, não é uma desgraça, mas uma graça que todos os cristãos devem viver, à imagem d’Aquele que, sendo rico, se fez pobre, para que nós fossemos ricos pela sua pobreza (2Cor 8, 9). A miséria é, certamente, contrária à dignidade humana e, por isso, deve ser combatida, não só pelo Estado, mas também pela solicitude dos cristãos. Mas a pobreza é uma riqueza, como aquela imensa sabedoria e piedade filial de Pedro, o meu amigo sem-abrigo.

Neste mês de finados, vem também a propósito recordar que as nossas obrigações filiais não cessam com o termo da vida terrena dos nossos pais: podemos e devemos continuar a rezar por eles, depois de o Senhor os ter chamado à Sua presença. Também para eles podemos lucrar as indulgências que a Igreja maternalmente nos oferece.

“Quando os fiéis oferecem as indulgências em sufrágio pelos defuntos – lê-se na instrução Indulgentiarum Doctrina – exercem de maneira excelente a caridade e, ao pensarem nas coisas celestes, procedem melhor nas coisas terrenas. A Igreja convida, ainda hoje, todos os fiéis a que ponderem e considerem o valor das indulgências não só para a vida de cada um, mas também para o bem de toda a comunidade cristã.”

Quem não tem casa, aqui na terra, é um sem-abrigo, mas, aos olhos de Deus, quem o não é?! Todos o somos, porque nesta vida não temos morada permanente, somos “estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Heb 11, 13). Que o Senhor nos conceda a graça de reconhecer a nossa indigência e de acolher os nossos irmãos mais necessitados para que, no reino dos Céus, eles nos recebam nas suas moradas!