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Isilda Pegado
Dar-se
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1 – “Luísa sobe,

        Sobe a calçada,

        Sobe e não pode

        Que vai cansada.

        …

        Saiu de casa de madrugada;

        Regressa a casa é já noite fechada.

        (António Gedeão – “Calçada de Carriche”)

O nome de Luísa pode ser substituído pelo de Luís – talvez a métrica dos versos não seja tão perfeita, mas o sentido é o mesmo. Que relação temos com o trabalho? Como estamos perante as tarefas do dia, da semana e do ano?

2 – Agora que começa um novo ano (porque após período de férias) muitos nos questionamos do como será este ano que agora se inicia. Ou pelo contrário, a nossa vida é a rotina (da Luísa sobe, que sobe…) a que nos afeiçoamos por razões seguramente muito válidas e pensadas. Mas, talvez… será que…?

3 – Trabalhamos para ter dinheiro? Será que o dinheiro, o vencimento ou o ordenado paga o nosso trabalho? Ou, está muito para além do dinheiro, a compensação que temos por fazermos o que nos é pedido?

E, quantas vezes, trabalhamos para ter isto, mais isto, mais aquilo, e ainda… O trabalho é em função do ter? Do comprar?

4 – Na relação que temos com os que nos são mais queridos, a família, e alguns amigos, como equacionamos o nosso trabalho? Trabalhamos também para alimentar a família, para proporcionar conforto e bem-estar nosso, e daqueles com quem privamos. Temos por certo que há um nível de exigências básico que a todos deve ser dado (muito em especial às crianças, aos nossos filhos). Mas para além desse patamar até onde vamos?

Trabalhamos mais para dar mais, ou para ter mais? O dar e o ter, não pode ser equacionado com a nossa entrega pessoal? O verdadeiro dar e ter será o objecto, o jogo, a prenda ou, é esta entrega da minha pessoa àquele que amo, que me completa e me torna maior?

6 – Esta alegria da partilha das circunstâncias de vida, do trabalho, da escola, do divertimento, tem ainda espaço dentro das nossas casas, dentro das nossas famílias, dentro do nosso eu? Ou limitamo-nos a dar e a receber alimentos, roupas, presentes e sucedâneos do Verdadeiro e do Belo… que é cada um de nós?

7 – Não recordo o nome do filme que vi, já lá vão mais de 10 anos, mas apareceu por altura do Natal e contava a história de um homem que tinha prometido ao filho dar-lhe um destes bonecos da moda (super-homem?). O boneco estava esgotado nas lojas. Mas, ora aparecia numa loja, ora já tinha esgotado… e este pai corria atrás do dito boneco. Até que passou o Natal, passou o dia de Natal, sem que ele se apercebesse. Porque a sua cabeça estava preenchida com a ideia de encontrar o boneco para o filho. Via-se a amargura deste homem, que estava separado do filho, que o queria compensar com o “boneco do super-homem”, mas acabou por perder o Natal do filho…

8 – Quantas vezes corremos atrás do “super-homem” ou da “supermulher” esquecendo aqueles e aquilo que temos mesmo ao nosso lado, à nossa espera?

9 – Não deixamos de trabalhar. Mas o quanto e o como trabalhar não estão isentos de avaliação. Tal como outros tipos de comportamento, como sejam o tempo que usamos nas redes sociais, em prejuízo de uma relação próxima e pessoal com pessoas concretas – e não com as publicações que se fazem no Facebook.

Ou a escravidão de comportamentos tipificados, em vez de usar a liberdade de fazer diferente (todos os sábados vamos a …)?

A disciplina pessoal é reconhecível em algumas pessoas, mas todos temos essa capacidade – assim o queiramos. É difícil. Será melhor?

Bom ano de trabalho e de cada um de nós.