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P. Duarte da Cunha
A necessidade de discernimento
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O dicionário diz que discernimento é a “capacidade de avaliar algo com sensatez e clareza; bom senso; habilidade para distinguir entre o certo e o errado, entre o bem e o mal” e dá como sinónimos astúcia, consciência, critério, perspicácia, reflexão. Ao longo da história da teologia e da filosofia também por vezes se falava de discrição (não tanto no sentido de manter segredo, mas como a virtude de distinguir e separar para discernir, do latim discretus); ou de prudência, que é a virtude pela qual uma pessoa pensa bem antes de agir. Na linguagem comum também se diz que alguém age com discernimento no sentido em que age com consciência, ou seja, sabendo o que quer e o que está a fazer.

Podemos, por isso, dizer que o discernimento está ligado, não tanto à pura especulação e a ideias abstratas, mas a ações e a decisões. É, portanto, algo cuja importância se sente muito hoje em dia, em especial porque estamos habituados que tudo seja feito à pressa. O discernimento exige tempo, mas depois, dá muita satisfação.

São muitos os santos ou filósofos que falam de discernimento. Nos ambientes monásticos da Idade Média esta era uma questão essencial; Santo Inácio de Loyola no século XVI toma o discernimento, que leva a compreender o que vem de Deus e o que não vem de Deus, como o perno dos exercícios espirituais e da sua própria vida; entre os autores espirituais do século XX encontramos muitas vezes o tema ligado à procura da vontade de Deus e da vocação. A ação católica, com o seu método de ver, julgar e agir, também tem o discernimento no centro da revisão de vida. A psicologia, por sua vez, fala de discernimento quando procura perceber o que está na raiz das escolhas das pessoas.

Por tudo isto percebemos quanto é importante educarmo-nos para discernir o que devemos fazer. Mas sobretudo para discernir a vontade de Deus.

Um bom discernimento requer, a meu ver, três etapas:

1. Requer que se tenha como certo que existe uma ordem justa, que o Criador não deixou as coisas ao acaso e que, por isso, há bem e mal. Neste primeiro ponto é essencial conhecer aquilo a que se podem chamar os primeiros princípios, ou seja, o que é sempre válido e importante, mas também conhecer a vontade de Deus, a Sua Revelação e os ensinamentos da Igreja. Tudo isso será a luz que permitirá ver a vida com clareza. Quando dizemos que é preciso que a consciência seja bem formada estamos a pensar na necessidade de conhecer bem os critérios com os quais poderemos julgar a realidade.

2. Também requer um bom e atento conhecimento da realidade, não só das circunstâncias externas, mas também do que acontece no coração da pessoa. Um passo essencial é estar atento ao que se passa e entrar bem dentro de si para perceber, como dizia Santo Inácio, o que gera paz e o que gera intranquilidade. Mas não é isso que garante que seja justa a avaliação final. Sobretudo porque, num tempo como o nosso, é fácil cair no sentimentalismo. Importante é, por isso, ser ajudado a compreender a realidade e confrontar o que se passa com as verdades que se conhecem no primeiro ponto. O Senhor mandou os apóstolos dois a dois, também para se ajudarem a manter viva a memória da verdade e a compreender o que acontece. Aqui vemos a importância da maturidade. Uma pessoa madura é aquela que vê a realidade e que a vive de modo objetivo e comprometido.

3. O terceiro momento liga este discernimento ao agir. Podia ser esta a pergunta de partida: o que devo fazer? Mas só ao percorrer o caminho do discernimento fica claro para onde se quer ir e como se chega lá. Além disso, o discernimento faz ver não só aquilo que se deve ou não fazer, como também ajuda a perceber que há metas que sozinhos não conseguimos atingir. O discernimento deve sempre colocar o homem na posição humilde de necessitado da misericórdia de Deus, sem a qual, como diz S. Paulo, fazemos o que não queremos fazer e não fazemos o que sabemos dever fazer (cf. Rm 7,15).

Discernir bem o que devemos fazer na nossa vida pessoal, mas também na Igreja e na sociedade, como diz o Papa, é uma urgência. Até na política (basta pensar no que se passa na Europa com tantos populismos) vemos a necessidade de discernimento, não só dos políticos, mas nossa, dos eleitores, do povo.

A Igreja mostra os princípios e as verdades reveladas para formar uma boa consciência; mas também acompanha a pessoa e a sociedade para compreender bem as circunstâncias e confrontar estas com as verdades essenciais, e finalmente ajuda para que nenhuma queda faça a pessoa desistir e nenhuma meta se torne uma utopia inalcançável.