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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
O divórcio de Maria e José
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De tanto se insistir na sublimidade de Nossa Senhora e na excelsa condição de seu marido, São José, é provável que muitos pensem que aquele casal, mais do que humano, era divino, como divino era o Filho de Maria. É verdade que não se pode exagerar no que respeita aos predicados sobrenaturais de Maria e de José, mas uma tal exaltação não deve ser feita à custa da sua humanidade, em cujo caso as suas excelsas vidas não serviriam de exemplo para a grande maioria dos casais, cuja existência é prosaica.

Não é só por uma questão pedagógica que importa sublinhar a condição humana daqueles esposos de Nazaré, mas também por respeito pela verdade histórica. É certo que não faltaram acontecimentos sobrenaturais nas suas vidas, desde a concepção imaculada da Virgem até à misteriosa encarnação do Verbo no seu seio virginal. Mas estes factos, embora historicamente verdadeiros, foram a excepção à regra da normalidade das suas existências e da sua vida matrimonial e familiar. Mais ainda, não só Nossa Senhora e o santo Patriarca não foram poupados às vicissitudes que são próprias da natureza humana, como também experimentaram as maiores provações que podiam ter sofrido, quer como esposos, quer também como pais de Jesus.

Com efeito, nesta sua última condição, que em Maria era real e biológica, mas que em José era apenas adoptiva, dada a filiação divina de Cristo, aqueles pais padeceram uma das mais terríveis dores que quaisquer progenitores podem experimentar: durante três dias não souberam do paradeiro de Jesus, que se perdera quando a família regressava a Nazaré, depois de ter peregrinado a Jerusalém. À dor maternal e paternal pela perda do filho acrescia, neste caso, a terrível responsabilidade de se tratar do Filho de Deus, que lhes tinha sido confiado para que O protegessem e guardassem. Por isso, não há nenhum exagero quando Maria, ao reencontrar Jesus, Lhe diz que ambos O tinham procurado cheios de angústia (cf. Lc 2, 48).

Também a vida conjugal de Maria e José não foi pacífica, não obstante a enorme santidade de ambos. Com efeito, não só conheceram as dificuldades normais por que passam também todos os casais, como estiveram na iminência de uma ruptura definitiva. É verdade que o divórcio não se chegou a concretizar mas, embora não consumado, chegou a ser uma resolução de José que, diante da evidência da gravidez de Maria, decidiu repudiá-la. Se o não fez, foi apenas porque um anjo o esclareceu sobre aquilo que em Maria se tinha passado, ao mesmo tempo que lhe fez saber que também ele, José, devia participar nessa peculiar missão, não só como marido de Maria, mas também como pai legal de Jesus, que de facto seria conhecido como o filho do carpinteiro, de quem aliás herdou o ofício, que exerceu até ao início do seu magistério público.

Não há casais com problemas e casais sem problemas, mas casais que sabem resolver de forma cristã os seus problemas e casais que, infelizmente, os não conseguem ultrapassar. Não há casamentos que têm êxito e casamentos que fracassam. É verdade que, quando se constata judicialmente a nulidade matrimonial, não há solução possível, porque não se pode consertar o que pura e simplesmente não existe. Mas, se há casamento válido, o sacramento não pode nunca falhar, nem aos esposos cristãos falta nunca a graça necessária para que sejam fiéis e felizes na sua vida conjugal e familiar. Há, porém, pessoas que fracassam no seu casamento, porque não recorreram às ajudas espirituais que a Igreja oferece, ou porque não tiveram as ajudas humanas de que necessitavam para superar essas dificuldades.

Neste ano da misericórdia e do centenário das aparições do anjo em Fátima, queira Deus que, por intercessão de Maria, os anjos socorram os casais em dificuldades, para que, como no caso da Sagrada Família, a tentação da ruptura seja vencida na alegria do amor, que não em vão é o título da exortação pós-sinodal do Papa Francisco. Mas, para além do auxílio angélico, devem os casais poder contar também com as orações, o exemplo e os bons conselhos dos seus irmãos na fé. Cada cristão há-de ser mensageiro da misericórdia divina nos lares mais necessitados, como um anjo da paz conjugal e familiar.