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Guilherme d’Oliveira Martins
Notícias do Pentecostes
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O Papa Francisco acaba de ser galardoado com o Prémio Carlos Magno, atribuído a quem tenha dado um contributo da maior relevância para a construção europeia. Houve quem se surpreendesse, mas muitas foram as vozes dos que se associaram com entusiasmo a essa decisão justíssima. É verdade que o Papa não é europeu, mas isso pode constituir um sinal de que a Europa precisa de um olhar de fora e de um sinal de compromisso com a esperança, a verdade e a justiça. É facto que o Papa tem tido a inteligência de privilegiar uma intervenção humana, muito mais do que um discurso político E é ainda certo que o Papa tem contrariado o conformismo e a indiferença que têm invadido o espaço público europeu – num tempo em que continua a falar-se mais de crise do que de saídas para a mesma e para a depressão psicológica que a acompanha. Faltaria a visão de um Papa argentino para recordar as responsabilidades europeias. Como lembraram Martin Schulz, Presidente do Parlamento Europeu, e Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia, num texto recente, «a alma da Europa são os seus valores», o que obriga a cuidar de um ponto de referência para toda a humanidade. Daí falarem de três desafios, que devem ser especialmente lembrados, e que o Papa Francisco tem defendido, com especial entusiasmo: devemos permanecer unidos, porque está em jogo um modelo de coesão social e de justiça distributiva, centrado na dignidade das pessoas; somos chamados a garantir a segurança e a paz, em ligação com o desenvolvimento humano sustentável; e temos ainda gerir os movimentos migratórios, quando há cada vez mais pessoas a fugir das guerras, dos conflitos e das perseguições, como em nenhum outro momento desde o final da II Grande Guerra. E o repto é de tal significado, que nenhum Estado, por si só, pode encontrar uma solução – mas juntos poderemos partilhar essa responsabilidade num continente de mais de 500 milhões de habitantes. E os dois responsáveis europeus lembram a visita do Papa a Lesbos, que foi mais do que um gesto de boa vontade. O Papa acolheu doze refugiados sírios e, ao fazê-lo, pôde realizar, de modo concreto e solidário, aquilo que muitos Estados, membros da União não fizeram. «Assim nos pede o Papa que atuemos. Solidariedade e amor ao próximo não hão de ser mera retórica de domingo, são valores que têm de ser assumidos sempre». Este é um exemplo de como o Sumo Pontífice aponta caminhos concretos, não no domínio da mera palavra, mas sim da ação! «O Papa Francisco manifestou uma grande confiança em nós europeus (…). Com o nosso modelo de cooperar e de lançar pontes entre pessoas e países, conseguimos ultrapassar a divisão do continente». Há muito trabalho a realizar. Mas as condições serão porventura melhores do que julgamos, parecendo evidente que os riscos de termos menos Europa são tremendos – pela emergência dos egoísmos, pela fragmentação, pela conflitualidade desregulada, pelo alargamento das injustiças, pela perda de valor… Este prémio Carlos Magno reconhece a espiritualidade e o humanismo, sem fazer esquecer outros fatores de respeito e solidariedade… Fechados sobre si os Estados não têm soluções para o drama humanitário. Estamos, contudo, longe de uma solução justa. A Europa precisa de uma sábia ligação entre interesses e valores comuns e a tomada de consciência de que a subsidiariedade obriga a que a legitimidade dos Estados seja completada com a legitimidade dos cidadãos. Em tempo de Pentecostes, quando o Espírito Santo se manifesta com toda a sua força, estamos especialmente despertos para a necessidade de tudo fazer para minorar as injustiças e a indiferença. «Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor» e, ao invocarmos esse momento muito especial de vitalidade e permanência, podemos compreender este tempo de procura da humanidade – em que o Papa Francisco nos propõe, na Exortação Apostólica «Amoris Laetitia», objetivos fulcrais – «acompanhar, discernir e integrar a fragilidade»… Eis o caminho que nos é proposto e a que temos de corresponder!