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Pe. Alexandre Palma
Alegria: estação e viagem
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Toda a viagem se faz com o olhar pousado sobre a meta. Assim acontece na travessia do deserto quaresmal. A terra da Páscoa prometida está sempre presente enquanto se caminha para ela. Toda a viagem se faz por etapas. Também neste êxodo quaresmal assim sucede. A meio desta jornada de 40 dias (no seu quarto Domingo), repousa-se na alegria, qual oásis encontrado em pleno deserto da Quaresma. Só aparentemente parecerá estranho gravar bem no coração da Quaresma a celebração da alegria. Se este é um tempo para ir ao âmago do Evangelho, como poderia ele não nos conduzir à alegria? Se este é um tempo para tudo depurar a fim de nos encontrarmos no essencial, como poderia ele não nos questionar acerca do nosso testemunho da alegria? Assim, usando e abusando das poderosas imagens do poeta Daniel Faria, julgo que a alegria não está aqui «como um lugar mal situado», nem como um «sítio fora do mapa», nem sequer como «um sítio desviado do lugar» deste deserto. Pelo contrário, ela também lhe pertence como autêntica e legítima estação.

A alegria começa por nos ser proposta como imperativo cristão: «alegrai-vos», «exultai». Depois, ela cedo se transforma em indicativo da vida segundo o Evangelho, quase o seu barómetro e critério: há Evangelho onde há alegria. Mas a alegria, antes mesmo de indicar o viver cristão, indica o próprio viver de Cristo. Não se poderá ignorar como a alegria gravita em torno de Jesus, desde o seu nascimento à sua ressurreição, passado pelas suas palavras e gestos. Aí não faltam almas que «exultam de alegria» (cf. Lc 1, 40.47), como não falta gente que parte desesperançada e regressa «cheia de alegria» (cf. Mt 28, 8; Lc 24, 52; Jo 20, 20). No modo de ver e de entender dos evangelhos, há alegria onde há Cristo.

Manda o realismo que se reconheça a dificuldade em fazer da alegria nossa morada e não apenas um lugar passageiro do nosso itinerário de vida. Contudo, talvez esta dificuldade brote também do equívoco de julgar a alegria pela sensação de euforia e entusiasmo que lhe está naturalmente associada. E se alegria não for apenas isso? E se alegria for um organismo vivo, algo que também se move, capaz então de nos acompanhar para lá desses lugares de conforto, até mesmo através dos desertos da vida? Aqui, então, celebrar a alegria em pleno deserto quaresmal torna-se pedagogia de uma arte que nunca dominaremos o suficiente: cultivar a alegria nos oásis da vida, mas também nos seus desertos e, sobretudo, nas viagens que nos trazem entre uns e outros.

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), num verso seu, dizia: «Pobre alma humana com oásis só no deserto ao lado». De facto, assim nos sentimos por vezes, num deserto desprovido de oásis. Mas talvez se-lhe pudesse responder com um outro verso de Daniel Faria: «Sei que estou em viagem na palavra que se move». Esta palavra pode ser a alegria. Nela saberei que estou em viagem, mesmo para esse deserto ao lado, onde um oásis existe.