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Pe. Alexandre Palma
Os frutos cristãos da Europa
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Muito se discute, há vários anos, sobre as raízes cristãs da Europa. Face ao que parece ser um branqueamento da sua própria história e uma diluição da sua memória, várias vozes se têm levantado para recordar como o cristianismo está, para bem e para o mal, nos fundamentos do que é hoje a Europa. Da política à educação, das ciências às artes, da economia à cultura, ali estava o cristianismo como catalisador e como inspirador do melhor que os europeus foram gerando e produzindo. Certo é que, como bem recordava Eduardo Lourenço, há na Europa uma «sublime não-identidade», querendo assim notar como é plural aquilo que fez e faz a Europa. Foi um singular cruzamento de vários vectores culturais que gerou a identidade europeia e o seu encanto. Mas nessa pluralidade o cristianismo encontra o seu lugar como um constituinte radical da Europa, ou seja, como uma sua raiz. Isto permite-nos afirmar, sem ressalvas de maior, que existe mesmo uma raiz cristã da Europa.

Se falamos de raízes, importa recordar o que o Evangelho ensina a seu respeito e estabelece como regra: «pelos frutos conhecereis a árvore» (cf. Mt 7, 16), ou seja, pelos frutos conhecereis a raiz. A atenção que assim devem merecer os frutos, obriga-nos a olhar este debate europeu sob outro prisma. Julgo que importa abrir a discussão sobre as raízes cristãs da Europa à questão dos seus frutos. Não bastará postular essa referência cristã e muito menos vociferar contra a erosão a que ela está sujeita. É ainda preciso mostrar como continuam vivos e operacionais os frutos visíveis dessa matriz cristã que, sob o natural peso do tempo ou da artificial cegueira ideológica, a muitos se tornou invisível. Desvelar a origem e a inspiração cristã de muito de bom que se passa no espaço europeu será seguramente um outro modo de fazer ver e de fazer valer como a Europa não se entende sem o cristianismo. Desta forma, o dado cristão há-de surgir não apenas como memória e herança de um passado fecundo, mas também como profecia e invenção de um futuro ainda por vir. Passar da raiz aos frutos cristãos da Europa é, então, um trânsito que se impõe.

Temos hoje perante nós um exemplo onde tudo isto se joga de forma bem concreta: o acolhimento dos refugiados. Impressiona a forma como tantos no continente europeu se mobilizaram positivamente para acolher estes refugiados e para obrigar os seus governos a agir. A empatia com a situação limite em que estes refugiados vivem; a comoção perante as tragédias a que eles estão sujeitos; a coragem para ultrapassar os medos e receios que estes fluxos e estas situações inevitavelmente geram em todos nós, tudo isto é admirável e tudo isto se tem passado, bem à nossa frente, nesta nossa Europa. Não serão esta atitude e este gesto de acolhimento também um fruto da longa gestação do cristianismo entre os povos europeus? Não quero com isto baptizar à força um movimento que, muito embora envolvendo profundamente tantos cristãos, vai muito para lá da esfera cristã e eclesial. Quero sim afirmar que há neste movimento europeu qualquer coisa de fruto do cristianismo, particularmente relevante até por ser apaixonadamente assumido também por quem já não se reconhece na fé cristã. Isso mostra como a assunção do «amor ao próximo», como a inquietação de saber não apenas «quem é o meu próximo», mas de se autocomprometer questionando ainda «eu sou o próximo de quem» (estou, obviamente, a evocar a parábola do bom samaritano – cf. Lc 10, 29-37) se tornou, para lá de todas as suas contradições, cultura na Europa. Desta forma sim, o discurso da identidade cristã da Europa legitima-se não apenas a partir das suas raízes passadas, mas também dos seus frutos presentes. Nestes se decide também a matriz cristã da Europa.