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Pe. Alexandre Palma
O Evangelho e a cidade
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A cidade é um lugar da fé cristã; um lugar onde o cristianismo, logo nas suas origens, se inscreveu. Não o único lugar, claro está. O próprio Jesus deambulou intensamente por outras geografias, periféricas às cidades do seu mundo. Mas foi em contexto urbano que se deram os eventos fundadores do cristianismo: a morte e a ressurreição de Jesus. Como foi, sobretudo, em ambiente citadino que o Evangelho primeiro se propagou, por acção de evangelizadores como Paulo. Foi aí que se construiu a primeira rede de igrejas da Igreja. Depois, com o crepúsculo das cidades do mundo antigo, o cristianismo encontrou e consolidou também morada noutras paragens.

A cidade volta a ser hoje decisiva para a vivência e o testemunho do Evangelho. Com certeza, por fidelidade às suas origens. Mas, principalmente, porque o nosso mundo é hoje, como nunca o foi antes, um mundo urbano. A nível global, no ano de 2007, pela primeira vez na história da humanidade, a população urbana ultrapassou o número de residentes em ambiente rural. Em Portugal, esse fenómeno ter-se-á dado já em 1993. Hoje, 54% da população do globo vive em cidades (prevê-se que em 2050 sejam já 66%). Em Portugal, esse número sobe para 63% e, na Europa, para qualquer coisa como 70%. Consequência evidente da urbanização de grandes porções da população mundial são, por exemplo, as «megapolis» de hoje. Áreas metropolitas como a de Tóquio, com uns impressionantes 38 milhões de habitantes. Cidades como Xangai, com uns 18 milhões residentes.

Refira-se, contudo, que o caso português tem as suas especificidades. Em Portugal, mais que um processo de urbanização, talvez se devesse falar de um processo de suburbanização do país. Com efeito, se as estatísticas das últimas décadas confirmam um aumento da população nos concelhos da periferia de Lisboa e Porto (Sintra, Oeiras, Almada, Gaia,…), elas mostram também uma diminuição no número de residentes dos concelhos/cidades de Lisboa e Porto. Eis, porque, em Portugal se verifica a urbanização das periferias das grandes cidades do país. Um modo particular de urbanização: uma suburbanização (ou periurbanização).

Este é, então, um elemento incontornável do cenário da actual presença e acção eclesiais. De novo, há que voltar a dizer o Evangelho à cidade. E há que saber fazê-lo. Para isso, é preciso olhar a realidade tal como ela, de facto, se nos apresenta. Importa, por exemplo, perceber que o contexto suburbano gera dinâmicas pessoais e sociais diferentes daquelas que se encontram em espaços rurais, mas também diferentes daquelas que animam os centros das cidades. Homologar estas diferenças, passando por cima delas, dificilmente ajudará a dar significado ao Evangelho para os muitos que habitam as periferias urbanas. Importa também perceber como a cidade é um lugar de luz e sombras. Não só de luz, mas também não só de sombras. Ela é, com efeito, lugar de indiferenças, injustiças, violências, exclusões, onde mundos ostensivamente diferentes podem coexistir de forma apenas justaposta. A sua alta densidade populacional não é garantia de uma maior densidade humana. A cidade é, por outro lado, uma teia de relações, rica de energia e criatividade, novidade e ousadia. Isto explica muito do seu inegável magnetismo. Nisto a cidade é luminosa. Mas não está aqui a sua maior riqueza. Há na cidade um tesouro maior que, por definição, nela nunca escasseia: pessoas. E é sobretudo por isto que ela é um lugar do Evangelho. Porque o Deus que se dá em Cristo é um Deus pessoas. Por isso, Deus terá sempre na cidade uma sua morada.