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Pe. Alexandre Palma
«Missa de homenagem»
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Desculpe a pergunta, mas conhece algum jornalista? Explico o motivo de o interpelar de forma tão intrusiva. Preciso de si, estimado(a) leitor(a). Preciso, porque gostaria que esta minha mensagem (ou pelo menos a perplexidade que a justifica) chegasse às redacções de jornais, rádios, televisões e o que mais houver no universo fascinante dos meios de informação. Preciso, porque não conheço assim tanta gente nesse meio. E gostava de dizer a quem nele trabalha, com honesta candura, que não existem «missas de homenagem» a quem quer que seja. Mas já lá vou. Antes, porém, sinto-me na obrigação de fazer uma pequena ressalva. Estou ciente de como pode ser belicosa a reacção jornalística a críticas como esta que aqui pretendo expor. Sobretudo quando estas críticas provêm de fora do meio, como é o caso. Não haja dúvidas: quem aqui se permite esta liberdade tem a consciência de ser também um beneficiário do vosso trabalho e que, por isso, resiste a embarcar num criticismo fácil da nossa «sociedade da informação».

Mas entremos no tema. Julgo não estar enganado se disser que todos nós já tropeçámos com a expressão «missa de homenagem» (para indicar, supostamente, missas celebradas com intenções particulares por defuntos). Volta não volta, aí a temos de novo, ecoando incólume no espaço mediático e transferindo-se, como doença contagiosa, de notícia para notícia, de órgão da comunicação social para órgão da comunicação social. Recentemente aí esteve ela de novo, passeando-se pelo dito espaço (por motivos bem tristes, como normalmente sucede). Não sei se por causa de uma irritação espontânea ou se simplesmente por cansaço, achei que devia disputar o seu estatuto de cidadania mediática. E despertar o sentido (auto)crítico dos próprios senhores jornalistas: sendo o fito do vosso trabalho oferecer uma informação rigorosa, então sois vós mesmos que não vos podeis permitir que se continue a falar em «missas de homenagem». Simplesmente porque, na mundividência católica (aquela a que semelhante indicação se refere), tal coisa não existe. Ainda me questionei (notória condescendência da minha parte) se poderíamos tolerar que a missa fosse entendida como homenagem a Deus. Mas não, nem isso me satisfez. A missa é outra coisa e não são homenagens aquilo que Deus espera de nós. Quando numa dada missa se têm presentes defuntos de modo algum isso pode ser entendido como uma homenagem. Isso é oração. É rezar por. É voltar-se para Deus e pedir-Lhe que, na sua infinita misericórdia, conceda a essa pessoa o dom da vida eterna. Também na Igreja se homenageiam pessoas, com certeza. Mas, então, descerram-se lápides, inauguram-se bustos, nomeiam-se edifícios e demais coisas do género. Na missa faz-se coisa diferente. Note-se bem no seguinte: nem sequer será preciso acreditar em nada disto para perceber que a missa, na tradição católica, não é homenagem. Basta um pouco de rigor e espírito (auto)crítico.

Um olhar mais lúcido e sereno sobre o (ab)uso de uma tal expressão, talvez permitisse uma reflexão de maior alcance. Com efeito, a forma espontânea como ela surge sempre de novo não pode deixar de levantar questões sérias. Por um lado, ela mostra como a oração cristã pelos defuntos é entendida. Ou melhor, como porventura não é entendida. E isso não pode deixar de fazer a Igreja pensar. Por outro, nisto se percebe como a nossa sociedade tem muita dificuldade em se pensar a si mesma fora do paradigma sucesso e do reconhecimento. Ora sabemos como na vida há muito mais que essa dialéctica bipolar entre sucesso e fracasso, entre reconhecimento e esquecimento, entre homenagem e desprezo. Na vida como na morte. Por fim, ela denota ainda como vamos perdendo a capacidade de falar acerca da morte. Parece que já não sabemos falar da morte! Isto será sintoma de algo cujo verdadeiro alcance talvez ainda não tenha sido devidamente percebido. E disto, a anotada dificuldade jornalística será mais sintoma do que causa.