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Guilherme d’Oliveira Martins
Fraternidade fundamento e caminho para a Paz
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A fraternidade não é uma palavra abstrata, obriga a um sentido de compreensão dos outros, da diversidade, da globalização, da paz, do combate contra a exclusão e a corrupção, abrangendo todos os domínios da vida. O Papa Francisco na Mensagem do Dia Mundial da Paz de 2014 volta a dar um sinal de inovação e de atenta compreensão do momento presente. Ao escolher o tema «Fraternidade, fundamento e caminho para a Paz», fá-lo consciente de que temos de contrariar o cinismo e o ceticismo, que muitos cultivam como modos de entender a injustiça como uma fatalidade. A globalização torna-nos vizinhos, mas não irmãos – daí que ao invés da mundialização da indiferença o Papa proponha a vocação da fraternidade, recordando o que foi perguntado a Caim (e a todos nós): «Onde está o teu irmão?». Será que compreendemos que somos «todos irmãos». As encíclicas «Populorum Progressio» e «Solicitudo Rei Socialis» têm de ser recordadas, quer quando afirmam que «o desenvolvimento é o novo nome da Paz», na expressão lapidar de Paulo VI, na sequência das fundamentais reflexões do Padre L. J. Lebret (1897-1966), quer quando João Paulo II nos afirma, com clareza, que «a paz é fruto da solidariedade». E assim compreendemos o significado e a importância do «cuidar o futuro», que Maria de Lourdes Pintasilgo definiu como bandeira das Nações Unidas.

Verificamos no mundo, nos últimos anos, uma redução da pobreza absoluta e um aumento da pobreza relativa, as desigualdades aumentaram. Com o agravamento das desigualdades afetou-se a coesão social, o dilema eficiência- equidade sofreu uma degradação. A crise financeira tornou (como normalmente acontece nestas circunstâncias) os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. Ao contrário do que alguns pensaram nos anos oitenta, o aumento das desigualdades tornou a economia mais frágil. É chegado o momento de compreender que os recursos escassos estão confiados à humanidade, que a sua repartição tem de obedecer a critérios de justiça distributiva, que o meio ambiente tem de ser preservado, que a economia tem de ter como objetivo a pessoa humana, que a sobriedade tem de se constituir numa regra universal. A família humana recebe do Criador um dom comum, que é a natureza (Bento XVI lembrou-o com especial ênfase na encíclica «Caritas in Veritate»). A fraternidade é, assim, uma premissa para vencer a pobreza, a injustiça e a exclusão. A redescoberta da fraternidade na economia determina a recuperação das virtudes da prudência, da temperança, da justiça e da fortaleza. Trata-se, no fundo, de construir e manter a sociedade à medida da dignidade da pessoa humana.

O Papa Francisco lembra-nos que Cristo abraça todo o ser humano e deseja que ninguém se perca. A igualdade e a diferença são faces da mesma moeda. Daí a importância essencial da fraternidade. Justiça e misericórdia associam-se. Como disse S. Tomás de Aquino: «a justiça e a misericórdia estão tão unidas que uma sustenta a outra. Justiça sem misericórdia é crueldade, misericórdia sem justiça é dissipação». E o Papa Francisco é claríssimo ao dizer que é indispensável percebermos que o agravamento das desigualdades tem-se feito à custa da especulação e da utilização indevida dos recursos postos ao serviço de todos. Olhando a história recente, quando se assinalam os cem anos do início da Primeira Grande Guerra, em quem ninguém acreditava; em face do que aconteceu nas trincheiras e o desastre das consequências económicas e políticas da «paz» de Versalhes; sem esquecer as ameaças atuais de fragmentação social, ligadas à depressão e ao desemprego – temos de ouvir com especial atenção o apelo à fraternidade. Só esta pode extinguir a guerra, ou reduzir-lhe os riscos e os efeitos. E o certo é que a corrupção e o crime organizado (que não podem ser iludidos pela demagogia, que prefere acenar os fantasmas, em lugar de os combater) contrastam com a fraternidade, opondo-se-lhes radicalmente. A fraternidade ajuda a guardar e a cultivar a natureza e a salvaguardar a dignidade da pessoa humana.