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P. Duarte da Cunha
Num mundo de doidos a esperança não está morta
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O que está a acontecer na Síria há mais de dois anos é terrível e ainda por cima não se avizinha um fim para este conflito. Dezenas de milhares de pessoas já foram mortas e milhões de pessoas tiveram que abandonar as suas casas. É todo um país, pessoas de carne e osso, famílias e crianças que se tornam refugiados sem saber o que lhes espera no futuro.

À luz destes horrores, compreendemos bem que esta guerra é muito complexa e não conseguirá ficar resolvida apenas com soluções locais e precisará da intervenção internacional. Portanto, aqueles que têm poder no mundo são chamados a fazer algo na busca de uma solução que não seja apenas aparente e que atenda à realidade das pessoas que estão a sofrer. No entanto, os últimos meses têm mostrado que aqueles que realmente poderiam envolver-se na busca de uma solução pacífica estão divididos entre si. É realmente triste ver que os líderes dos países mais importantes falam deste conflito com um discurso onde as armas e dinheiro parecem ser os únicos instrumentos para parar a guerra. São tantos a dizer que a sua principal preocupação é a defesa dos interesses nacionais! Não é errado que o chefe de um Estado queira defender os interesses dos seus cidadãos, mas é triste perceber que poucos vejam que em primeiro lugar se deve procurar uma paz que seja autêntica no meio dos que estão debaixo do fogo das armas. A paz é importante não tanto porque serve os interesses económicos de um ou outro país, mas porque é a única forma de garantir a vida das pessoas! E esta paz é do interesse de todos. Ou se cuida do bem comum ou entramos em conflito. Quando se pensa que o dinheiro é a força e o motor da sociedade, não se procura uma solução que tenha em conta o bem dos que sofrem, mas apenas os lucros que egoisticamente cada um quer alcançar. Chega mesmo a haver quem ganhe com a guerra e isso é escandaloso. Tendo deixado de lado Deus, o mundo pensa que só pode ser capaz de ter justiça e paz se houver riqueza material e esquece os valores espirituais que são muito mais eficazes na construção da paz.

O Papa Francisco, com a sua proposta de um dia de jejum e oração, foi contra a corrente que pensa que só o dinheiro resolve os problemas, mas ao mesmo tempo veio ao encontro de milhões de pessoas que sentiam como necessário voltar-se para o Único que pode realizar o que aos homens se mostra impossível. Tratou-se de um gesto que lembra o que no fundo do coração todos sabemos: que os conflitos humanos serão resolvidos somente quando o homem parar de tentar construir a Torre de Babel e aceitar a ajuda de Deus.

É impressionante ver a quantidade de pessoas que aceitaram a proposta do Papa, pessoas individuais, famílias, paróquias, dioceses, todos juntos para suplicar a paz. Provavelmente não houve nenhuma diocese na Europa - e talvez em todo o mundo - que não tenha realizado pelo menos um gesto público em comunhão com o Papa. De Lisboa a Minsk, de Chipre ou Malta à Alemanha e à Inglaterra, quase todos os bispos europeus empenharam-se em convidar os fiéis a juntarem-se à grande corrente de oração. A maioria dos bispos presidiu nas suas catedrais ou em algum santuário vigílias de oração. E não foram só os católicos, mas também os cristãos de outras igrejas e comunidades eclesiais juntaram-se ao grito de paz. A comum mensagem dos presidentes do Conselho das Conferências Episcopais da Europa ( CCEE ) e da Conferência das Igrejas Europeias (CEC), testemunha a profunda comunhão de todos os cristãos neste momento dramático. Esta corrente de oração estendeu-se mesmo a pessoas de outras religiões. Todos juntos pela paz. Não é de estranhar que as religiões se unam para rezar - cada uma à sua maneira - pela paz. Aquele que faz a experiência religiosa sabe que sem Deus o homem não pode ter paz no coração e entre os irmãos, e também sabe que sem um olhar de fé, ninguém vai sentir-se responsável e chamado a trabalhar pela paz. Precisamos de ter encontrado a misericórdia de Deus para aprender a perdoar e reconhecer a nossa responsabilidade no trabalho pela paz. Só com o perdão e a reconciliação que se experimenta no encontro com Deus é possível parar as guerras. É assim nas nossas casas e é assim nos países e entre países. Não será suficiente acordos económicos ou o medo de armas.

Apesar da imensa adesão à proposta do Papa que uniu milhões de pessoas, os meios de comunicação social, em quase todo o mundo, trataram este acontecimento como se fosse apenas o evento de um grupo pequeno e insignificante, e não compreendeu o alcance do que se passou no dia 7 de Setembro. Parece-me que para ter paz é preciso que os meios de comunicação social, além do trabalho que já fazem ao mostrar os horrores da guerra e ajudando a criar uma opinião contra as armas, também devem ser capazes de reconhecer que a oração é um facto que envolve milhões de pessoas e que deve ser notícia.

O nosso tempo é paradoxal. Parece que vivemos num mundo de loucos que se recusa a ouvir a voz de Deus, mas ao mesmo tempo, vendo tantíssima gente a rezar pela paz em toda a Europa e no mundo inteiro, somos levados a reconhecer que a esperança não está morta.