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Nuno Cardoso Dias
À dúzia só é mais caro se não usarmos a cabeça
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A tendência normal do mercado é de que quanto maior for o consumo mais barato é o valor por unidade. No caso da água, porém, há boas razões para que não seja assim. Neste caso, porque há que estimular a poupança de água, quanto maior o consumo mas caro esse consumo, para evitar o desperdício. Foi assim que nasceram os tarifários de água que se usam por todo o país, onde o consumo é agravado por escalões: quanto maior o consumo de água mais caro o valor pago por metro cúbico. A ideia é clara e óbvia, mas falha rotundamente se não usarmos a cabeça, literalmente falando.

É que o consumo, em bruto, nada nos diz sobre desperdício. O consumo só diz quanta água passa no contador, não tem em conta a família que a utiliza. É neste ponto que é importante contar cabeças e dividir pelo número de cabeças o consumo registado no contador. Se uma pessoa sozinha consumir metade da água utilizada por uma família de 10 pessoas, claramente esta família faz um consumo mais racional do que aquela pessoa. No entanto, a família vai ser penalizada pelo seu volume de consumo total e, consequentemente, vai pagar mais por cada metro cúbico de água. No final, esta família acabará por pagar mais do dobro da factura de água daquela pessoa, porque o valor unitário a que paga a água é maior, apesar de cada pessoa desta família usar muito menos água do que aquela pessoa.

Aceitando o princípio que visa penalizar consumos excessivos que podem implicar desperdício de água, a APFN defende a criação de tarifários familiares que dividam o consumo total pelo número de membros da família. Deverá ser este o princípio a considerar para efeito dos escalões com a correspondente variação no preço. Trata-se da única forma de assegurar a existência de equidade e justiça nos tarifários, fazendo com que todos paguem o mesmo valor por gota de água consumida.

O primeiro tarifário familiar da água foi criado em Sintra, com a colaboração da APFN, no ano de 2002 e hoje são já mais de 90 os tarifários familiares existentes. Contudo, mais de 10 anos volvidos, muitos mais estão por criar. Desde a sua criação que a Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) vem chamando a atenção para o facto de milhares de famílias numerosas pagarem a água mais cara.

Também em Agosto de 2009 o Instituto Regulador de Águas e Resíduos, através da sua recomendação nº 1/2009, vem reconhecer este problema e sugerir que seja feito o “ajustamento dos escalões de consumo em função da dimensão do agregado familiar…”.

Persistindo contudo a existência de tantos tarifários que prejudicam as famílias numerosas, a APFN entende que está na hora de, em colaboração com algumas famílias, avançar com reclamações administrativas e para os tribunais.

Neste sentido foram entregues às autoridades, no dia 12 de Julho, reclamações relativas aos fornecedores de água dos municípios de Ourém e Maia.

Analisando estes tarifários à luz do padrão internacionalmente aceite de consumo médio per capita mensal de 3,6 m3 obtemos os seguintes resultados:

 

Concelho de Ourém

                        


Consumo mensal


Custo m3


Valor pago mensalmente


TOTAL


POR PESSOA

Família de 2 pessoas


7,2 m3


0,53 euros


3,83 euros


1,92 euros

Família Mendes – 9 pessoas


32,4 m3


1,40 euros


45,46 euros


5,05 euros

 

Concelho da Maia

 


Consumo mensal


Custo m3


Valor pago mensalmente


TOTAL


POR PESSOA

Família de 2 pessoas


7,2 m3


0,70 euros


4,25 euros


2,12 euros

Família Cunha – 6 pessoas


21,6 m3


1,12 euros


24,23 euros


4,04 euros

 

A APFN relembra que a falta de sentido de equidade e justiça para com as famílias com dependentes é em forte medida responsável pela insustentabilidade demográfica que se vive no país e se acentua a cada ano.

Usar a cabeça devia estar presente em toda a governação. Na política fiscal, a tributação do rendimento, a tributação do património deviam ter em conta quantas cabeças são servidas por aquele rendimento e aquele património. Nas políticas sociais o rendimento das famílias devia ter em conta o número de cabeças que aquele rendimento serve. De outra forma, não são só as injustiças que são gritantes, é o desenvolvimento social e humano do país que é posto em causa - tudo por não usarmos a cabeça.