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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
A razão da fé pascal
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A passagem de Cristo para o Pai é a Páscoa da nossa fé

 

Os factos são como seguem: depois de crucificado, Jesus Cristo foi sepultado. Como as autoridades temiam que o seu corpo pudesse ser roubado, o sepulcro ficou sob a vigilância de um grupo de soldados. Curioso este medo, que persiste para além da morte. Razões tinham, com efeito, para temer Aquele a quem tiraram a vida, mas nem assim lograram vencer.

Porque temiam um morto, se um cadáver nada pode? A verdade é que pode muito porque, se presente, facilmente se torna centro de peregrinações de um novo culto, que as autoridades religiosas judaicas queriam a todo o custo evitar. Se ausente, pode dar azo a rocambolescas interpretações, sem excluir, como é óbvio, a profetizada e temida ressurreição. Foi por isso que o sepulcro ficou sob a vigilância dos soldados, mas, mesmo assim, o corpo desapareceu. Na manhã do terceiro dia, o sepulcro estava vazio e ninguém sabia o que acontecera ao cadáver ausente.  

As primeiras suspeitas recaíram sobre os próprios discípulos: talvez, durante a noite, tivessem tentado resgatar o corpo do Mestre. Mas, para esse efeito, teriam que neutralizar os guardas, quer comprando-os, quer dominando-os, e não tinham meios para faze-lo. Foi por isso que não lograram vencer pela força os soldados, que também não puderam subornar, como depois fizeram os pontífices, aos quais interessava que se dissesse que o corpo tinha sido roubado.

Além disso, se foram os discípulos que de madrugada se dirigiram ao sepulcro, foi porque pensavam que o cadáver permanecia onde tinha sido depositado. Ante a surpresa do seu desaparecimento, recorreram a Pedro e João, que também nada sabiam e ficaram igualmente alarmados. Porque nada sabiam, nem tinham a ver com o que acontecera, os próprios concluíram que os restos mortais tinham sido roubados.

E, se tivessem sido os próprios guardas a esconder o morto? Poderiam tê-lo feito na calada da noite … mas, a que propósito?! Para os soldados, a ausência do corpo que lhes tinha sido dado a guardar só lhes podia ser prejudicial, porque eram os primeiros e principais responsáveis pelo desaparecimento daquele que tinham o dever de custodiar. Quando Pedro foi libertado do cárcere por um anjo, os seus guardiões foram, em consequência, executados.

É verdade que os soldados puseram a correr o boato de que, enquanto dormiam, o corpo tinha sido subtraído pelos amigos do defunto. Mas, como podiam eles assegurar o roubo e garantir a identidade dos ladrões, se estavam, como eles próprios disseram, a dormir?! A este propósito, escreveu S. Agostinho: «Astúcia miserável! Apresentas testemunhas adormecidas?! Verdadeiramente estás a dormir tu mesmo ao imaginar semelhante explicação!».

Se ninguém O pode retirar do sepulcro, só cabe uma hipótese: que tenha saído pelo seu próprio pé. Só assim Ele podia ter abandonado o sepulcro, sem lá ter entrado ninguém. Mas, para isso, teve que sair vivo, ou seja, ressuscitou. Nenhum homem tem poder de dar a si mesmo a vida: só Deus o pode fazer. Não é apenas a fé que dá conta deste mistério, mas também a razão, porque a ressurreição de Cristo é um facto histórico transcendente, que prova, com certeza, que Jesus é perfeito homem e Deus perfeito.

Jesus Cristo vive. Não a vida que antes vivera, mas a vida eterna. Não regressou ao seu anterior estado, como Lázaro, como a filha de Jairo, ou o filho da viúva de Naim, quando foram ressuscitados. Sendo Deus e homem, assumiu no seu corpo e alma uma vida humana gloriosa. E foi essa vida nova que Ele nos deu na sua gloriosa ressurreição. A sua – e nossa n’Ele – passagem para a eternidade de Deus é a Páscoa da nossa fé.