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Hermínio Rico, sj
Ministério de pontífice
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Estamos a começar a conhecer o Papa Francisco. Tem havido muitos sinais inovadores, de rotura até, mas ainda é muito cedo para perceber quais serão de facto, e até onde chegarão, as mudanças efetivas que o seu estilo tão diferente parece prenunciar. Por enquanto, esta irresistível interpretação de indícios ainda é sobretudo projeção das expectativas e desejos de quem lê significados.

O que vier a acontecer de novidade não poderá deixar de ser um trazer para primeiro plano de algo mais profundo que, eventualmente, estaria ofuscado ou obstruído por coisas menos importantes, ou até não benéficas, para o conteúdo e a forma do ministério do sucessor de Pedro, bispo de Roma.

Vou fazer o exercício de reinterpretar um dos títulos principais do Papa à luz das palavras e gestos que tenho valorizado como mais significativos. O Bispo de Roma é muitas vezes chamado o Sumo Pontífice, título que remonta às estruturas religioso-políticas da Roma Antiga, mas que assenta numa significação etimológica extremamente sugestiva.

Pontífice é literalmente aquele que “faz pontes”. É, assim, mediador, caminho de ligação, o que aproxima e une. Nunca o fim do caminho, mas via e meio para outros caminharem e haver encontro. Como ponte, tem que estar claramente ligado a cada um dos lados: a Cristo; e à Igreja e à Humanidade inteira. Tem que direcionar sempre para Cristo, não para si, recusando interpor-se demasiado ou fazer-se o foco das atenções, obstruindo o caminho. Mas não pode chegar-se tanto para esse lado que se afaste da vida ordinária dos cristãos e das pessoas comuns, sobretudo daqueles que gozam da preferência de Cristo, os pobres e humildes, os pecadores e os excluídos. Só assim poderá ser pastor que conduz eficazmente o rebanho, porque lhes aponta sempre o objetivo e os acompanha até lá, e se mantém próximo e simples para ser reconhecido, aceite e seguido por todos.

A simplicidade e até informalidade de estilo acentuam este ministério de pontífice interpretado como mediação e facilitação de caminho em direção a outrem. No seu serviço de confirmar na fé, a simplificação da palavra e dos gestos litúrgicos faz crescer a compreensão e adesão afetiva que permite a experiência pessoal, o encontro transformador com a misericórdia de Deus incansavelmente oferecida a todos. Torna-se ponte entre Cristo que ama todos e as pessoas que buscam esse amor misericordioso.

No seu serviço à unidade da Igreja, a modéstia de acentuar o que é comum (apresentando-se como o Bispo de Roma) e fazer notar que a diferença é de serviço na caridade, atira pra segundo plano pontos de contenda entre Igrejas cristãs. Faz-se ponte de unidade, referência comum que estabelece comunicação e abre à experiência de maior comunhão.

No seu serviço apostólico de guiar a Igreja na continuação da missão de Cristo, a aproximação aos destituídos faz mais credível a continuada relevância do anúncio de Jesus que se apresentou como o Ungido para trazer a Boa Nova aos pobres. O seu estilo é a ponte-caminho que todos na Igreja são convidados a percorrer para serem mais fiéis à missão que Jesus a todos confia. E é um contributo imprescindível para a coerência mensagem e prática da Igreja, condição da sua credibilidade.

Uma última nota. O pontífice abre o caminho, oferece a ponte. Mas, para alcançar o encontro, somos nós que temos que caminhar. Facilita a nossa ação, mas não nos substitui. Este ministério de pontífice é crucial para a Igreja, mas o resto da Igreja, toda ela, não pode ficar apenas expectante e espectadora, tem que fazer-se a este caminho, percorrer esta ponte da simplicidade, do serviço, da pobreza. E assim chegar ao grande encontro, com Cristo e com os pobres – que é o mesmo, porque “sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25, 40).