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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Os campeões também perdem
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[Ou como ganhar uma corrida ficando em segundo lugar]

 

Não, não se trata da brincadeira do perde-ganha, nem de nenhuma exaltação do fracasso, nem sequer de uma nova máxima de um inovador programa de auto-estima. Mas de uma história singular e de um singular atleta.

O acontecimento conta-se em poucas palavras: no passado dia 2 de Dezembro, numa prova de atletismo em Burlada, Espanha, o atleta queniano Abel Mutai, medalha de ouro dos três mil metros com obstáculos, pensou erradamente que já tinha chegado ao fim da prova, desacelerando o passo e começando a cumprimentar o público. Na sua peugada vinha um desportista espanhol, Iván Fernández Anaya, que, ao precatar-se do erro desse seu adversário, não aproveitou para o ultrapassar e ganhar assim a competição. Pelo contrário, Iván afrouxou também o ritmo da corrida, para permanecer numa posição secundária, e indicou ao desportista queniano, com gestos e palavras animadoras, o caminho da meta, que Abel cortou em primeiro lugar, graças a esta indicação do atleta espanhol, que perdeu assim a possibilidade de ganhar a competição.

Natural de Vitória, no país basco espanhol, e com 24 anos de idade, Iván Fernández Anaya foi há dois anos campeão dos cinco mil metros em Espanha. Para o seu currículo desportivo, a vitória nesta prova teria sido relevante, como o mesmo reconheceu. Contudo, segundo as suas próprias palavras, mais importante era ganhar a prova moral que aquele desafio para ele representava: «Mesmo que me dissessem que, ganhando aquela corrida, asseguraria a minha presença na selecção espanhola para o europeu de atletismo, não teria procedido de outro modo. Acho que o que fiz foi melhor do que se tivesse ganho. Isto é o que importa, porque numa sociedade em que parece que vale tudo – na política, no desporto, etc. – são necessárias atitudes honradas».

Muitas empresas e famílias tendem a desenvolver nos seus membros o espírito da competição, numa lógica de luta pela sobrevivência, que parece inspirada no evolucionismo de Darwin. Alguns profissionais a tudo antepõem a sua carreira e há pais que querem que os seus filhos sejam os melhores alunos e, para isso, estão dispostos a tudo. Algumas empresas e famílias incutem uma mentalidade relativista e pragmática, que Maquiavel não teria enjeitado. De acordo com esta perspectiva amoral, todos os procedimentos são válidos, desde que sejam eficazes. Os princípios éticos não interessam, quando é o futuro, a carreira, o prestígio, o dinheiro e o poder que estão em jogo.

É salutar o são desportivismo na vida profissional e académica, mas não a qualquer preço. Para ser bom atleta, não basta jogar bem, nem ganhar sempre. É preciso também saber perder, mesmo quando se poderia, sem atropelo das norma éticas, ganhar. Iván Fernández Anaya poderia ter ultrapassado Abel Mutai e alcançar, em primeiro lugar, a meta. Se o tivesse feito, não teria tido nenhum comportamento reprovável em termos desportivos ou, até, de ética cristã. Mas preferiu perder uma corrida para ganhar uma outra prova, que talvez não seja reconhecida por nenhum árbitro olímpico, mas a que as consciências rectas não podem ser indiferentes.

Infelizmente, os meios de comunicação social dão mais importância a um vulgar burlão, ou a uma deputada apanhada em flagrante «decilitro» de condução, do que aos exemplos de boas práticas cidadãs. As condutas desviantes são notícia, mas não os casos edificantes. Dizem alguns que é por causa do seu evidente moralismo, esquecendo que a sua intencionada omissão não é, afinal, menos moralista …           

São estes comportamentos heróicos que fazem a diferença. São atitudes positivas, inspiradas nas bem-aventuranças. São gestos com sinal mais, ou seja, com o sinal da cruz, que é a insígnia identificativa dos verdadeiros cristãos.